Há como reduzir as epidemias de acidentes em geral, uma das maiores causas de mortes no planeta? Fatos recentes mostram que é possível diminuir ocorrências como afogamentos, incêndios, tragédias no trânsito e outros tipos de acidentes fatais.

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Na última década, por exemplo, quase todos os 30 países que compõem a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, formada por nações que apresentam elevados níveis de desenvolvimento e renda) vivenciaram acentuada redução no número de mortes no trânsito. Nos Estados Unidos, a queda foi de 23%.

Na Alemanha, de 47%. Na Espanha, de 64%. Na França, de 51%. E em Portugal, 53% – para ficar em alguns exemplos. A exceção foi o Brasil, que teve crescimento de 49% nesse tipo de mortalidade.

Como interromper essa verdadeira chacina? Aliás, como diminuir a incidência de qualquer tipo de acidente, não apenas os de trânsito? Alternativas serão propostas a partir desta terça-feira pelos veículos da RBS no Rio Grande do Sul, que se integram a uma grande mobilização para prevenir acidentes com o lançamento da campanha Uma Vida Vale Muito. Sobram motivos para a iniciativa.

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Os brasileiros avançam na contramão das modernas tendências de preservação da vida no planeta, especialmente nas estradas. A taxa de mortes em acidentes de trânsito em nosso país, que em 1980 era de 17 vítimas por 100 mil habitantes/ano, chegou a 22 vítimas por 100 mil habitantes/ano em 2011 (última estatística de alcance nacional). E vem crescendo há uma década.

A campanha da RBS, desenvolvida em conjunto com o Ministério Público Estadual, não foca apenas ações de prevenção no trânsito. O afogamento é a segunda causa de morte, entre os acidentes, de crianças e adolescentes até 14 anos no Brasil. Perde apenas para desastres com veículos.

Um estudo embasado em números do Ministério da Saúde e divulgado em 2012 analisou 1.376 mortes por afogamento em todo o país. Dessas, 45% ocorreram em águas naturais (como rios, mares e lagos), 7% em piscinas e outras 6% foram em quedas nesses locais.

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O Rio Grande do Sul figura em 21º lugar em afogamentos, entre as 27 unidades da federação. Registra taxa de 2,62 mortes por 100 mil habitantes/ano, enquanto o Amapá, líder no ranking, tem 14,28 mortes por 100 mil habitantes/ano. Entre meninos, talvez pela afoiteza característica, a taxa de afogamento é duas vezes maior que entre meninas.

Uma rápida visita ao Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre serve para mostrar que acidentes de trânsito são maioria, mas o perigo está em toda parte. De espirais de caderno a botões engolidos por crianças. De quedas de árvore a tropeções em objetos caseiros.

Que o diga a professora aposentada Marísia Lopes Porto, 72 anos, moradora de Porto Alegre. Há nove anos ela fritava batatas para uma neta quando bateu no cabo da frigideira. O óleo quente saltou sobre as suas costas, ombro, mão, coxa e pé esquerdos. Uma dor indescritível, recorda. Foram dois meses de tratamento com escovações de pele em carne viva, primeiro contra as severas queimaduras, depois

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contra uma infecção.

– Ficou a lição, a gente diz uma coisa e faz outra. Todo cuidado é pouco – lamenta Marísia, hoje recobrada do acidente.

Meta é reduzir número de mortes

Com o lema Uma Vida Vale Muito, o Grupo RBS vai destacar o conteúdo jornalístico que prioriza temas como segurança e redução de mortes. A ação editorial integrada e coordenada entre os veículos do Grupo RBS tem como objetivo conscientizar o público sobre a responsabilidade coletiva de indivíduos e organizações na prevenção de tragédias, improvisos e irresponsabilidades, valorizando a vida.

Um dos direcionamentos da campanha será para motociclistas, as maiores vítimas do trânsito no país. Os ocupantes de motocicletas, que em 1998 representavam só 17,4% das internações hospitalares por acidentes, em 2012 totalizaram mais da metade das internações, 55,5%.

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O incremento em mortes de motoqueiros foi de 275% em uma década (2000 a 2011), o maior entre os 30 países mais desenvolvidos do planeta. A campanha da RBS surge para tentar interromper esse tipo de escalada. E não só no trânsito.

– Nosso objetivo final é reduzir o número de mortes por tragédias em geral, no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. É inconcebível, por exemplo, que alguém encha um barco com crianças e não haja salva-vidas. Neste casos, quando há um acidente, não se trata de fatalidade, mas de pura irresponsabilidade – define Marcelo Rech, diretor de Jornalismo do Grupo RBS.

O lançamento da campanha no Rio Grande do Sul será no salão nobre da sede da RBS, em Porto Alegre, às 14h30min, com a presença de autoridades. Em Santa Catarina, a campanha começou em novembro. É uma iniciativa conjunta com o Ministério Público Estadual nos dois Estados.

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“Moto é uma arma para quem não sabe usá-la”

Seis meses de cama. Quinze dias de hospital. Bacia quebrada em quatro partes. Clavícula, ombro e mão esquerda fraturados. Esse foi o saldo do maior tombo que o eletricista Evandro Damião Teixeira, 25 anos, levou na vida. Foi em setembro de 2011. Ele tinha comprado a moto Honda CG 150 havia uma semana. E não andava devagar.

– Desci a Avenida Oscar Pereira (em Porto Alegre) a uns 80 km/h, quando um Uno se atravessou na pista, perto da entrada do hospital Divina Providência. Não tive como desviar, bati na quina do para-brisa e voei uns 30 metros. Acordei no Hospital de Pronto Socorro (HPS) – descreve Evandro.

O motoqueiro acredita que desmaiou de dor. E voltou a desmaiar ao ser atendido, porque os enfermeiros que o ajudaram tiveram de fazer uma redução na fratura, mexendo com os ossos quebrados. Evandro diz que até hoje sente dor na bacia, passados mais de dois anos.

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Sofreu tanto que desistiu da moto. Evandro vendeu o veículo quatro meses após sair do hospital e comprou um carro. De lição, leva a de não abusar da velocidade e buscar algo com mais proteção.

– Moto é uma arma para quem não sabe usá-la – define.

O fator álcool nas tragédias

Os acidentes de trânsito como um todo vêm crescendo, para espanto dos especialistas. Até 1997, o Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do governo federal, registrava a cada ano fortes aumentos no número de mortes, principalmente entre 1993 e 1997. A partir do novo Código de Trânsito Brasileiro, promulgado em 1997, e até 2000, os números caíram com o rigor do novo estatuto.

Mas o efeito durou pouco. A partir de 2000, houve preocupante refluxo. As mortes começaram a aumentar anualmente, fazendo com que já em 2005 esse tipo de mortalidade retomasse o patamar de 1997, para continuar depois crescendo de forma contínua e sistemática, em média 3,7% ao ano. Em 2011, foram mais de 43 mil mortes. E há pelo menos um catalisador em grande parte desses acidentes.

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Um estudo realizado em emergências hospitalares de Porto Alegre em 2009, o mais recente, mostra que cerca de 8,5% dos envolvidos em acidentes de trânsito atendidos (motoristas, caronas ou pedestres) tinham presença de álcool no sangue. Embora possa parecer pouco, a maioria desses episódios ocorre em pessoas com pouca ingestão de bebida (e, consequentemente, escasso efeito de álcool no cérebro), ressalta o médico Mauro Soibelman, que há 25 anos atende vítimas de acidentes no Hospital de Pronto Socorro (HPS) de Porto Alegre.

Como se explica tal fenômeno? Soibelman diz que aqueles nitidamente embriagados têm maior probabilidade de serem impedidos de dirigir por outras pessoas. O mesmo estudo mostra que, no turno das 0h às 6h, a estatística de alcoolizados entre acidentados – que, em média, é de 8,5% – sobe para 26,5%. Isso não é pouco, ainda mais considerando que muitos acidentados nem recebem atendimento hospitalar.

– A ênfase nesse aspecto pode ajudar a mudar comportamentos – conclui o médico.