Parece leviandade mas, talvez, na próxima vez em que um pichador aparecer na sua rua, um bom conselho seja: não o oprima. Pode ser um futuro artista se formando. Foi assim, pelo menos, com Felipe Reis e Wesley Satiro, amigos que há oito anos estavam “fazendo molecagem” e agora são convidados para deixarem suas criações em muros e paredes públicos.
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Eles fazem parte de uma geração que começou a fazer grafite quando ele ainda era visto com maus olhos e não faz muito tempo desde a última vez em que foram parados pela polícia para explicar que o que estavam fazendo não era vandalismo, mas arte. Junto com eles, um pequeno grupo se forma em Joinville para buscar, literalmente, seu lugar ao sol, fazendo das calçadas o lugar ideal para se fazer e se observar arte.
No caso de Felipe e Wesley, existiu o aspecto da sorte. Vizinhos, eles e João Guilherme, o Jonca, tinham referências em casa – as mães de Felipe e de João são artistas – e formavam um trio que sempre gostou de desenhar.
– Mas começamos com pichação, coisa de moleque mesmo. Foi dessa amizade que surgiu isso de usar o tempo que iríamos perder com qualquer outra coisa para sentar e desenhar – lembra Felipe, 22 anos.
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A mudança veio rápido, quando eles perceberam que o grafite dava muito mais prazer do que a pichação. Hoje, entre as obras que levam seus nomes, estão a de uma das paredes da Cidadela Cultural Antarctica e a de um muro na rua Ministro Calógeras, feitas também com Wendel Sena e Paulo Agostini. Como boa parte de seus trabalhos, eles foram feitos em grupos, em uma democracia que os anos de parceria já tornaram natural.
De um espaço de 100m x 70m, cada um dos artistas tem seu pedaço na “tela”, onde são livres para se expressar da forma que escolheram – Wendel, por exemplo, se especializou em letras, enquanto os outros criam personagens dentro de cenários que podem ou não estar em um mesmo contexto.
– Há um tipo de brainstorming no papel antes. Por estarmos pintando há tanto tempo juntos, a divisão do espaço é mais fácil – conta Felipe.
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Do prédio nasceu uma cor
Igor Mendes – ou Igor Gori, como nas assinaturas dos trabalhos – fez um caminho um pouco diferente da maioria. Apaixonado por tintas desde cedo, ele ganhou a companhia dos grafiteiros mais experientes quando resolveu jogar sua arte nos muros, e por isso não chegou a passar pela fase da pichação.
– O Paulo Pincel me levou para pintar no grupo dele, fui fazendo amigos e eles iam me ajudando, me ensinando – recorda o jovem de 22 anos. Na hora de aprender mais sobre a street art, a pesquisa logo bateu na dupla Osgêmeos, de São Paulo, que viraram referência para Igor ao mesmo tempo que os colegas de Joinville.
– Acho que são poucos ainda pintando em Joinville, mas o legal é que o pessoal está fazendo coisas diferentes, não é nada limitado – avalia.
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Morador do bairro Vila Nova, ele encontra nas regiões distantes do Centro os espaços perfeitos para pintar. É em bairros como Jardim Paraíso e Boehmerwald que a comunidade aceita e gosta muito mais de enxergar a área urbana ganhando novas cores – além de permitirem os trabalhos em suas paredes e muros.
– No Centro, é bem difícil conseguir autorização para pintar. E as pessoas estão sempre apressadas, passam rápido e não olham. Nos bairros, é outro contato, as pessoas param e vem conversar sobre a arte – diz Igor.
Tinta sobre a arte
A disputa vem ocorrendo há alguns meses. Os irmãos Gustavo e Otávio Pandolfo, “Osgêmeos” que são referência para grafiteiros do Brasil e conhecidos internacionalmente, fazem grafite no Viaduto do Glicério, no centro de São Paulo, e dias depois a Prefeitura manda cobrir de tinta cinza.
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– É engraçado se você pensar quanto vale um quadro d’Osgêmeos e a Prefeitura, em vez de valorizar, manda apagar – analisa Felipe Reis.
Uma obra dos artistas está valendo até 120 mil dólares em galerias internacionais.
Em Joinville, a situação é mais tranquila, mas o designer Roy Schulemburg, 30 anos, lembra de ter tomado muita “geral” da polícia quando começou a fazer arte nos muros da cidade, há 13 anos.
– Nunca ocorreu violência, mas quando nos viam fazendo grafite, mandavam parar, faziam revista – recorda.
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Roy é considerado a base em que Felipe, Wesley, Jonca, Paulo e Wendel se inspiraram quando começaram, enquanto ele, por sua vez, tinha como apoio artistas como João Vexani, o Sadol; e artistas de São Paulo.
– As coisas estão melhorando para quem começa agora. Para mim, chegou uma hora em que tive que decidir: ganhar dinheiro ou pintar? Hoje, estes meninos já podem ganhar dinheiro com grafite – afirma ele, que se tornou professor de Design e deu aula para boa parte dos jovens grafiteiros.
Spray na mídia
A parede da Cidadela Cultural que recebeu uma das obras da crew formada pelo grupo de amigos está entre os trabalhos para os quais eles receberam um convite e um pagamento. O pedido veio da Fundação Cultural de Joinville e foi realizado durante uma ação da novela Sangue Bom, da Rede Globo, no início de maio. Na trama que vai ao ar às 19 horas, os personagens Jonas (Sérgio Malheiros) e Douglas (Pedro Inoue) fazem urban art e ela está presente até na abertura da novela.
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O trabalho levou três dias e ainda não foi concluído, mas já é um dos mais vistos e reconhecidos da turma.
– A mídia tem ajudado bastante ao bater nesta tecla. Quando começamos, não se via grafiteiros nas novelas e isso tem influenciado muito para tirar o ar de vandalismo e mostrar que pode ser bonito – diz Felipe.