A inspiração é clara: o tratamento surrealista do teatro do absurdo. Um personagem entra em cena com uma frase que o assombra: um homem, em cima de um palco, pensando. Por meio desse tema, que perpassa o monólogo inteiro, o autor luta para escrever uma peça – com as interferências indiretas de Berenice, seu amor perdido. Ali, quase que apenas em palco e luz, o escritor e diretor João Falcão e o ator Gregorio Duvivier dão vida ao texto Uma Noite na Lua.

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Eles não estão sozinhos. Na verdade, estão muito bem acompanhados. Os autores Aurtaud, Beckett e Ionesco já traziam esse cenário nonsense para suas peças e faziam rir pelo drama que seus personagens viviam. Essa comédia com um tom de tristeza também foi explorada pelos humoristas britânicos do grupo Monty Python. As esquetes ficcionais, beirando a realidade, não traziam piadas prontas, mas que dependiam da reflexão do espectador para serem concluídas.

Coincidência ou não, Gregorio estampava em seu perfil no Facebook uma foto de parte do elenco de Monty Python tirada pelo fotógrafo Art Streiber. A influência, desta forma, foi manifestada e oficializada – talvez até mesmo tenha sido a inspiração primeira para o humor de seu grupo Porta dos Fundos.

Assim como o próprio teatro, a peça Uma Noite na Lua tem história. João Falcão a escreveu sob medida para o ator Marco Nanini, e sua primeira montagem aconteceu em 1998. A interpretação impecável lhe garantiu o prêmio Sharp de Melhor Ator.

Agora, 15 anos depois, Gregorio vive o desafio de interpretar o mesmo monólogo. Ele garante que o personagem, como em qualquer clássico teatral, se adapta ao ator que o interpretar. Com humor e carga poética, João Falcão conduz seu próprio genro pelo caminho surrealista de um autor em crise criativa.

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“Não há comédia sem um pouco de tristeza”

Gregorio Duvivier tornou-se nacionalmente conhecido por suas atuações no canal Porta dos Fundos. Por isso, imaginá-lo no palco interpretando um monólogo dramático, mesmo que com um toque de humor, provoca um certo espanto no público. A mistura entre comédia e drama proposta pelo espetáculo Uma Noite na Lua – que ele apresenta amanhã (21h) e domingo (20h), no Teatro Pedro Ivo, na Capital, fascina o ator, que considera este seu texto teatral preferido. Em entrevista por e-mail ao DC, Gregorio fala sobre a peça que foi escrita por seu sogro originalmente para Marco Nanini, seus projetos e o processo de fazer rir a partir da tristeza.

As pessoas vão para sua peça esperando o Gregorio engraçado dos vídeos? Como é a receptividade do público com uma faceta mais dramática?

O público se surpreende com a peça. Não só por ela ter momentos dramáticos mas por ter momentos musicais, outros tensos, românticos. E tudo isso com muito humor. Sinto que o público gosta de se surpreender. Eu, pelo menos, como público, gosto.

Como você vê a relação entre comédia e drama?

Acho que não há comédia sem um pouco de tristeza. Os comediantes que eu mais gosto são os tristes: Chaplin, Keaton, Woody Allen. Gosto muito quando os gêneros se cruzam: quando o drama tem humor, e quando a comédia tem poesia. É o que eu tenho tentado fazer da vida: humor com poesia.

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A peça foi escrita pelo seu sogro há algum tempo. O que você trouxe de contribuição para ela?

Tem um ou outro momento de improviso. Mas mantivemos o texto quase inalterado. Ele é uma obra-prima impecável. Passa por todos os gêneros com maestria e dá uma aula sobre teatro e criatividade de modo geral. É o meu texto teatral preferido.

O texto foi escrito originalmente para o ator Marco Nanini. Como é interpretar um personagem que nasceu sob medida para um outro ator?

O Nanini é um gênio, mas a peça, como todo clássico, serve como uma luva para o ator que a interpretar. Não vi a montagem anterior. Partimos do zero para montar essa peça e fomos na direção oposta, apesar do sucesso da versão anterior. Como foi o João que dirigiu, ele pôde mudar tudo. Tive a sorte de ter o Nanini como espectador e fiquei nervosíssimo. Mas ele pareceu gostar muito.

Você falou em uma entrevista sobre gostar de ficar triste. A tristeza ajuda no seu processo criativo?

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A tristeza é fundamental. Como diz o Vinicius, não se faz um samba sem tristeza, nem muito menos uma peça ou um vídeo pra internet. A constatação de que a morte é inevitável, de que tudo é passageiro, de que nada faz sentido, é um ótimo ponto de partida pra qualquer criação artística.

Você já disse que tem vergonha do seu livro A Partir de Amanhã Eu Juro que a Vida Vai Ser Agora pelo fato de ele ser meio adolescente. Agora você está escrevendo Ligue os Pontos, que vai ser lançado em novembro. Essas novas poesias seguem o mesmo estilo do anterior?

São poesias um pouco menos maduras, na verdade. Tem ainda mais humor do que no livro anterior. Acho que assumi que poesia e comédia são a mesma coisa. Não há distinção: um poema e uma piada podem dizer exatamente a mesma coisa – e constantemente dizem.

Um diploma em Letras, o sucesso de Zenas Emprovisadas, um livro de poesias, uma série no Multishow, um canal no Youtube, uma peça de teatro, um musical, artigos em jornal. O que eles têm em comum?

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Todos eles são canais em que posso me expressar sem filtros. Esse é o ponto em comum: a livre-expressão artística e a autoralidade. Meus próximos projetos são os mesmos em que eu estou agora, porque são projetos de vida: viajar com Uma Noite na Lua, crescer com o Porta dos Fundos e continuar escrevendo.

Agende-se

O quê: Uma Noite na Lua, com Gregorio Duvivier

Quando: amanhã (21h) e sábado (20h)

Onde: Teatro Pedro Ivo (Rod. SC-401, 4600, Saco Grande, Florianópolis)

Quanto: R$ 60 e R$ 30 (meia-entrada e Clube do Assinante)

Mais informações: (48) 3665-1630