O gaúcho Rubenson Schmidt, que mora há 20 anos em Florianópolis, não fazia ideia de que a poucos metros da Praça Hercílio Luz, no Centro Histórico de São José, uma estrutura de 1.750 revela uma marca da escravidão no Brasil. A Carioca construída por açorianos bem no coração da quarta maior cidade do Estado era usada pelas escravas para lavar as roupas dos patrões e a bica d’água construída ao lado também servia para abastecer parte da população local até a década de 50. Hoje, o conjunto de concreto no final da rua, patrimônio histórico de São José, é “só” uma estrutura dividindo espaço com moradores e à espera de revitalização.

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A pequena aula de história aconteceu em plena tarde de domingo, durante a Feira da Freguesia, tradicional evento que há dois anos dá vida ao centro de São José. Desde agosto de 2014, todo segundo domingo do mês, artesãos, artistas, feirantes e moradores lotam a Praça Hercílio Luz, cercada pelos principais pontos culturais da cidade: Carioca, Museu Histórico, Teatro Adolpho Mello, antiga Casa de Câmara e Cadeia que hoje é a Casa da Cultura, Casario do século XIX, Biblioteca Pública e Igreja Matriz. Nas 24 edições da feira, quase 50 mil pessoas passaram pelo local em busca de lazer, cultura e história.

— Achei muito bom aproveitar o domingo para saber um pouco mais da cultura local. Fiquei impressionado com a organização e com o cuidado com as estruturas e materiais históricos — disse Rubenson que, durante a visita guiada realizada pela feira, quis saber mais do historiador Nelson Felix dos Santos sobre o período de escravidão em São José. O professor, que hoje atua no arquivo histórico da cidade, aproveita a deixa e vai além da Carioca.

— São José não dá muita visibilidade ao negro. A história remete à base açoriana em 1.750 e à colonização alemã no século XIX. Mas ao contrário do que muitos pensam, a cidade teve muitos escravos, cuja mão de obra foi usada para construir a cidade. Em dado momento, estima-se que 11% da população josefense era escrava — alega o professor.

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O dado impressionou o casal de gaúchos Denise Cattoi e Marcus Erbes. Eles moram há apenas três meses no bairro Estreito, em Floripa, e souberam dos amigos sobre a Feira da Freguesia. No local, decidiram participar da visita guiada pelo Centro Histórico.

— Ficamos interessados em saber mais sobre a cultura e a história daqui. Foi um passeio muito bom — falou Denise.

Já no Museu Histórico, terceiro ponto da visita guiada, além da espada doada por Dom Pedro II à família que construiu o casarão e demais objetos históricos antigos, uma obra de arte retratando a existência de um pelourinho — estrutura de madeira usada para açoitar escravos — chamou a atenção. A mesma Praça que promove lazer à população hoje na Feira da Freguesia, teve um local para castigar escravos rebeldes.

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Segundo o historiador Nelson dos Santos, o pelourinho foi doado ao Museu Anita Garibaldi de Laguna, porque São José não tinha museu na época. Com a estrutura, o município tenta agora resgatar o objeto histórico.

Feira pode virar quinzenal

Evento para todos os públicos no Centro Histórico de São José
Evento para todos os públicos no Centro Histórico de São José (Foto: Diorgenes Pandini / Agencia RBS)

A visita guida foi apenas um dos atrativos na tarde de domingo, em São José. A Feira da Freguesia começou às 11h e foi até às 19h, com teatro, Boi de Mamão , exposição de artesãos, de carros antigos, sessão de cinema e Food Trucks. O nome Freguesia vem da cultura açoriana, que é portuguesa, para denominar localidades mais importantes que vilas. A classificação se dava por vilas, freguesias e cidades.

O casal de Barreiros, São José, Eduardo da Silva e Viviane Nunes, aproveitou o almoço em família no Dia dos Pais e esticou o passeio até a Freguesia. Eles levaram as filhas Camilly, 9, e Gabrielly, 2, e, guiados pelo pai de Viviane, Valdelino Nunes, passaram a tarde na Praça Hercílio Luz.

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— Já viemos outras vezes. Gostamos muito da Feira. É um lugar muito bom para passear em família — disse Eduardo.

O morador do Bairro Bela Vista, também em São José, Joel dos Santos, participa desde o início da Feira. Ele aproveita o movimento para vender algodão doce para a criançada e, claro, não deixa de dar uma espiada na programação.

— Eu gosto das peças de teatro. Sempre que tem, paro pra ver — conta ele com o sorriso de quem nunca volta para casa com algodão doce e sem diversão.

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A artesã da Associação de São José, Adelir Correia, também participou de todas as edições da Feira expondo seus tricôs e crochês. Ela mora no Estreito e disse esperar que o evento tenha vida longa na cidade.

— Ela dá vida ao centro e atrai moradores e turistas — afirma ela, que confessa ainda não conhecer bem todos os cantos de São José.

— Ainda quero fazer a visita guiada para saber mais sobre o local. Mas só posso quando não estiver trabalhando — diz ela.

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Para os amantes da Feira, a notícia é boa. Segundo a superintendente da Fundação de Cultura e Turismo de São José, Joice Porto Luca, a Freguesia deve se tornar quinzenal e ocupar também a Praça Arnoldo Souza, do outro lado da Praça Hercílio Luz.

— Os números mostram essa necessidade. Começamos com 50 expositores e hoje estamos com 180 e outros 50 na fila de espera, só no espaço de artesãos. Ainda não temos data, mas estamos estudando a ampliação e a realização a cada 15 dias — afirma.