Depois de terem perdido seus principais líderes nos últimos anos e reduzido o contingente dos antigos 16 mil guerrilheiros para os atuais 8 mil, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) traçam um caminho que deixa as armas no retrovisor.
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O combustível desse novo e pacífico rumo são as “conversações exploratórias” mantidas com o governo de Juan Manuel Santos para o estabelecimento da paz na Colômbia, e o destino provável é a transformação da guerrilha em partido político.
O professor Marcos Peckel, da Universidad Externado de Colômbia, demonstra certo otimismo, mas faz uma série de ponderações.
– Há já a Marcha Patriótica, que foi organizada faz meio ano com simpatizantes das Farc. Pode ser que ali esteja o começo de um partido. Mas não gosto da forma como essas negociações têm sido expostas na mídia. Isso pode prejudicá-las – disse Peckel, para Zero Hora.
No centro das conversações, destacam-se dois eixos. Da parte do governo, deve ser desencadeada uma reforma agrária que contemple o que Peckel define como as origens das Farc: o campo, onde “há muitos latifúndios”. Da parte das Farc, a institucionalização, com a indenização de famílias das vítimas, culminando na possível criação de um partido político abrigando ex-guerrilheiros.
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E o narcotráfico, sustentação financeira da guerrilha desde a queda da União Soviética? Peckel não tem dúvida: ele se manterá. Alguns dos guerrilheiros não conseguirão se afastar dessa fonte de renda, aderindo a pequenas quadrilhas de narcotraficantes. Outros o abandonarão em troca da ficha limpa, de poder participar da vida institucionalizada.
O processo que pavimentará esse caminho de paz na Colômbia passa, possivelmente, pela experiência sul-africana: guerrilheiros que praticaram crimes não serão anistiados, mas devem receber o benefício da pena baixa mediante a confissão.
As negociações se iniciarão em Oslo (Noruega), em algum dia de outubro ainda a ser definido – o desfecho deve ocorrer em 23 de fevereiro. Cuba e Noruega são os “fiadores” do pacto. A Venezuela e o Chile serão os observadores. Pelo texto, outros países poderão participar mais adiante – inclusive o Brasil, que deu apoio logístico, recentemente, a libertações unilaterais de reféns pelas Farc.
Popularidade de Santos irrita Uribe
Entre os analistas, é consenso que o governo colombiano não conseguiria derrotar as Farc militarmente, mesmo com o enfraquecimento da guerrilha. Ganhará popularidade com a pacificação do país, enquanto a guerrilha se beneficiará pela institucionalização.
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O cientista político Vicente Torrijos, da Universidade do Rosário, de Bogotá, imagina que as Farc queiram se livrar da imagem de “ator armado” para passar a ser um “ator político legítimo”, sentando-se à mesa de negociações. Para o presidente Juan Manuel Santos, há ainda o aspecto eleitoral: ele tentará a reeleição em 2004. Enfim, a conclusão de Torrijos:
– Todos os que estarão sentados à mesa de negociações sairão ganhando com um acordo de paz.
Tido como um linha-dura, o antecessor de Santos, Álvaro Uribe (de quem, aliás, o atual presidente foi ministro da Defesa), deixou de ser seu aliado. Passou a ser seu desafeto. Os motivos são claros: discorda de qualquer negociação com as Farc e quer voltar à presidência.
Por conta dessa insatisfação com o ex-pupilo, Uribe formou seu grupo político, o Puro Centro Democrático. Político astuto, ele evita dizer que se trata de um novo partido – seria, segundo ele, apenas uma coalizão de direita contra moderação.
Santos (como ministro) e Uribe (presidente) desferiram golpes certeiros contra as Farc, levando-a ao quase esfacelamento. Uribe chegou a tentar na Justiça a realização de referendo que abrisse a possibilidade de uma segunda reeleição (o terceiro mandato seguido). A Justiça, porém, fechou-lhe a porta. Então, restou a Uribe, em 2010, a alternativa de apoiar Santos.
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Uribe queria a “re-reeleição” porque se considerava invencível. E, de fato, parecia ser – chegava a incríveis 80% de popularidade em razão do seu combate sem trégua à guerrilha. Santos, agora, com a cartada certeira de preparar a tão sonhada pacificação colombiana – ao mesmo tempo em que não abre mão de reprimi-la -, ganha em popularidade e desbanca os planos uribistas de longo prazo.
A ira de Uribe aparece em suas declarações no Twitter (@AlvaroUribeVel). As frases curtas se tornam slogans políticos. Fala em traição e reclama que Santos vendeu a alma ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez – seu desafeto e observador das negociações de paz.
Santos evita entrar na briga com o ex-padrinho. Indiretamente, porém, não deixa de dar suas estocadas. Acostumou-se a dizer que não é recomendável a um político fazer proselitismo com atos terroristas, sob pena de favorecer os próprios terroristas.