Um solo árido de sertão regado de ideias começou a render frutos em duas cidades do Piauí. As vizinhas Betânia e Curral Novo ganharam mais de 4 mil livros que fazem a estrutura de bibliotecas construídas com recursos “de grife”. As cartilhas didáticas fornecidas pelo governo federal deram lugar às fábulas quando o projeto “Escolas do Sertão” chegou a locais onde só se entrava de jegue ou de motocicleta. A leitura de um futuro novo foi possível pela atuação da grife social Omunga, que completa dois anos em abril, com o trabalho “Livros para África“.

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Com a chegada dos livros às províncias de Boroma, em Moçambique, e Viana, em Angola, serão 5,6 mil crianças beneficiadas pelo projeto da grife social. Um contêiner deve aportar com livros e computadores em solo africano nos próximos meses, de acordo com Roberto Pascoal, que fundou a Omunga para ser uma empresa sem fins lucrativos e com objetivos sociais. Ele e uma equipe de voluntários criam produtos para vender e subsidiar os projetos. O carro-chefe são as camisetas.

Nem só de estampas brotam os livros. Muitas empresas e até a prefeitura das cidades beneficiadas contribuem para a abertura das bibliotecas. Pascoal teve a ideia em um período sabático de quatro anos que passou na África. Hoje ele é o responsável por elaborar os planos de viabilidade. Vai aos locais que podem receber a Omunga e avalia se a comunidade tem engajamento para continuar o projeto.

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– Cada lugar tem uma característica. Justamente por isso a gente se empenha tanto no diagnóstico – esclarece ele, que atravessa ainda a parte inicial e de testes dos primeiros trabalhos da Omunga.

Ao lado de Roberto existem profissionais com mais de 30 anos de carreira. É o caso da bibliotecária Maria da Luz. Os livros passam pelas mãos e experiência dela, que tem selecionado exemplares infantis, infantojuvenis e algumas unidades voltadas a adultos. Além de oferecer tudo o que uma biblioteca tem por dentro, o projeto capacita professores a colocar a literatura dentro do plano de ensino. É preciso trabalhar na formação de leitores.

– Sem leitores não tem sentido – constata Maria, ao se referir à capacitação que incentiva os professores a contarem histórias para despertar o interesse das crianças.

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São imaginações do 1º ao 9º ano que recebem o incentivo extra para a leitura. Lá na única escola do Baixio do Belo, num cantinho de Curral Novo, o livro chegou e não foi de Jegue.

Tudo de esperança

– Olha, seu Pascoal, não sei de onde o senhor vem, se é de igreja ou sei lá. Eu nunca tinha visto um carro. Eu tenho 35 anos. Acredito a partir de hoje que o meu filho não terá um futuro tão miserável quanto o meu – foi assim que o fundador da Omunga repetiu as palavras de um pai piauiense.

Nas terras do sertão, criança quer ser zeladora de escola para escapar da lavoura. Quando a imaginação voa alto, tem menina e menino que deseja dar aula.

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– Ser professor é como ser presidente – compara Pascoal.

É para as regiões de extrema vulnerabilidade que os olhos de Omunga, que significa unidade no dialeto africano Umbundu, estão voltados. Com os projetos desenvolvidos no Sertão e na África, os voluntários querem chegar a 450 professores. Jorlândia Maria Vieira da Silva é uma delas. Apesar de não ter nenhuma turma na escola do Baixio, ela já esteve por lá para algumas aulas.

– Lá não tem nada, nada, nada. Sabe o que é nada? Só a escola – conta Jordândia ao apontar mudanças – Não tinha nada de atrativo, de conhecer, de esperança para a comunidade.

Até a chegada do projeto da Omunga, as crianças mal sabiam a história da Chapeuzinho Vermelho ou do Sítio do Pica Pau Amarelo. A professora conta que hoje eles têm a “perspectiva de uma nova vida”. Do nada que era o baixio cresce um tudo de esperança entre pessoas que pensam, nas palavras da mestre piauiense, “vou estudar até aqui, porque daqui não tem mais nada pra mim”. Assim como as crianças, Jordânia também percebe algo nela mudou:

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– Na capacitação a gente aprendeu a ser transformador dentro da realidade que a gente vive. Não de uma forma mágica, mas do jeito que a gente é.