O governo pretende dificultar a vida de quem atrasa o pagamento de parcelas do automóvel financiado e facilitar a retomada do bem, numa tentativa de estimular os bancos a voltar a abrir as torneiras do crédito. As medidas, estudadas pelo Ministério da Fazenda, podem entrar em vigor até o final do ano, e assim aplacariam em parte as reclamações do sistema financeiro.

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A mais impactante seria a permissão para que as polícias Militar e Rodoviária apreendam veículos com financiamento em atraso em blitze de rotina – acessando um banco de dados semelhante ao que mostra débitos com multa e impostos. Esse procedimento encurtaria o tempo para a apreensão do veículo: hoje, é preciso haver notificação por parte de um oficial de justiça e, posteriormente, a retomada do bem.

Essas etapas podem ser longas se o proprietário ou o automóvel não forem encontrados na residência, por exemplo. Também está em discussão no Planalto o pagamento de parte da parcela, mesmo quando o consumidor pedir, na Justiça, a revisão do contrato.

– Os bancos passaram a segurar o financiamento em razão da inadimplência. É preciso dar mais garantias para reduzir o risco de não pagamento – afirma Fernando Sbroglio, presidente do Sincodiv/Fenabrave do Estado, entidade que representa as concessionárias.

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Conforme empresários do setor automotivo, os bancos têm negado um em cada três pedidos de empréstimo para compra de automóveis, proporção que é ainda maior para usados. A Cetip, que organiza dados sobre crédito, informa que o número de financiamentos caiu 13% em junho em relação a maio no país.

Os fabricantes afirmam que as mudanças poderiam levar bancos a reduzir o juro da parcela no financiamento automotivo, uma vez que a taxa contempla o risco de inadimplência. A Federação Brasileira dos Bancos foi procurada pela reportagem, mas não comentou o assunto. Advogados que atuam com processos que questionam os juros cobrados nas operações consideram eventuais mudanças inconstitucionais.

Conforme Maurício Lewkowicz, as regras que estão em debate, na prática, retiram do consumidor a liberdade de brigar na Justiça quando avaliar que há cláusulas abusivas no contrato. Endividamento do consumidor pode reduzir impacto de medidas Em marcha lenta, a indústria automotiva enxerga no maior rigor com os inadimplentes uma forma de retomar as vendas (veja dados ao lado).

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Em julho, o governo liberou R$ 45 bilhões de crédito bancário para compra do carro, ao flexibilizar o compulsório (volume de recursos que o banco é obrigado a manter em caixa). Um mês antes, já havia adiado a volta do IPI aos patamares originais. Na época, o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan, disse que as medidas trariam aumento de liquidez para a economia brasileira como um todo. Especialistas, contudo, entendem que o impacto de novas medidas seja limitado, tanto na venda de modelos novos quanto de usados.

Conforme Antônio Jorge Martins, da Fundação Getulio Vargas, a seca no crédito está associada ao aumento do endividamento da população, e não à dificuldade em retomar o bem. Na opinião de Martins, um eventual rigor nas regras poderá ter efeito no curto prazo, mas os bancos não devem voltar a liberar crédito com a mesma volúpia de anos anteriores.

O que pode mudar na retomada do automóvel

Busca e apreensão

Como é hoje: depois de três meses sem pagamento, banco ou financeira ingressam na Justiça pedindo a retomada do veículo. O proprietário é notificado sobre o processo e, posteriormente, o automóvel é apreendido por um oficial de justiça.

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Como poderia ficar: com autorização da Justiça, as polícias Militar e Rodoviária receberiam a relação dos veículos com pagamento em atraso e poderiam executar a apreensão. Depende de alteração no Código Civil.

Processo revisional

Como é hoje: consumidor entra na Justiça solicitando a revisão do contrato, e o trâmite pode levar de dois a quatro anos. Durante esse período, as parcelas do financiamento não são pagas.

Como poderia ficar: o cliente que entrar na Justiça continuaria obrigado a pagar o principal da dívida, ou seja, a parcela descontada da parte referente a juro e mora – já que somente essas estariam em discussão no processo judicial.

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