O Ministério da Agricultura e Abastecimento (Mapa) suspenderá a partir de janeiro a exportação de pescado brasileiro para a União Europeia (UE). A medida, considerada drástica, foi publicada ontem pelo governo numa tentativa de evitar embargo ao peixe brasileiro, depois que a última inspeção periódica feita ao país pelos europeus detectou uma série de irregularidades — segundo o Mapa, especialmente em relação a questões sanitárias nas embarcações. A suspensão atinge diretamente a indústria pesqueira catarinense, que tem o terceiro maior índices de exportação no país. São cerca de 2 mil toneladas ao ano, boa parte delas enviadas a países como Portugal, Itália e Espanha.
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Inspeções anteriores feitas pela UE já haviam detectado a necessidade de adequações no Brasil. A última visita ocorreu em setembro em indústrias e embarcações de todo o Brasil, inclusive em Santa Catarina. Na semana passada a UE apresentou um relatório ao Mapa com uma lista de problemas, e informou que suspenderia unilateralmente a compra do pescado brasileiro a partir de 3 de janeiro — o que levou o Mapa a agir e decretar também a suspensão.
A estratégia foi ganhar tempo para propor soluções e, se possível, retomar as exportações quando os problemas estiverem sanados. O Mapa não informou quais as irregularidades encontradas, ou em quais empresas. No setor produtivo, a informação extraoficial é de que seis indústrias teriam problemas. Pelo menos uma delas em Santa Catarina.
Em nota, o Mapa informou apenas que está buscando “formas de implementar a colaboração com outros órgãos públicos para inspeção sanitária nas embarcações”, que foi um “item bastante criticado pelos europeus”. Luis Rangel, secretário de Defesa Agropecuária do Ministério, disse que o mercado do pescado brasileiro precisa amadurecer em “ qualidade, garantias e respeito internacional”, a exemplo da exportação de carnes.
O Mapa admite que as críticas da União Europeia, principalmente em relação às indústrias que processam o pescado para exportação, já eram conhecidas pelas autoridades brasileiras. O Ministério pediu à UE que a aquicultura seja diferenciada da pesca de captura, onde foram encontrados os problemas, para que o pescado de cultivo possa voltar a ser exportado mais rapidamente.
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De acordo com o Sindicato Nacional dos Fiscais Federais Agropecuários (Anffa Sindical), a suspensão vai atingir pelo menos 67 empresas e dois barcos-fábrica que atuam na exportação de pescados no Brasil. Para a entidade, a crise é resultado da falta de pessoal e de capacitação na inspeção e na fiscalização agropecuária no Brasil. A Anffa afirma, ainda, que a situação é agravada pelas constantes mudanças na gestão da pesca brasileira.
Depois de ter perdido status de ministério, em 2015, a pesca esteve som o comando do Ministério da Agricultura, do Ministério da Indústria e, agora, está lotada no gabinete da Presidência da República. Em tese, a ida para o gabinete representaria a retomada do status de ministério. No entanto, o setor funciona em uma sala cedida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Há atrasos na emissão de licenças, de carteirinhas para pescadores, e entraves na entrega dos certificados necessários à exportação.
Setor critica decisão do Ministério
Empresários catarinenses criticaram a decisão do Mapa de suspender a exportação de toda a indústria pesqueira à União Europeia. A queixa da indústria está na falta de informações consistentes sobre os problemas encontrados.
— Não chegou nenhum alerta ao nosso conhecimento, não tivemos acesso (à inspeção). O prejuízo para Santa Catarina será muito grande — diz o empresário André Mattos, presidente da Câmara Setorial da Pesca na Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc).
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Um dos principais produtos de exportação catarinense é a ova de tainha, enviada especialmente à Itália. A suspensão pegou de surpresa o empresário itajaiense Cassiano Fuck, que investiu recentemente US$ 50 mil em ações promocionais para expandir mercado na Europa.
— As indústrias estão sendo penalizadas porque o governo não cumpriu os requisitos. Não podemos perder a Europa, que é o principal mercado consumidor do nosso produto no mundo — diz.
As ovas são comercializadas no mercado externo a US$ 25 o quilo. Só este ano a empresa de Itajaí enviou três contêineres à Europa, com 50 toneladas cada um — o equivalente a US$ 2 milhões.
O presidente do Sindicato dos Armadores e da Indústria da Pesca de Itajaí e Região (Sindipi), Jorge Neves, aguarda uma visita do ministro da Agricultura, Blairo Maggi, em janeiro, para que ele explique ao setor as razões da suspensão.
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Problemas com o atum
A suspensão das exportações chega no momento em que o Brasil já enfrenta uma batalha em relação ao atum, um dos produtos de exportação catarinenses. Considerado um recurso pesqueiro internacional, o peixe tem a captura controlada pela Comissão Internacional para Conservação do Atum do Atlântico (ICCAT), órgão que certifica que a pesca esteja dentro dos limites.
Em julho, a falta de recursos para pesquisas no governo federal resultou num pedido coletivo de desligamento dos técnicos que faziam parte do Subcomitê Científico do Atum e Afins, responsável pela gestão de dados relacionados ao peixe no Brasil. Sem reportar as informações da pesca exigidas pela ICCAT, o Brasil corre o risco de perder as cotas de pesca de várias espécies de atuns, o que significa perder o direito a explorar esses recursos, incluindo a possibilidade de exportar o produto.
Somente em Itajaí há cerca de 60 barcos especializados na pesca do atum, em diferentes modalidades, que poderão ser diretamente impactados com as possíveis sanções.
O órgão internacional também regulamenta a captura de meca — outro peixe que é enviado ao exterior, especialmente aos Estados Unidos, e que é alvo da pesca catarinense.
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Ouça a reportagem de Leandro Lessa, para a CBN Diário: