A morte do ex-ditador argentino Jorge Rafael Videla na manhã desta sexta-feira foi, na avaliação de entidades de direitos humanos, “o fim de um ciclo” – foi assim que a definiu, poucos minutos depois de ser divulgada a notícia, o presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), Jair Krischke.
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Galeria de fotos: Ex-ditador argentino Jorge Videla morre aos 87 anos
Videla morreu aos 87 anos, solitário na prisão de Marcos Paz (sudoeste da província de Buenos Aires), onde cumpria pena de prisão perpétua por crimes contra a humanidade. Não se sabe ainda a causa da morte.
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Na noite de ontem, conforme Cecilia Pando, presidente da Associação de Familiares e Amigos de Presos Políticos da Argentina (AFYAPPA) – “presos políticos” é como se autodenominam os militares condenados por crimes na ditadura -, ele disse que se sentia mal. Não quis jantar. Horas depois, no início da manhã, foi encontrado morto.
– Com a morte dele, termina um ciclo trágico não só para a Argentina, mas para toda a América Latina. Até o último momento, ele estava convencido do que fez. Isso me lembrava um Hitler. Esse perfil de pessoa acaba sempre produzindo uma tragédia, que foi o que ele fez – disse Krischke.
Videla governou a Argentina entre 1976 e 1981 (a mais recente e cruenta ditadura militar argentina se estendeu entre 1976 e 1983 – ou seja, ele foi o líder da repressão durante quase todo o período em que ela durou). No golpe (chamado de Processo de Reorganização Nacional), em 24 de março de 1976, ele foi um dos principais protagonistas.
O resultado, segundo entidades de direitos humanos argentinas, foi de 30 mil opositores mortos e desaparecidos. De acordo com algumas fontes, o governo de Videla foi o mais violento de toda a chamada Guerra Suja argentina.
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As condenações e a confissão
Em 2010, Videla sofreu dois reveses: foi condenado à prisão perpétua pelo fuzilamento de opositores na província de Córdoba e responsabilizado por um dos métodos tidos como mais atrozes da ditadura argentina, o roubo de bebês filhos de mulheres que estavam grávidas nos porões da repressão, com a posterior doação a aliados do governo – muitos deles militares da época, como Videla.
– Fico tranquila. Um ser desprezível deixou este mundo – disse nesta manhã Estela de Carlotto, presidente das Avós da Praça de Maio, que, com as duas vertentes das Mães da Praça de Maio, persiste na investigações sobre mortos, desaparecidos e filhos destes (108 netos foram localizados e tiveram suas identidades restituídas, mas as “madres” e “abuelas” calculam que eles sejam, no total, mais de 500).
Videla não se arrependia de seus atos. Justificava a violência como um preço por ganhar a guerra contra a subversão. Em relato para o livro Disposición Final, do jornalista Ceferino Reato, provocou choque entre os argentinos ao confessar com a naturalidade de quem cumpriu uma missão todos os atos dos quais é acusado – chegou a dizer que os restos das vítimas foram ocultados para evitar protestos na Argentina e fora do país. Somente não concordou com o número de mortos. Disse que foram entre 7 mil e 8 mil pessoas assassinadas pela repressão.
Protestos na visita a Porto Alegre
Um ano antes de Videla deixar a presidência argentina, quando as ditaduras nos dois países já começavam a arrefecer, ele esteve em Porto Alegre. Iria inaugurar a Praça Argentina, na Avenida João Pessoa (na verdade, a reinauguração, já que a praça tinha sido reformada). Uma manifestação estudantil, porém, se formou para protestar contra sua presença, e o ditador, que descerraria a placa com o colega brasileiro João Figueiredo, não foi ao local – que fica a apenas 50 metros do campus central da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o que facilitava a presença dos estudantes.
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– As lutas pela democracia no Rio Grande do Sul sempre tiveram uma forte relação com a América Latina – depôs o então estudante Ivanir Bortot, jornalista que escreveu o livro Abaixo a Repressão! – Movimento Estudantil e as Liberdades Democráticas, pela editora Libretos, em parceria com o também jornalista Rafael Guimaraens. – Então, a presença de Videla para nós era uma grande provocação.