Dados do Conselho Nacional de Justiça apontam: 11,7% dos pretendes à adoção no Brasil querem crianças com até um ano de idade; 0,86% é o percentual de bebês disponíveis nessa faixa etária; 63,2% dos candidatos não aceitam crianças com irmãos; 60,8% dos acolhidos não estão sozinhos nos abrigos. Tentar equalizar essa conta, mostrar que é possível ampliar o perfil de adoção e auxiliar para que o processo de criação de laços seja bem-sucedido é um desafio permanente para entidades e órgãos ligados ao tema.

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– Tem muito aquela coisa de querer um bebê. Só que no nosso sistema, as crianças crescem dentro das casas de acolhimento. É preciso desmistificar um pouco a família da propaganda de margarina, porque não é. Quando a gente adota crianças, principalmente maiores, elas vêm com as próprias histórias. É necessário ter maturidade suficiente para entender isso – pontua Iara Regina dos Santos Parisotto, vice-presidente do Grupo de Apoio à Adoção de Blumenau (Geab).

É nesse cenário que, cada vez mais, os grupos de apoio ganham força e se tornam agentes de transformação. Têm a missão de sensibilizar a sociedade para a quebra de paradigmas e estereótipos de famílias perfeitas. Mostrar aos pretendentes que adoção é assumir o compromisso de amar e zelar por alguém, independente de idade e cor. Aceitar que cada um carrega a própria história e que é preciso saber lidar, entender que haverá, sim, dificuldade, mas que isso independe da forma como o filho entrou em sua vida.

Os grupos existem para garantir a convivência familiar e comunitária. Para que essas crianças e adolescentes não fiquem esquecidos em abrigos. Para que não pensem que porque eles têm onde dormir e o que comer está tudo certo. Não está, porque nada substitui a família no desenvolvimento – defende Sara Vargas, presidente da Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção.

Elke Silvério, 40 anos, e Massimo Luciano, 52, entraram na fila de adoção de peito aberto, sem restrições quanto ao perfil dos futuros filhos. Da inscrição até a chegada das crianças, foram quase dois anos. Mesmo assim, quando o trio entrou na vida do casal, o impacto foi forte. Eles não escondem as dificuldades após se verem mergulhados em um universo de dúvidas e angústias quanto à criação das gêmeas Lia e Gabrielle, de cinco anos, e de Matteo, quatro anos.

– Foi difícil. A gente não sabia muito bem como lidar com eles, porque tinha aquela coisa de querer compensar pelo que as crianças passaram antes. Eu me sentia mal por repreendê-los e isso me levou à depressão. A gente fez terapia. A psicóloga disse que eles são normais, não fazem nada que outras crianças não façam – conta Elke.

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O casal recorreu ao Geab, que presta atendimento gratuito, para enfrentar as dificuldades. Lá entenderam que muitas das situações que passaram quando se tornaram pai e mãe não era exclusiva deles. Ouviram de outras famílias os mesmo relatos e tornaram a relação com as crianças ainda mais forte. Luciano reconhece que se acostumou aos poucos com a nova vida, cheia de dúvida, medo e insegurança, sentimentos inerentes à maternidade e paternidade, mas que trazem também a recompensa de ouvir os sonoros “mamãe” e “papai”.

– Quando nos ligaram, não perguntamos como eles eram. Quem chamou nossa atenção para isso foi a assistente social do Tribunal de Justiça. Não perguntamos cor e idade. Simplesmente embarcamos no carro e fomos conhecer. Foi amor à primeira vista, não consigo mais pensar minha vida sem eles – confessa Luciano.

A expectativa da espera

Em 2017, Ariane Hammes Lima, 33 anos, e Robson Bezerra Lima, 38, deram entrada no processo para adoção. Ainda não venceram todas as etapas e vivem a ansiedade da espera. Enquanto isso, encontram uma forma de se preparar. Não só frequentam como também são voluntários no grupo de apoio de Blumenau, onde ouvem atentos as experiências daqueles que já encontraram os filhos. Um verdadeiro choque para quem tinha apenas a visão do lado romântico da paternidade e da maternidade.

Lá (no grupo de apoio), eles mostram a realidade mesmo. Nem tudo é um mar de rosas, como em qualquer família. Tem que saber enfrentar os desafios e entender que não é um objeto que você volta na loja e devolve – fala Ariane.

A visão do casal sobre adoção mudou tanto que ampliaram o perfil. Enquanto antes queriam apenas um bebê, agora estão dispostos a acolher uma criança mais velha e se sentem preparados para o desafio. Sabem que virão com histórias que precisam ser respeitadas e que exigirão responsabilidade para lidar. Já conhecem o sistema a tal ponto que cobram mais agilidade por aqueles que estão no abrigo à espera de um lar que os acolha e dê amor.

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Desde quando Ariane e Robson começaram o processo na Justiça até o fim do ano passado, 53 adoções foram efetivadas em Blumenau. Este ano o número chega a 11 crianças. Ainda assim, outras nove aguardam por uma família. Elas têm entre cinco e 17 anos, em alguns casos com irmãos. Em contrapartida, existem cerca de 190 pretendes à adoção habilitados na cidade.

Ariane Hammes Lima, 33 anos, e Robson Bezerra Lima, 38, iniciaram o processo para adotar há dois anos e desde então participam do grupo de apoio
Ariane e Robson iniciaram o processo para adotar há dois anos e desde então participam do grupo de apoio (Foto: Talita Catie)

Sistema de adoção precisa ser mais ágil

Essa agilidade citada por Ariane e Robson é uma das batalhas dos grupos de apoio, que se esforçam também para incentivar a adoção de crianças maiores. Porém, é preciso que as autoridades se empenhem para aprimorar o processo. A presidente da Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção, Sara Vargas, defende a necessidade de um trabalho mais integrado entre os órgãos ligados ao tema e que seja célere:

– Avançamos no que diz respeito à adoção, mas ainda é preciso uma rede que trabalhe visando ao benefício da criança e do adolescente. Uma rede que não se acomode, tenha um olhar mais sensível às necessidades das crianças e das famílias, que atue de forma mais ética, rápida e responsável – afirma.

A promotora de Justiça da Infância e Juventude de Blumenau, Patrícia Dagostin Tramontin, reforça a importância da rigorosidade ao escolher uma família para a criança ou adolescente, o que torna a avaliação do candidato lenta. Em Blumenau, esse período dura cerca de um ano e meio. Uma análise bem-sucedida evita um possível retorno ao abrigo e o consequente sentimento de rejeição. Por isso, a necessidade de deixar claro que a adoção não deve ser motivada pela vontade de ajudar ou para tirar alguém do abrigo.

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– Preciso que ele queira aquele ser humano como seu filho, esteja disposto a criar laços de amor com ele. Quando esse pretendente não está preparado, não sente naquela criança seu filho, sempre parece que ele tem para onde devolver. E quando isso ocorre é que de fato a gente avaliou mal o candidato a respeito do anseio pela adoção – explica a promotora.

Apesar da precaução, Patrícia acredita que é preciso uma decisão mais rápida quanto ao futuro daqueles que estão acolhidos. É que no vaivém da família natural para o abrigo, enquanto se tenta uma reintegração ou o processo tramita na Justiça, eles crescem e entram em faixas etárias em que o índice de adoção se torna menor.

Qual o limite de investimento que vou fazer em uma família que não cuida de suas crianças? A lei diz que a prioridade é sempre a família de origem, mas nós temos que encontrar um limite para isso. Vejo que por vezes que a gente acaba perdendo muito tempo da vida da criança investindo em uma família que não consegue garantir os direitos delas – afirma a promotora.

Não há uma fórmula pronta para resolver a questão, mas a vice-presidente do Grupo de Apoio à Adoção de Blumenau, Iara Parisotto, acredita no diálogo. Ela coordena o Encontro Nacional de Grupos de Apoio à Adoção que ocorre pela primeira vez em Blumenau. O evento começou na quinta-feira (20) e encerrou sábado (22). Ao longo dos três dias, psicólogos, juízes, promotores, advogados e assistentes sociais de diversas regiões do país debateram formas de aprimorar o serviço.

Encontro Nacional de Apoio à Adoção reúne autoridades para debater o tema
Encontro Nacional de Apoio à Adoção reuniu autoridades para debater o tema (Foto: Eraldo Schnaider)

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