Neve, carro fúnebre, multidões aos prantos e limusines simetricamente espaçadas no adeus ao líder morto. Se todos esses elementos não são suficientes para montar a estética totalitária do último regime comunista do mundo, o governo norte-coreano molda a imagem no computador.
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Foi que ocorreu com pelo menos uma das fotografias do funeral de Kim Jong-il, na quarta-feira, quando a agência de notícias oficial do país usou um programa de edição de imagens, como o Photoshop, para suprimir um grupo de seis homens de uma equipe de TV e uma câmera que rompiam a sincronia da cena. Trata-se de uma evidência do esmero do regime em transparecer uma imagem de perfeição, rigidez e organização, segundo a principal hipótese levantada pelo The New York Times. Após publicar a cena em sua galeria de principais imagens do dia, o jornal americano a retirou do ar quando a alteração foi detectada.

A alteração foi percebida quando a imagem distribuída pela agência estatal norte-coreana foi comparada com uma outra imagem, capturada do mesmo lugar, alguns segundos antes, pela agência japonesa Kyodo (publicada na contracapa de ZH de ontem). No retoque feito pela agência estatal, as pegadas dos homens na neve também foram neutralizados: é como se nunca tivessem estado ali. Até uma área de concreto descoberta pela neve apareceu, e aparece branco no frame oficial do governo.
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As agências Reuters, AFP e European Pressphoto, que transmitiram a fotografia após obtê-la pela agência norte-coreana, retiraram a foto do ar logo após detectar o erro.
– Quase nada mudou, exceto onde os homens estavam em pé. Isso deve ter demorado 30 segundos para ser feito – afirmou ao Times o especialista em perícia digital Hany Farid.
O flagrante da alteração da cena levanta novas dúvidas sobre o quanto real foram as imagens de histeria coletiva _ e o pranto dos norte-coreanos 12 dias depois da morte do líder -registradas e distribuídas pelo governo.
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Procurando a razão para uma alteração aparentemente sutil na imagem do cortejo, jornais como os britânicos The Telegraph e The Guardian chegaram à conclusão de que, após a intervenção estatal, o cenário da procissão parece mais limpo. Assim, o regime não hesitaria em modificar cenários, adequando-os ao que desejam que o regime pareça aos olhos do Ocidente. Em pelo menos duas ocasiões anteriores, a ditadura teria recorrido aos retoques digitais ao divulgar imagens do país. Em novembro de 2008, jornais britânicos suspeitaram de que uma fotografia de Kim Jong-il junto a militares havia sido manipulada _ levantando a possibilidade da deterioração da saúde do líder. A agência Associated Press cancelou o fornecimento de uma foto fornecida pelo governo norte-coreano, que teria reforçado no computador os efeitos de uma enchente no país _ provavelmente em busca de ajuda humanitária _ em julho passado.
Após a morte do pai, Kim Jong-un tomou posse ontem como novo chefe de Estado da Coreia do Norte, em uma cerimônia com a participação de milhares de militares na capital norte-coreana, Pyongyang.
Em infográfico, veja as principais etapas do conflito entre as Coreias: