Um mosaico formado por rostos de crianças, com a feição que tinham ao serem retratadas pelas famílias pela última vez, é praticamente a única ferramenta de ajuda nas buscas a cada menino e menina desaparecidos em Santa Catarina. Há pelo menos 12 casos confirmados de desaparecimentos não solucionados no Estado desde meados da década de 1990.

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A maioria caiu no esquecimento e depende de pistas para as investigações avançarem. O caso mais antigo é o da menina Eliceia Silveira, que desapareceu há exatos 16 anos, data que serviu de base para o Dia Estadual de Prevenção ao Desaparecimento de Crianças.

A busca por crianças desaparecidas patina na falta de estrutura dos órgãos públicos catarinenses. Uma das poucas iniciativas de acompanhamento de investigações é mantida pela sociedade civil: o Movimento Catarinense de Busca da Criança Desaparecida. A ONG catarinense atua há sete anos principalmente pela internet (www.criancadesaparecida.org).

O policial civil Renato Carneiro do Amaral, de Joinville, é um dos cinco membros da ONG e responsável por manter o cadastro de desaparecidos atualizado. O trabalho começou quando ele assistiu pela TV a uma reportagem sobre crianças desaparecidas, em 2004.

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– Mostrava o trabalho voluntário de buscas. Pensei que poderia fazer o mesmo por aqui.

Desde então, Renato acompanha boletins de ocorrência registrados no Estado para incluir na lista casos novos ou retirar os já concluídos.

– A família pode registrar o boletim e a criança ser encontrada dias depois. Por isso, acompanhamento é importante -, explica Renato.

A ação da ONG que mais teve repercussão foi organizada no último verão. Pulseiras coloridas foram distribuídas em parceria com as polícias Civil e Militar para que os pais identificassem os filhos nas praias da região Norte.

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A experiência foi aprovada pela direção-geral da Civil e deve ser ampliada nas próximas temporadas. Em outra ação, a ONG distribuiu a crianças de escolas joinvilenses cartilhas com dicas do personagem “Juca Sabido”.

Mas a principal proposta do movimento esbarrou no Legislativo catarinense em 2010. Projeto de lei que previa a obrigatoriedade da carteira de identidade ao fazer a matrícula escolar foi arquivado, após tramitar por três anos. A medida dificultaria o vaivém de crianças com certidão de nascimento, mais facilmente falsificada.

– Foi uma decisão lamentável. O documento com foto deixaria a identificação mais segura -, avalia o policial.

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PROJETOS SOB AVALIAÇÃO DA POLÍCIA CIVIL

A busca por crianças desaparecidas pode ganhar luz com a execução de dois projetos em avaliação pela direção-geral da Polícia Civil de SC, ainda que não tenham fonte de recursos definida. Uma proposta é criar um banco com DNA colhido de parentes das crianças. O projeto sugere que os exames sejam encaminhados ao laboratório da Universidade de São Paulo para o cruzamento de dados com amostras do País.

Outra proposta é criar um banco de dados com criminosos condenados por crimes sexuais e abusos contra crianças. As polícias paranaense e gaúcha teriam manifestado intenção em compartilhar informações do gênero.

MARGARIDA OPTOU PELA ESPERANÇA

Hoje ele está com 13 anos. Deve ser um meninão muito divertido. Ainda quero ver meu filho de volta. Mesmo que eu já esteja velhinha -, desabafa a dona de casa Margarida Felisberto, de 54 anos.

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Ela viu o pequeno Alexandre Felisberto pela última vez em agosto de 2004. O menino de seis anos desapareceu quando brincava com um primo numa rua perto de casa, no bairro Conquista, em Balneário Barra do Sul. Apesar do tempo e da falta de pistas, Margarida fala com a certeza de que ele está vivo e voltará para casa.

– Escuto os carros passando e imagino que pode ser alguém o trazendo de volta -, conta.

O sumiço de “Chiclete”, como o menino era chamado na vizinhança, talvez seja o principal mistério que a polícia ainda não resolveu na cidade de 8,3 mil moradores. A suspeita é de que um homem teria oferecido balas e levado Alexandre para um lugar distante.

A Polícia Civil vistoriou a cidade sem nunca encontrar pistas do paradeiro. O pai biológico, a mãe, o padrasto e até um andarilho foram investigados.

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A polícia chegou a pedir a prisão preventiva de um suspeito. A Justiça não aceitou e pediu mais investigações. O inquérito está parado, à espera de alguma pista nova. Na comunidade, sobram acusações e faltam provas. Os delegados mudaram, mas todos os policiais conhecem a história.

– Ainda espero. O jeito é ter fé, fazer o quê? -, questiona Margarida.

SAUDADE ENTREGUE A DEUS

Nos últimos 16 anos, muitas foram as pistas erradas. Maria Inês Silveira chegou a ir de Florianópolis a Minas Gerais, onde uma menina, que se dizia chamar Eliceia, encontrada pelo Conselho Tutelar. Participou de campanhas e deu muitas entrevistas.

– Não dei todas as roupinhas dela. Quis guardar algumas para ela ver quando voltar.

Em 18 de março de 1995, a filha mais velha de Maria Inês, Eliceia, com dez anos, saiu para comprar remédio para a irmã e não voltou. A farmácia ficava a cinco minutos de casa, no bairro Agronômica. A costureira, que já tomou remédio por causa da depressão, hoje reza. Não vai mais à delegacia. Diz ter entregado os problemas a Deus.

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SC NÃO DISPÕE SEQUER DE BANCO DE DADOS

Como o Estado não tem delegacia própria para atuar na localização de crianças desaparecidas, a investigação dos casos fica com a Delegacia de Proteção à Mulher e ao Menor de cada região. As unidades dividem a atenção com casos de agressão à mulher, menores infratores e abusos sexuais.

– Claro que desaparecimentos têm prioridade, mas faltam equipes qualificadas para fazer apenas o serviço -, defende a delegada Sandra Mara Pereira, da Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso, na Grande Florianópolis.

O Estado tem um banco de dados de veículos furtados, por exemplo, mas não existe controle parecido com crianças desaparecidas. Há boletins de ocorrência antigos, datilografados. Ficam assim fora do sistema de informática. Isso explica por que entre as crianças exibidas na página da Polícia Civil na internet há duas que já voltaram para suas famílias.

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– Seria importante existir uma estrutura que acompanhasse as investigações individualmente -, opina Sandra Mara.

O Estado não tem ferramentas específicas, como a que cria imagem envelhecida com base na foto de uma criança. Referência nacional, a polícia paranaense dispõe do sistema e de delegacia própria. Em SC, a maioria das delegacias nem mesmo têm scanners para reproduzir fotos e facilitar o envio a outros órgãos.