A chuva fina deixa a areia mais pesada e dificulta os passos de 27 pessoas que caminham na praia da Joaquina, em direção ao Norte. Na rota oposta, outro grupo de mesmo número segue pelo Morro das Pedras, onde encontram trilhas estreitas e um pouco de asfalto. Eles estão no quinto dia de caminhada. A distância de 25 quilômetros percorridos por dia – uma jornada das 8h às 16h – deixa um cansaço, mas também dá um tempo precioso para refletir. Após contornarem toda a Ilha, sábado (29), devem se cruzar na Praça XV, no coração de Florianópolis, ponto de chegada dessa jornada que começou no sábado anterior.

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Esse grupo de 54 pessoas integra Caminho da Ilha: um ritual de preparação para o enigmático Caminho de Santiago de Compostela, na Europa, que já está na 13a edição na cidade. A jornada é árdua e há pouco tempo para descansar: os peregrinos param a cada duas horas, por um período de 10 minutos, para um leve descanso e abastecer as garrafas de água.

Desapego material

– A preparação que tentamos fazer não é apenas física, mas espiritual. Quando você caminha, aprende o que realmente precisa para viver. Por exemplo, há um desapego material quando leva pouca coisa na mochila – conta Catarina Rüdiger, de 65 anos, atual presidente da Associação Catarinense dos Amigos do Caminho de Santiago de Compostela (Acasc), entidade que organiza a volta na ilha e conta com mais de 200 associados.

Dois grupos, com 27 pe soas cada, partem da Praça XV, um em direção ao Norte e outro ao Sul. As pernoites ocorrem em hotéis ou pousadas que são reservados pelos organizadores. No meio do contorno, no bairro do Campeche, os dois grupos se encontram para uma pequena celebração antes do anoitecer, mas antes das 8h do dia seguinte já estão com as botas prontas para seguir o percurso.

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Os detalhes da caminhada são os mesmos desde a primeira edição, em 2006, quando Maria Zilda Staub, 63 anos, era presidente da Acasc. Desde então o trajeto é feito uma ou duas vezes por ano.

– Essas trilhas já eram percorridas isoladamente. O que fizemos foi juntar tudo e criar a caminhada. Parece muito longa por causa da distância percorrida, mas o cansaço é momentâneo. Já teve associado com 80 anos que completou o Caminho da Ilha – afirma Maria Zilda.

Preparação para a longa viagem

Diogo (E) e o pai Gilmar percorreram diversos trajetos no Brasil como aquecimento para Santiago. Foto: Guto Kuerten / Agência RBS

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Quase a metade dos andarilhos é formada por pessoas de fora do Estado, que vieram apenas para percorrer o Caminho da Ilha. Eles conheceram a associação catarinense pela internet ou através de amigos que fizeram no Caminho de Santiago, principal objetivo dos participantes. Após algumas andanças pelo país, pai e filho, Gilmar Galline, 55 anos, e Diogo Galline, 30, usam o contorno à ilha como fase final de preparação para a caminhada até a cidade espanhola Santiago de Compostela.

– Já fizemos o Caminho das Missões, no Rio Grande do Sul, e o do Sol, em São Paulo. A sensação de caminhar é muito boa, principalmente com o filho do lado – conta Gilmar, durante a caminhada, na praia da Joaquina.

Apesar dos ritmos diferentes de passadas – Diogo normalmente vai entre os primeiros do grupo e o pai no final, e o filho revela que a ligação que se forma durante o percurso fica na memória.

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– Moramos em cidades diferentes: ele em Maringá e eu em Curitiba. No dia a dia, é difícil nos encontrarmos. Aqui conversamos um pouco, depois ficamos mais distantes. Você consegue refletir sobre sua vida e compartilhar o aprendizado – afirma Diogo, o mais jovem da 13a edição da caminhada.

Os muitos caminhos que levam a Santiago

Carlota (E) e Marta têm o desafio físico de suportar os longos dias de caminhada. Foto: Guto Kuerten / Agência RBS

Para boa parte dos peregrinos, a motivação principal é o desafio físico de suportar longas caminhadas, que podem superar 30 dias. Por isso, a blumenauense Marla Couto Ferreira, 46 anos, esticou os exercícios diários de poucos quilômetros para quase 20. Também pela primeira vez no Caminho da Ilha na edição deste ano, a catarinense de porte atlético desafia a resistência do próprio corpo, e da mente, para atingir o objetivo de estrear no Caminho de Santiago de Compostela em 2015.

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– É diferente quando você faz um exercício de poucas horas, pois no dia seguinte você precisa continuar. Até agora, depois do quarto dia de caminhada, estou indo bem, sem calos ou problemas físicos. Ainda assim, acredito que quando for para Compostela, o esforço vai ser bem maior – contou a peregrina.

Tempo para recolher o lixo pelo caminho

Aos 73 anos, a saga da paulistana Carlota Oliveira, radicada há 32 anos em Florianópolis, é mais tranquila. Com passos curtos, sem pressa, ela leva sempre uma sacola de plástico em uma mão e na outra a atenção para buscar pequenos objetos jogados na praia. Por dia, ela revela que chega a encher de oito a 10 sacolas com tampinhas, embalagens, garrafas, latas, isopor etc. Nas paradas do grupo para recarregar as garrafas de águas e descansar, ela aproveita para dar o destino adequado ao que encontrou pelo caminho: o lixo.

– Sinto-me bem ao saber que estou ajudando a manter os locais limpos – diz Carlota.

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