Inchaço da folha, queda na arrecadação, baixa capacidade de investimentos. Além dos problemas habituais que o Estado enfrenta, uma epidemia silenciosa tem prejudicado ano a ano o funcionamento da máquina administrativa estadual: o número de licenças médicas para tratamento de saúde.

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Só no ano passado, a Diretoria de Saúde do Servidor, ligada à Secretaria de Administração, concedeu 9.986 licenças. Em um universo de pouco mais de 75 mil servidores ativos, o problema consumiu 13,2% da força de trabalho do funcionalismo público. O número, considerado acima do considerado aceitável pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que aconselha que governos não tenham mais do que 10% de afastamentos por problemas de saúde em seus quadros, é ainda mais preocupante quando se observados os números da iniciativa privada.

De acordo com a base de dados do INSS, 2.79% dos mais de 47,8 milhões de trabalhadores brasileiros com carteira assinada foram afastados por motivos de saúde entre os meses de janeiro a setembro de 2012. Em Santa Catarina, no mesmo período, 4,71% dos mais de 2,1 milhões de trabalhadores da iniciativa privada passaram pelo INSS à para obter o benefício.

A rede estadual de ensino é líder no número de afastamentos. Só no ano passado, foram 5.694 licenças para servidores da pasta, o que representa 57% do total apurado pela gerência de perícias. Entre uma das principais empregadoras da economia catarinense, a indústria, dados da Fiesc relativos ao ano de 2010 apontam que 12,6 mil empregados foram afastados por acidentes ou doenças. A categoria conta com 734 mil trabalhadores.

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O secretário Eduardo Deschamps faz a conta do prejuízo que o Estado tem que pagar, e alega que todos saem prejudicados com os problemas enfrentados pelos servidores.

– Se fizermos um cálculo simples, cada pessoa contratada em regime de ACT custa em média R$ 2 mil por mês. Numa situação hipotética, se essas 5.694 licenças tivessem gerado a contratação de 5 mil servidores em caráter temporário, a secretaria teria gasto, então, R$ 10 milhões repondo funcionários no ano passado. Para se ter uma ideia, construir uma escola nova custa R$ 7 milhões – afirma.

O secretário reconhece que a maioria destas licenças são causadas, de fato, por problemas de saúde, argumentando que a própria natureza da profissão de professor e o alto número de servidores na pasta, aproximadamente 42 mil, faz com que a liderança no número de afastamentos seja da Educação. Mas confirma que há problemas em fiscalizar irregularidades, citando a existência de casos que precisam ser investigados mais a fundo.

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– Para se ter uma ideia, temos casos de ACTs que são contratados para cobrir um servidor que está de licença e, quando você vai ver, o ACT também acabou pegando licença – diz.

Outro problema que funcionários da Educação dizem presenciar seria a existência dos chamados “profissionais do atestado”. Como é possível obter atestados de até três dias sem precisar passar pela perícia, há servidores que aproveitam determinadas datas para apresentá-los, sem estar com problemas de saúde reais. Um exemplo citado por uma fonte que preferiu não se identificar ocorre quando o mês termina em um final de semana.

– Acontece de o servidor pegar quarta, quinta e sexta de atestado. No final de semana muda o mês, ele vai e consegue mais três dias de atestado, e acaba ficando uma semana fora do serviço – afirma.

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Stress e depressão no topo

O número de afastamentos no governo estadual não chega a ser considerado uma surpresa pela gerência de perícias médicas da Secretaria de Administração. Segundo Rosana Maffessoni Driessen, que coordena o setor há três anos, o número vem se mantendo estável. Os transtornos mentais e comportamentais, como stress e depressão, são os principais motivos de afastamento em 34% dos casos.

– Nossa maior preocupação é acompanhar este servidor. Até porque não adianta nada dar uma licença e a pessoa não procurar tratamento. Quem chega até a perícia é porque está enfrentando problemas, e nós temos que humanizar nosso atendimento sem deixarmos de ser rigorosos na avaliação de cada caso – afirma.

Por lei, o servidor precisa passar pela perícia caso o atestado concedido por seu médico particular o afaste por um período maior do que três dias. Segundo o supervisor da perícia, Nicolau Heuko Filho, a maior parte das irregularidades em licenças de saúde são detectadas a partir de denúncias à ouvidoria do departamento.

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– Nesses casos, entramos em contato com a perícia que homologou o afastamento e, se é comprovado que o servidor não está doente, a licença é suspensa automaticamente. E o funcionário ainda responde por um inquérito – diz.

Críticas às condições de trabalho

Para a coordenadora do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Santa Catarina (Sinte/SC), Alvete Bedin, o número de licenças por tratamento de saúde é um reflexo das condições de trabalho da categoria.

– Sempre tivemos essa preocupação, alertamos diversas vezes o Estado para prestar mais atenção na forma como o profissional da educação tem sido tratado. Nossa área é muito difícil, a relação professor-aluno por si só é uma questão difícil – diz.

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Segundo a diretora do SindSaúde, Simone Malagann, a carga excessiva de trabalho dos profissionais da área são os maiores vilões da saúde. Um trabalho de prevenção à doenças tem sido feito pelo sindicato desde o ano passado, quando foi criada uma assessoria dedicada ao tema na entidade. E reconhece a existência de irregularidades, mas chama a atenção para a cultura pró-atestado levantada por alguns médicos.

– A gente sabe que existem irregularidades, apesar de ser difícil de identificar. Além de chamar a atenção do servidor, devemos lembrar que, para que ele consiga uma licença sem estar de fato doente, um médico deu um atestado. É uma responsabilidade de todos, e é preciso ter mecanismos para apurar esses casos – alega.

Levantamento e auditoria na Educação

A diretora de Gestão de Pessoas da Secretaria da Educação, Lúcia Borges, confirma a intenção da pasta de fazer um levantamento detalhado dos afastamentos para tratamento de saúde e dos atestados médicos apresentados por servidores no ano passado. Segundo ela, a intenção é ter um estudo das causas que mais tiram os profissionais do trabalho, além de apurar possíveis irregularidades. Além disso, o secretário de Educação pretende negociar uma auditoria na pasta em parceria com a Secretaria da Fazenda.

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– Seria uma forma de localizar casos de pessoas que pegam atestados com frequência, por exemplo, e tentar descobrir os motivos disso – explica.

O secretário de Saúde, Dalmo Claro de Oliveira, afirma que as licenças são de competência da Direção de Saúde do Trabalhador, e que não cabe a ele apurar denúncias. Segundo ele, o alto número de licenças é causado pelas característica da profissão.

– A carga horária e até as coisas vivenciadas por esses profissionais causam problemas de saúde. Não é algo que nos surpreenda – diz.

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