Depois de alimentos como açúcar, leite e a farinha de milho utilizada na arepa (iguaria da culinária venezuelana), do papel higiênico que teve de ser importado aos milhões e do vinho que faltou até nas igrejas, a suposta escassez de um produto causa especial preocupação na Venezuela: a vacina contra a gripe A.

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Notícias estampadas nas capas dos jornais e autoridades estaduais mantêm uma polêmica com o governo de Nicolás Maduro. Dados extraoficiais dizem que há uma epidemia, com os números de infectados aumentando em progressão geométrica. O governo nega, mas não apresenta seus números. Nos Estados de Mérida, Nueva Esparta e Lara, os casos duplicaram no último fim de semana. No de Táchira, triplicaram.

O índice de mortos passou de seis, na semana passada, para 17. São, porém, números que a imprensa local divulga a partir da apuração feita nos Estados – não há um índice oficial consolidado. Em Lara, devido à falta de vacinas, houve protestos em frente ao órgão responsável pelo controle sanitário. A resposta do secretário-geral do governo de Lara, Teodoro Capos, é de que 50 mil vacinas foram prometidas pelo Ministério da Saúde.

– Isso assusta a todos, as pessoas ficam preocupadas. Na área da saúde, é ainda mais grave – comentou a escritora venezuelana Milagros Socorro.

Proprietário de um laboratório, César Sánchez disse que tem as vacinas, mas que teme o desabastecimento.

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– Ouvi que são 400 infectados. Pelo que diz o governo, não há epidemia.

Médico formado na Universidade Central da Venezuela e pós-graduado pela Universidade de São Paulo, o ex-ministro da Saúde (em 1992 e 1993, no governo Carlos Andrés Pérez), Rafael Orihuela alerta para o fato de que, em três semanas, os casos de gripe A no país saltaram de 20 para 250.

– São dados alarmantes – definiu.

Tantos foram os rumores, que a ministra da Saúde, Isabel Iturria, apresentou cifras dos casos de gripe A no Brasil, nos Estados Unidos e na Colômbia para dizer que “a enfermidade não é um caso particular da Venezuela”. Ainda assim, negou-se a apresentar os números oficiais consolidados. Motivo: não quis causar “comoção”, pois “o mais importante é tratar da prevenção”, argumentou, em entrevista para a emissora Globovisión.

– A paranoia se vê nos títulos dos jornais, com letras grandes dizendo que faltam vacinas e máscaras cirúrgicas – criticou a ministra.

No armazém clandestino, o que faltou nas gôndolas

A apreensão pela polícia de 2,5 mil rolos de papel higiênico, 400 fraldas e 7 mil litros de suco de frutas num armazém clandestino intensificou o debate sobre a crise de desabastecimento na Venezuela. O anúncio da polícia foi postado no Twitter.

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O desabastecimento venezuelano, que os opositores debitam na conta do controle de preços e do câmbio, e que o governo atribui a uma conspiração dos empresários, já provocou situações insólitas. Duas delas: a que levou o presidente Nicolás Maduro a anunciar a importação de 50 milhões de rolos de papel higiênico, logo após o anúncio da reposição de alimentos nas gôndolas, e o anúncio da Igreja Católica de que está na iminência de ficar sem vinho para a eucaristia.

Os templos, segundo o presidente da comissão de comunicação da Conferência Episcopal Venezuelana, monsenhor Roberto Lucker, podem ficar sem hóstia e sem vinho, neste caso devido às dificuldades enfrentadas pelo único fornecedor da bebida.

Em comunicado, disse que a Bodegas Pomar, responsável pelo fornecimento, não poderá mais prover o vinho necessário para a eucaristia por ter dificuldades para conseguir insumos. A empresa é uma das subsidiárias da Alimentos Polar, cujo dono é Lorenzo Mendoza, um dos empresários mais importantes do país e um dos maiores opositores. A Polar também é dona da maior fábrica venezuelana de farinha de milho. No caso específico dos templos católicos, Lucker cogitou pedir ajuda ao governo para importar o vinho, que não pode ter conservantes. Devem ser comprados vinhos da Argentina e do Chile.

A polêmica econômica sobre o desabastecimento tem por trás uma tensão política cada vez maior. Após a vitória apertada (1,4 ponto percentual de diferença) nas eleições presidenciais de 14 de abril, o opositor Henrique Capriles contestou judicialmente o resultado, o governo cassou a palavra no Legislativo dos deputados que apoiavam a medida (por considerá-los “antidemocráticos”), e o governo venezuelano ameaçou tirar o apoio para as negociações de paz entre a Colômbia e a guerrilha porque o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, recebeu Capriles em audiência.

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