Este foi um domingo, dia 5, de fortes emoções para Gustavo Kuerten. Sentado muito à vontade em um dos camarotes da Filipe Chatrier, o ex-número um do mundo acompanhou a conquista do hexa de Rafael Nadal no Aberto de Paris. Na quadra principal de Roland Garros, o espanhol venceu Roger Federer por 3 sets a 1 e igualou a maior marca da história no saibro, pertencente a Bjorn Borg, campeão em 1974, 1975, 1978, 1979, 1980 e 1981. O catarinense certamente relembrou os seus três títulos conquistados com muito suor, talento e alegria no saibro sagrado parisiense. Antes de desembarcar no Aeroporto Charles de Gaulle, Guga falou com exclusividade sobre o tri em Paris, que completa uma década na próxima sexta-feira, dia 10 junho.
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A vida hoje
“Minha vida está muito diferente do que eu imaginava naquela época. Sigo extremamente ligado ao tênis. Achei que estaria viajando esporadicamente para surfar, mais tranquilo, em casa, sem fazer nada. O esforço é tão grande no circuito (da ATP), aquele turbilhão tem tanta intensidade, que parece, depois, que é preciso ficar ausente de tudo.”
Longe do circuito
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“O tênis de alto rendimento é um empenho de 24 horas por dia, o ano inteiro. E eu, desde os 13 anos até os 24 (a conquista do tri), no meu auge, sabia que tinha muito pela frente. Vive-se aquilo o tempo todo. Intensidade integral, sem descanso. É claro que é superprazeroso. Eu tinha uma relação bem natural com tênis e que me ajudava muito. Parece que, quando estás lá dentro tu enxerga isso e, depois, tu queres se distanciar ao máximo. Foi ao contrário do que aconteceu.”
O extra quadra
“O fato de ter feito a cirurgia (no púbis) e ter parado muito cedo ajudou para que as minhas atenções convergissem para o tênis com mais intensidade. Hoje estou envolvido em projetos específicos, como a Semana Guga, as exibições (jogos), a escolinha, os projetos com o Larri (Passos, técnico). Então o tênis é o dia a dia. Agora, por exemplo, estava acompanhando o jogo do Thomaz (Bellucci, em Roland Garros) pela televisão, normalmente não acompanho, mas com a ascensão do Thomaz isto voltou a acontecer. O tempo todo estou pensando em como contribuir para o tênis. Quando deixei o circuito não esperava que fosse assim tão intenso. Sou extremamente dependente do tênis.”
A aposentadoria
“O momento mais difícil foi aquele último respiro (pouco antes de decidir por deixar o tênis profissional), tentando voltar de alguma forma e não encontrava resposta. Para o grau de exigência de um cara que chegou ao topo do ranking essa expectativa é muito grande. Quando a resposta não é de acordo, fica uma batalha que gera um desgaste enorme. Ao mesmo tempo é bom atravessar, porque gera um desafio.”
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A despedida
“Quando percebi que estava indo mais para o lado do desgaste do que pelo lado do desafio foi o momento em que eu decidi fazer a transição para a minha despedida. Ali tudo foi muito mais saboroso. Era mais um complemento da minha carreira, um momento para eu aproveitar e desfrutar de alguns torneios especiais. Sabia que eu estava num outro estágio, que o meu diálogo com o tênis era diferente. Não havia mais a exigência, em compensação também não havia o gostinho de estar me testando tanto, que também era bom. Mas também hoje é mais fácil desfrutar pequenos detalhes, coisa que não dava tempo antes.”
Tênis na atualidade
“Houve uma evolução natural do tênis nestes 10 anos. Alguns detalhes, mas não há uma diferença drástica. Taticamente, o jogo basicamente é a mesma coisa. Perdeu um pouco por causa da velocidade que ganhou. Os jogadores estão mais rápidos, principalmente na movimentação. A bola, gerando mais velocidade, fez os jogadores terem dificuldades de definir estratégias distintas, porque a velocidade, às vezes, impede o cara de ter um raciocínio rápido. Esta dinâmica aumentou, mas ainda é um jogo similar. Ainda depende de um ponto específico, da estratégia.”
Os títulos
“O terceiro título foi o mais impressionante, mesmo sendo o primeiro o mais surpreendente. Aquele jogo com o Russel (Michael, norte-americano) foi algo incomparável com qualquer tipo de sensação que tive no tênis. E olha que vivi momentos fantásticos, uma vitória sobre o Agassi (na final da Copa do Mundo) por 3 a 0, me tornando o primeiro do ranking. Foi o auge da minha carreira e não foi tão emocionante, nem próximo do que tive jogando uma oitava de final em Roland Garros. O jogo com o Russel (Guga salvou um mactch point) foi de uma dramaticidade ao extremo. Uma tragédia em que está tudo dando errado e, de repente, há uma reviravolta e as coisas vão acontecendo fantasticamente, tudo vindo ao meu favor.”
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A pedreira Russel
“Havia uma nebulosidade me incomodando por mais de duas horas e tudo se dissipou em uma bola. Foi um ponto longo, com duas bolas na linha em 45 segundos. Ele (Russel) ia fechar o jogo, aí ficou 40 iguais naquele game, 5 a 3, e, de repente, eu vi que dava para ganhar. Ele errou uma bola boba, quebrei o saque, e aquilo foi me dando alegria. Fui naquela crença até o final. Estava perdendo por 2 sets a 0 e 5 a 5, mas falei, o jogo é meu. Não tinha dúvida de que iria vencer. No final eu estava quase flutuando na quadra. Até hoje eu falo e fico emocionado (os olhos começam a marejar). É uma satisfação lembrar, porque é algo que não tem como buscar. Não tem como encontrar aquela sensação. Não tem como, por exemplo, meditar e alcançar de novo.”
Coração na quadra
“Sempre fui espontâneo, e isso me trouxe muitas alegrias. Com a emoção por salvar um match-point e buscar um jogo perdido (com Russel) eu consegui fazer o ato mais marcante da minha carreira: desenhar aquele coração de uma forma objetiva. Representei tudo o que eu sentia. Tento explicar o que aconteceu e não consigo, mas ali, em 15 segundos, pude fazer as pessoas entenderem como estava me sentindo naquele momento.”
Um prenúncio
“Saí daquele jogo sabendo que iria ser tricampeão. É muito louco, porque eu era um dos favoritos. Entrei naquele jogo e pensei: foi por água abaixo. Não tem mais como, vou perder para esse cara que não tem a mínima chance. Se ele ganhar a chance de perder a próxima é gigante. Mas, depois de duas horas, se concretizou e eu venci, saí com aquela felicidade toda, falei: agora deu. Nunca tinha ganho com tanta facilidade do Kafelnikov (russo, Yevgeny) como venci nas quartas, e do Ferrero (espanhol, Juan Carlos) na semifinal. Foi a representação do quanto o meu emocional e o mental faziam diferença para o meu jogo. Eu vivo dessa forma, precisava estar contagiado daquela maneira.”
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