Desde que o filho foi preso, há três anos e dois meses, a rotina da dona de casa L.A.V., de 51 anos, inclui uma visita por semana ao Complexo Penitenciário de São Pedro de Alcântara, na Grande Florianópolis. O dia reservado para o encontro sempre muda: era aos sábados, depois foi para as quartas-feiras e atualmente ocorre às terças. O que até o momento não foi alterado é o constrangimento com a revista íntima. Levada até uma sala, ela é obrigada a ficar nua e se agachar várias vezes em frente a um espelho, diante do olhar atento das agentes prisionais.

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— A humilhação é horrível. Eu só venho porque é meu filho. Se fosse meu marido, eu não viria. Meu outro filho desistiu de vir por causa da revista íntima. Ele tinha 17 anos e era obrigado a ficar nu ao meu lado. Eu virava para não ver, mas eles diziam que eu precisava olhar para garantir que não estavam fazendo nada com ele — lamenta.

Apelidada de revista vexatória, a inspeção íntima é obrigatória para todos os familiares que visitam detentos em unidades prisionais catarinenses. Nem crianças e idosos escapam. O procedimento já é proibido em alguns Estados, como Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, mas em Santa Catarina é permitido por uma decisão temporária do desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz, do Tribunal de Justiça (TJ-SC), de 18 de março de 2015.

Prática já é proibida em estados como SP, RJ e RS  Foto: Betina Humeres / Agencia RBS

Com marido preso em São Pedro de Alcântara, C.H.O. leva o filho de sete anos para visitar o pai. Para não expor a criança, ela prefere entrar sozinha.

— Na primeira vez, eu me senti envergonhada. Meu filho tinha três anos e ia comigo. Agora ele me espera em uma sala porque não quero que ele me veja. Às vezes eu preciso me agachar de três a quatro vezes e abrir as partes (íntimas) — diz.

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Foto: Betina Humeres / Agencia RBS

Deap reconhece constrangimento

Entre a cúpula do Departamento de Administração Prisional (Deap), há um entendimento de que a revista íntima não é o procedimento adequado, mas ainda é necessária enquanto não se há escâneres para as inspeções corporais.

— Nós entendemos que se torna constrangedor até para a própria pessoa que realiza (a revista), mas, para a segurança, é a ferramenta que temos – afirma o diretor do Deap Edemir Alexandre Camargo Neto.

Mulheres se preparam para visitar os maridos presos na penitenciária de São Pedro de Alcântara Foto: Betina Humeres / Agencia RBS

No ano passado, chegou a ser anunciado o aluguel de escâneres corporais para 12 das 50 unidades prisionais de SC, porém o governo do Estado recuou após críticas quanto ao valor do contrato – de aproximadamente R$ 5 milhões. Agora, segundo o Deap, existe um planejamento para a compra dos equipamentos para as mesmas 12 unidades, que concentram mais de 60% da população carcerária de SC. Não há, porém, previsão para que as máquinas comecem a operar. 

No entendimento da Ordem dos Advogados do Brasil em SC (OAB-SC), um problema financeiro do Estado não pode gerar desconfortos aos familiares dos presos. 

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— Dessa forma, a pena passa do condenado para os seus familiares. Você quer combater um crime cometendo outros — defende o presidente da comissão de assuntos prisionais da entidade, Alexandre Neuber.

Juristas de SC divergem sobre procedimento durante visitas

Não há uma legislação nacional sobre revista íntima, mas, entre os juristas, existem dois grupos: os que defendem o procedimento como uma forma de garantir a segurança e aqueles que são contra a prática por entender que ele atenta contra a dignidade humana. A seção catarinense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) já se manifestou contra as revistas íntimas. 

De acordo com o advogado Alexandre Neuber, trata-se de um “constrangimento inimaginável, claramente ilegal”. Ele defende que o procedimento é uma afronta a diversos tratados internacionais sobre direitos humanos e lembra que advogados, procuradores e os próprios agentes prisionais não precisam passar pela prática.

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— Fica esse questionamento: por que todos não passam pela revista íntima? Elas ficam restritas aos familiares, pois se trata do lado fraco. O ente querido precisa se submeter para poder encontrar o detento — diz. 

Em dezembro de 2014, a Defensoria Pública do Estado entrou com uma ação civil e um pedido de liminar para o encerramento da prática. A liminar foi negada em janeiro de 2015 pelo juiz Hélio do Valle Pereira. Com isso, a defensoria recorreu e a liminar foi concedida pela desembargadora Cláudia Lambert de Faria em 4 de março de 2015. A decisão, porém, durou pouco, sendo derrubada duas semanas depois pelo desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz. É essa decisão que embasa a realização da prática hoje, embora o caso ainda tramite tanto na primeira quanto na segunda instância.

Futuro incerto no Judiciário

Entre funcionários do Judiciário, existe a percepção de que a permissão às revistas deve continuar. A desembargadora Cintia Beatriz da Silva Bitenccourt Scheffer, do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do TJ-SC, admite que há um conservadorismo quanto à questão, porém nega que seja possível prever o resultado da ação.

– Não tem como antever. Depende do que será considerado preponderante – diz a desembargadora, que é contrária à prática.

Projeto tramita na Assembleia

A polêmica sobre a continuidade das revistas vexatórias caminha para ser debatida também na Assembleia Legislativa (Alesc). A Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de Santa Catarina (Aacrimesc) enviou para o deputado Gelson Merisio uma ideia de projeto de lei para proibir as revistas íntimas no Estado, a exemplo do que já acontece em São Paulo e no Rio de Janeiro. O deputado, agora, quer vincular o fim das revistas íntimas à instalação de escâneres corporais ou outras tecnologias que substituam a prática.

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– Tem que preservar os direitos e a dignidade de quem visita, em especial as mulheres e as crianças, mas com um modelo que também garanta a segurança de quem está preso, dos funcionários e do complexo prisional como um todo – diz Merisio, destacando que o projeto deve começar a tramitar em breve e que deve contribuir para reduzir o efetivo necessário para realizar o controle da entrada de visitantes.