A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, tomou posse nesta quarta-feira (11), no primeiro evento público no Palácio do Planalto desde o ato golpista na praça dos Três Poderes, e comparou os ataques à democracia do último domingo (8) às inúmeras invasões e violências cometidas em terras indígenas (TIs).

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Guajajara afirmou, ainda, que a diferença é que a violência contra os povos costuma ter menos visibilidade na sociedade, mas que pretende usar o inédito ministério para mudar essa realidade.

— Povos que resistem a mais de 500 anos de diários ataques, covardes e violentos, chocantes e aterrorizantes como os que vimos nesse ultimo domingo em Brasília, porém sempre menos visibilizados — afirmou.

— Estamos aqui hoje, neste ato de coragem, para mostrar que destruir essa estrutura do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional não vai destruir a nossa democracia —continuou.

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O evento aconteceu em conjunto com a posse da ministra Anielle Franco, da Igualdade Racial, no Palácio do Planalto.

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Inicialmente, a cerimônia de Franco estava marcada para segunda-feira (9) e a de Guajajara para terça-feira (10). As duas acabaram canceladas, no entanto, em razão do ato golpista do último domingo (8) que invadiu e vandalizou não só o Planalto, mas também o Congresso Federal e o STF.

— A nossa posse aqui hoje, minha e de Anielle Franco, é o mais legítimo símbolo dessa resistência secular preta e indígena no Brasil”, afirmou ela, que puxou coro de “sem anistia” – referência às investigações contra o ex-presidente Jair Bosolnaro (PL)- e completou afirmando que “nunca mais vamos permitir um outro golpe no nosso país — afirmou.

As posses das ministras marcam o primeiro evento com participação de público desde a depredação. A cerimônia contou com cantos de indígenas e do Afoxé Ogum Pá.

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Estiveram no palco, entre outras autoridades, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice Geraldo Alckmin, a primeira-dama Janja e o ministro da Justiça, Flávio Dino, além de lideranças indígenas como a deputada federal eleita Célia Xakriabá (PSOL-MG) e da mãe yalorixá Dora de Oya.

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Guajajara, em seu discurso, ainda ressaltou a importância dos territórios indígenas como forma de preservação do meio ambiente. Ela também lembrou a morte de diversas lideranças indígenas e ambientalistas defensores da floresta, além dos assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips, no Vale do Javari.

— Esse brutal assassinato não pode permanecer impune — afirmou ela, que ainda acrescentou que a proliferação de fake news também é uma das causas do genocídio contra os povos indígenas.

— Não somos o que muitos líderes da história ainda costumam retratar. Se é verdade que muitos de nós resguardam modos de vida que estão no imaginário da população brasileira, por outro nós existimos de muitas e diferentes formas. Estamos nas cidades, nas aldeias, nas florestas, exercendo os mais diversos ofícios que você pode imaginar — disse.

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— Vivemos no mesmo tempo espaço que qualquer um de vocês, somos contemporâneos desse presente e vamos construir o Brasil do futuro, porque o futuro do planeta é ancestral — completou.

Ela também anunciou os seguintes nomes: Jozi Kaingang, chefe de gabinete; Eunice Kerexu, secretária de Direitos Ambientais e Territoriais; Ceiça Pitaguary, secretária de Gestão Ambiental e Territorial Indígena; Juma Xipaia, secretária de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas; e Marcos Xukuru, assessor especial.

O secretário-executivo do ministério, como mostrou a Folha de S.Paulo, será o advogado Eloy Terena, que defende os indígenas em diversas causas no STF, inclusive o caso do marco temporal.

O movimento indígena, inclusive, vê o nome dele como uma possível indicação para o Supremo. A ideia da direção da Apib é articular para que ele seja um dos cotados nas vagas que irão ser abertas na Corte durante o governo de Lula. O petista fará ao menos duas indicações.

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— É urgente promovermos uma cidadania indígena efetiva. Isso não se faz sem demarcação de territórios, proteção e gestão ambiental e territorial, acesso à educação, acesso e permanência à universidade pública, gratuita e de qualidade, ampla cobertura e acesso à saúde integral — completou, antes de encerrar seu discurso colocando um cocar na cabeça de Lula.

Como antecipou a Folha de S.Paulo, Guajajara foi escolhida para o cargo por Lula após a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) indicá-la dentro de uma lista tríplice ao lado da deputada federal Joenia Wapichana (Rede-RR) e Weibe Tapeba.

Os outros dois acabaram, respectivamente, com a presidência da Funai (que passou a se chamar, por decisão do atual governo, de Fundação dos Povos Indígenas) e da Sesai (Secretaria de Saúde Indígena).
A escolha de Guajajara, no entanto, chegou a causar algum atrito dentro do movimento indígena. Lideranças vieram à público afirmar que entendiam que ela, que foi eleita deputada federal por São Paulo, deveria manter seu mandato na Câmara, enquanto Wapichana, que não conseguiu se reeleger, deveria assumir o ministério.

À Folha de S.Paulo, a ministra afirmou que vê como normais as críticas. Também se comprometeu a revisar os nomes de militares alocados na gestão Bolsonaro dentro da Funai.

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— Acabou a era militar, são novos tempos. Esses cargos serão ocupados por indígenas ou por pessoas não indígenas indicadas pelos indígenas — afirmou.

Guajajara assume um ministério inédito, criado por Lula após quatro anos de governo Bolsonaro no qual nenhuma nova terra indígena foi demarcada -pelo contrário, na última gestão o número de invasões aos territórios e de violências contra indígenas registrou recordes.

Para a ministra, a situação mais crítica acontece nas áreas dos Yanomami, em Roraima, e Munduruku, que fica na Amazônia e principalmente no Pará. As áreas vêm sendo fortemente afetadas pelo garimpo ilegal, que foi também impulsionado pelo ex-presidente e seus aliados.

*Reportagem de João Gabriel, Renato Machado e Matheus Teixeira