Ao menos 2.752 pessoas em Santa Catarina recebem atualmente pensão vitalícia do governo federal, com benefícios garantidos pela vida toda e, algumas vezes, pagos pelo Executivo desde os anos 1950. Os dados fazem parte de uma lista que até pouco tempo era sigilosa, mas começou a ser divulgada pelo Ministério da Economia em novembro do ano passado. A relação das pensões ativas pagas a filhas, netas e viúvas de ex-servidores do governo brasileiro somou, somente em SC, um gasto de R$ 26 milhões em janeiro de 2020.
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São pagamentos lícitos e garantidos por lei, mas que surgem nos debates sobre o sistema previdenciário no Brasil em tempos de reforma da aposentadoria dos trabalhadores e de discussões nos Estados e municípios. A reportagem do NSC Total consultou os dados mais recentes divulgados pelo Ministério da Economia, publicados no último dia 7 de fevereiro com base nas pensões pagas em janeiro deste ano.
Os dados se tornaram públicos após denúncias da agência Fiquem Sabendo, que trabalha com Lei de Acesso à Informação, ao Tribunal de Contas da União (TCU). Em decisão em setembro do ano passado, o TCU ordenou que o governo federal passasse a divulgar os gastos com pensões dos familiares de ex-servidores.
Nos pagamentos vinculados a SC, a maioria das pensões foram deixadas por servidores falecidos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Na sequência estão órgãos federais como o Ministério da Saúde e o Ministério da Economia. Somando benefícios vitalícios e temporários, em janeiro eram 3,4 mil pensões ativas.
O benefício mais antigo em SC é pago à filha de um ex-servidor do Ministério da Saúde que morreu em 1951. Na época a beneficiária tinha apenas oito anos de idade e passou a receber a pensão do pai, que é paga até hoje pelo governo federal com base em uma lei que já foi extinta. Trata-se de uma legislação de 1958 que garantia pensão às filhas solteiras de servidores falecidos, com base em um entendimento de que, sem pai nem marido, elas não teriam como se sustentar.
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Algumas das pensões pagas desde os anos 1950 ou 1960 em Santa Catarina receberam reajustes ao longo do tempo e hoje chegam perto dos R$ 30 mil mensais, muito acima do teto de R$ 6,1 mil para os aposentados do INSS atualmente no Brasil. Tratam-se de benefícios pagos a viúvas ou filhas de ex-auditores fiscais da Receita Federal, que em nível nacional tinham a garantia de pensão desde 1890, no sistema chamado na época de Montepio. Era de um auditor fiscal falecido em 1912 a pensão mais longeva existente no Brasil até o ano passado: 106 anos de pagamento até a morte da última filha de um funcionário do Ministério da Fazenda no Maranhão.
Conforme os dados consultados pela reportagem, somente nas 42 pensões mais antigas vigentes em Santa Catarina, que estão ativas a mais de 50 anos, o gasto mensal do governo federal chega perto de R$ 350 mil.
Especialista defende ajuste nos valores
Membro do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, o advogado Marcelo Barroso Lima Brito de Campos é um dos principais especialistas em regime próprio de Previdência do Brasil e defende intervenções para o ajuste nos valores dos benefícios ativos no país:
— O ideal seria ajustar isso aos gastos atuais da previdência, mas é muito complicado porque você está lidando com um direito adquirido, que é uma medida de segurança jurídica do país. Se você mudar um direito adquirido, pode estar causando uma arbitrariedade, afetando a confiança. Por isso tem que haver uma intervenção para ajustar essas pensões, não para eliminar como algumas propostas querem. Temos que lembrar que são pensões lícitas — explica o especialista.
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Campos explica que o assunto está atualmente no Supremo Tribunal Federal (STF) aguardando uma decisão definitiva. Enquanto isso, as decisões mais recentes na Justiça apontaram para a manutenção das pensões, mas com adequações à realidade financeira atual.
— Há quem queira fazer a extinção desses benefícios, sem qualquer tipo de transição. Eu acho que o justo seria adequar os exageros, fazer ajustes. Atacar os problemas de fraude diretamente, nos casos denunciados de mulheres que recebem como filhas solteiras mas casaram, tiveram um emprego, algum vínculo — avalia o advogado.
Pensões de militares ainda não foram abertas
Com base na decisão do TCU que determinou a abertura das listas de todas as pensões, falta ainda a disponibilização dos dados abertos das filhas e viúvas de militares. Consultas individuais sobre os benefícios deixados por militares no Brasil já estão sendo atendidos pelo governo, mas ainda não há uma divulgação oficial com dados abertos igual a dos outros órgãos.
Em nota emitida nesta terça-feira (11), o Ministério da Defesa disse que tem feito reuniões com a Controladoria-Geral da União (CGU) para alinhar os padrões e começar a divulgar os gastos ainda no primeiro semestre de 2020.
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