Ronda, escolha e construção
* Por Fernando Bopré
Projetos ambulantes, passeios pelos jardins. O Grupo Fora, bem se pode dizer, é peripatético. Na acepção do termo provindo do grego antigo, peripatéticos são “os que passeiam”. Era assim que Aristóteles ensinava: caminhando, colocando o corpo em movimento junto com o pensamento. Ou seja, é pelo andar e pelo fazer que esse coletivo constrói conhecimento, objetos e relações, propondo um regime de vida, de ação estética e política.
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O Grupo Fora é um coletivo artístico constituído por Bruna Maresch, Camila Argenta, Gabriel Scapinelli e Nara Milioli, cujo encontro se deu no solstício de inverno de 2010. Desde então, o epicentro de atuação tem sido Florianópolis. Mapear é o procedimento que antecede a ação do coletivo sobre os espaços. Incorpora assim o modo de ser animal: rondar a paisagem, escolher o local da toca e, depois, pôr-se a construí-la: desde ali surgirão novas formas de vida.
A cartografia, contudo, é um fazer humano por excelência. Há sempre uma dimensão social e política no ato de escolher este e não aquele local. E esse ato é precedido por uma postura ética por parte daquele que escolhe. Com frequência, os espaços onde são realizadas as ações do Grupo Fora se situam no limiar entre o público e o privado. Não por acaso.
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Em 2010, o Jardim Castanheiras, localizado no Campeche, se tornou um dos primeiros locais de intervenção do coletivo. Trata-se de um corredor verde situado entre ruas de areias e fundos de casas. Desde então, este extenso terreno privado passou a receber “melhorias”, a saber, escadas de gravetos, bancos de adobe e jardins que ganham a forma daquilo que chamam de “canteiros fl utuantes”. Ocupar com o imponderável (plantas que flutuam), o desnecessário (quem precisa de uma escada de gravetos?) e o imprevisível (instalar bancos para as pessoas se sentarem em um terreno considerado baldio).
A experiência no Jardim Castanheiras foi, certamente, decisiva para o Grupo Fora. A ação em um terreno com espécies vegetais e animais que crescem entre o esquecimento e o descaso fez surgir um repertório todo próprio. Segundo eles mesmos: “A imersão nestes locais permite vê-los de um modo diferente. Não são simples resíduos urbanos, mas campos de acontecimentos”.
Há um espaço, em particular, que parece funcionar como casa – ou talvez fosse melhor dizer, toca – do Grupo Fora. É um terreno baldio murado situado no bairro do Córrego Grande em cujas paredes foi grafado JARDIM ABERTO e que atualmente conta com caminhos, bancos e jardins criados pelo coletivo.
Atualmente, o coletivo está apresentando nos jardins da Funarte, localizada no Eixo Monumental de Brasília, a exposição Bicho banco. São enormes mobiliários, feitos para áreas externas, construídos a partir da observação e do desdobramento da forma orgânica de insetos. A mostra apresenta cinco desses bancos: percevejo, grilo, mariposa, bicho-pau e cigarra. A ampliação do contorno e da escala dos insetos é o ponto de partida para a construção de objetos que são grandes mobiliários a serem dispostos em espaços públicos.
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Os vetores ativados pelo Grupo Fora (da natureza para o artifício/do artifício para a natureza) proporcionam que uma cidade planejada como Brasília se torne novamente um campo de acontecimento visual. Afinal, se o projeto piloto da Capital Federal foi inspirado na forma de um avião (e um avião foi inspirado na forma de um pássaro), o que o Grupo Fora faz é tão somente atualizar o antigo costume de se ver animais e corpos no desenho das nuvens e das estrelas.
* É pesquisador e curador