Ao menos 34 bebês de pais russos nasceram em Santa Catarina na rede pública de saúde em 2022. Os dados são da Secretaria de Estado da Saúde (SES) e apontam crescimento nos nascimentos após o início da guerra na Ucrânia. Florianópolis segue como principal destino. Dados obtidos pelo jornal Deutsche Welle apontam que, somente neste ano, 33 crianças nasceram na Capital catarinense, tendo como pais imigrantes europeus.
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Segundo a pesquisadora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Svetlana Ruseishvili, o turismo de parto “diz respeito às mulheres que escolhem um país para parir, sem pretensão de se estabelecer nele, e, sim, para obter o passaporte para o seu filho”.
Os motivos que levam casais russos a darem à luz bebês em Santa Catarina
“Os motivos dessas mulheres são variados, mas os principais são a busca de melhores condições médicas e o acesso à cidadania para a sua criança e, eventualmente, para outros membros da família”, disse em um artigo sobre o tema.
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A modalidade ganhou destaque no último mês após a Polícia Federal Argentina abrir uma investigação sobre possíveis fraudes praticadas por uma empresa que agencia mulheres russas para terem os filhos no país. A suspeita é de que uma empresária teria obtido dinheiro público de forma fraudulenta, por meio da falsificação de documentos e com atestados de residência falsos.
Em Santa Catarina, uma investigação parecida ocorreu em 2019 após uma denúncia do Conselho Tutelar de Florianópolis. O órgão, na época, desconfiou dos motivos que levaram russas a terem filhos na Capital e depois deixarem o país. Um recém-nascido chegou a ser retirado dos pais, sendo levado a um abrigo.
Ao Diário Catarinense, o Ministério Público Federal (MPF) informou que o caso foi arquivado. Isto porque as investigações concluíram que não houve irregularidades e que o interesse principal era a obtenção de nacionalidade e passaporte brasileiro para os bebês, que é permitido por meio do artigo 12 da Constituição Federal.
“Todavia, considerando que a apuração realizada pela Polícia Federal no âmbito da Delegacia de Imigração, que contou com consultas aos bancos de dados de movimentação migratória, de passaporte e, inclusive, com entrevistas de algumas mães russas, revelando assim, a inexistência de irregularidades migratórias, concluiu que o interesse principal era de obtenção de nacionalidade e passaporte brasileiros para os bebês, nos termos previstos pelo art. 12, inciso I, alínea A, da Constituição Federal, condição que permite, posteriormente, aos pais e irmãos, solicitarem uma autorização de residência em nosso país para reunião familiar (art. 5º e seguintes da Portaria Interministerial nº 12, de 13/06/18), verifica-se não haver qualquer justificativa para adoção de qualquer outra providência”, diz a nota enviada pelo órgão.
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Guerra influenciou procura
Segundo dados da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), a primeira criança de pais russos nascida em Florianópolis foi registrada em 2016. Porém, nos últimos anos, houve crescimento na procura.
Dados da Secretaria de Estado da Saúde, no qual o Diário Catarinense teve acesso, apontam que, no ano passado, 34 partos de russas foram realizados na rede pública de saúde em SC. Em 2021, por exemplo, foram 15, enquanto em 2020, seis mulheres realizaram o procedimento no Estado.
Se levar em conta somente a capital catarinense, em janeiro deste ano, nove mulheres russas deram à luz na Maternidade Carmela Dutra. Em dezembro do ano passado foram duas.
A escolha por Florianópolis fica evidente ao comparar com outras cidades brasileiras. Conforme dados obtidos pela Deutsche Welle, enquanto 38 bebês de pais russos nasciam na Ilha de SC, foram registrados apenas 17 nascimentos no restante do país — 12 deles no Rio de Janeiro.
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Entre as crianças de pais russas, nascidas em Florianópolis, está a filha dos empresários Anastasia Panina, 32 anos, e Dmitrii Panin, 35 anos. Eles contam que pensavam em ter filhos há alguns anos, mas o homem não se sentia preparado. Porém, após ler o relato de um pai russo sobre a experiência de parto na Capital catarinense, ficou animado com a possibilidade que a cidade poderia oferecer à família.
— Eu sempre quis ter um bebê em outro país. Queria que nosso filho tivesse uma nacionalidade diferente e um passaporte forte, que abrisse mais possibilidades para ele poder estudar e trabalhar onde quisesse — pontua Anastasia.
No ano passado, os dois viajaram para Florianópolis, onde encontraram uma “cidade pequena e segura”. No início de 2022, o casal viajou ao Brasil e visitou Rio de Janeiro e São Paulo, mas preferiram Florianópolis por acharem “uma cidade pequena e segura”. Em março, Anastasia engravidou após os dois voltarem à Rússia.
Com o avanço da guerra contra a Ucrânia e o risco de Dmitrii ser convocado, o casal decidiu vir ao Brasil para ter a criança. Entre as facilidades para a prática, está a falta da necessidade do visto para entrar no país.
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Além disso, se o bebê nasce em território brasileiro, os pais podem se naturalizar em um ano, desde que morem no Brasil e façam uma prova de português. Isto é garantido por meio da Constituição Federal, que classifica a situação como reunião familiar.
Turismo custa R$ 21 mil
O casal de empresários pagou quatro mil dólares para uma empresa que auxilia russos que querem ter seus filhos no Brasil — aproximadamente R$ 21 mil. Além de acompanhar os russos nas consultas de pré-natal e parto, eles também auxiliam na compra de passagens aéreas, aluguel ou compra de imóveis, tradução e organização de documentos para solicitar passaporte e residência. Anastasia e Dmitrii pagaram, ainda, R$ 14,5 mil para o hospital e o médico.
No site oficial, a empresa se define como a “única no Brasil com uma equipe de doulas qualificadas, tradutoras juramentadas e advogadas experientes, para que você possa confiar todas as suas preocupações a nós, enquanto você se concentra no principal – a chegada do seu tão esperado bebê”.
Porém, ao olhar na internet, é possível encontrar diversas páginas voltadas para o turismo de parto para as russas focadas na Capital catarinense. Nas imagens, é possível ver bebês com passaportes russo e brasileiro, visitas a médicos acompanhadas por profissionais e barrigas pintadas.
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O Diário Catarinense procurou a Polícia Federal a respeito de informações sobre o número de casais russos que solicitaram o visto de reunião familiar em SC nos últimos anos, mas não teve retorno até a publicação.
*Com informações de Maurício Frighetto, da Deutsche Welle.
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