O líder da oposição venezuelana, Juan Guaidó, e o preso político Leopoldo López, que estava impedido de sair de casa, em prisão domiciliar, foram no início da manhã desta terça (30) até a base aérea de La Carlota, em Caracas, para anunciar o apoio de militares dissidentes na luta contra o regime do ditador Nicolás Maduro.

Continua depois da publicidade

— Hoje soldados que são valentes vieram até aqui porque nosso primeiro de maio começou hoje. Estamos chamando as Forças Armadas para acabar com a usurpação hoje — disse Guaidó, que deu as declarações por meio de um vídeo publicado em suas redes sociais, no qual aparece cercado de militares que o apoiam, armados, e ao lado de López.

Também nas redes sociais, afirmou que está "dando início à fase final da Operação Liberdade", para tirar Maduro do poder. A frase foi repetida por López em uma publicação no Twitter, na qual ainda afirma ter sido "liberado por militares à ordem da Constituição e do presidente Guaidó". Para se diferenciarem dos militares que apoiam o regime, os dissidentes usam uma faixa azul no braço.

López estava em prisão domiciliar desde 6 de agosto de 2017, cumprindo pena de quase 14 anos, acusado de incitar a violência em 2014.

Continua depois da publicidade

Ambos os oposicionistas deixaram a base aérea de La Carlota porque o lugar passou a ser alvo de bombas de gás lacrimogêneo lançadas pela Guarda Nacional, alinhada ao regime de Maduro. A assessoria do partido Voluntad Popular disse que Guaidó e López foram levados a um "lugar seguro".

Com a mudança, a oposição passou a chamar a população para se concentrar em outro ponto de Caracas, o distribuidor Altamira, lugar tradicional das manifestações antichavistas e onde manifestantes foram assassinados em 2017.

Após as declarações do líder oposicionista em frente à base aérea, o dia amanheceu com buzinaço e gritos. Também eram ouvidos panelaços. Por volta de 8h (9h em Brasília), o trânsito estava caótico. O Exército fechou diversas avenidas principais da cidade e há congestionamentos nas ruas.

Juan Guaidó e o líder opositor, Leopoldo López
Juan Guaidó e o líder opositor, Leopoldo López (Foto: Reprodução/ Twitter)

Tomada de Miraflores

A quarta-feira (1º) será um dia chave na disputa de poder que a oposição começou naquele 23 de janeiro.

Continua depois da publicidade

A equipe de Guaidó chegou a chamar esse dia de "tomada de Miraflores", esperando que o governo de Maduro, a esta altura, estaria tão debilitado que sucumbiria agora. O objetivo, porém, ainda parece não estar tão perto, e o medo da oposição é que sua chama comece a se apagar. Ou seja: que, como em 2017, durante a polêmica campanha da Assembleia Constituinte, as pessoas se cansem de ir às convocações e acabe dando lugar à resignação.

No último fim de semana, Guaidó tinha programado um ato grande em Barquisimeto, capital do estado Lara. Havia milhares de pessoas esperando-o, mas o governo bloqueou vias e impediu que o evento ocorresse. A equipe de segurança do líder opositor o aconselhou a voltar a Caracas.

Por isso Guaidó vem insistindo com afinco para que todos compareçam. Na noite desta segunda-feira, foram divulgados os mais de 20 pontos de concentração para o início da marcha de 1º de maio.

Para a sobrevivência política do projeto de Guaidó, é essencial continuar a encher as ruas.

Bombas de gás já foram registradas na manhã desta terça-feira em Caracas
Bombas de gás já foram registradas na manhã desta terça-feira em Caracas (Foto: Yuri Cortez/ AFP)

Situação triste na Venezuela

A reportagem do jornal Folha de São Paulo, que está em Caracas, registrou famílias tirando água do rio Guaire em baldes. Entre eles, estavam também os conhecidos como "mineradores", geralmente adolescentes, apenas em calções ou bermudas, que se metem no meio do rio para buscar restos de alimento ou algo que possa ser útil.

Continua depois da publicidade

Nas últimas semanas, a falta de água e os apagões elétricos que vão e vem são o drama mais recente da crise venezuelana. Vários quarteirões da parte leste da cidade, onde estão os bairros de classe média e alta, estavam sem luz, um cenário que lembra o início da devastação ocorrida na cidade norte-americana de Detroit após a crise da queda da venda de automóveis.

Já o cenário desde o aeroporto é desolador. O mato cresce desordenadamente entre as pistas de aterrissagem. Quando a reportagem chegou, havia apenas um avião grande de uma companhia internacional estacionado e algumas aeronaves menores de empresas privadas.

O antes charmoso aeroporto de Maiquetía, que servia de "hub" para europeus, norte-americanos e sul-americanos que se dirigiam ao Caribe, hoje é um espaço de desconfiança e delitos -houve até assassinato à queima-roupa numa fila de check-in.

Quem não tem um transporte combinado de antemão é logo cercado por gente que quer vender algum serviço: "Quer ligar para alguém? Um dólar a chamada pelo meu celular", "Quer que te leve a algum lugar? Meu carro está aí fora, tem ar-condicionado, 20 dólares até o centro".

Continua depois da publicidade

Não há mais táxis oficiais no aeroporto. Na praça de alimentação, só dois restaurantes funcionam, vários estão de portas fechadas, não há sinal wifi. É aconselhável manter um ar de certa tranquilidade. Oficiais armados da Guarda Nacional Bolivariana medem com o olhar os que chegam e suas bagagens.

Poucos restaurantes, no lado leste da cidade, estão abertos depois das 21h. O pagamento cada vez mais tem sido em dólar, devido à falta de moeda provocada pela hiperinflação.

Governo de Maduro reage

Por meio das redes sociais, o ministro da Comunicação do governo, Jorge Rodríguez, publicou que "nestes momentos, estamos enfrentando e desafiando um reduzido número de efetivos militares traidores que se posicionaram para tentar um golpe de Estado".

Já o ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino, afirmou que há normalidade nos quartéis. Ele publicou que "a Força Armada se mantém firme na defesa da Constituição e de suas autoridades legítimas. Todas as unidades militares das oito regiões de defesa integral reportam normalidade em seus quartéis e bases, sob mando de seus comandantes naturais".

Continua depois da publicidade

Líder da oposição a Maduro e presidente da Assembleia Nacional, Guaidó se autoproclamou presidente venezuelano no dia 23 de janeiro. O Brasil, os Estados Unidos e o Canadá estão entre os países que declararam apoio ao movimento do opositor, além da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Já Leopoldo López estava em prisão domiciliar desde julho de 2017, após ter ficado três anos em uma penitenciária do país. Ele foi condenado sob acusação de "incitação à violência" durante protestos exigindo a renúncia de Maduro que deixaram 43 mortos entre fevereiro e maio de 2014.