A 20 meses do final do governo, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, centra fogo no combate à inflação. Na sequência de estratégias como congelamento e os chamados “preços cuidados” – uma cesta de 200 produtos básicos -, foram anunciadas novas leis para punir abusos na fixação de preços.
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Depois de um período de inusual discrição, que chegou a despertar boatos sobre sua “desaparição”, Cristina recupera visibilidade em atos como o da abertura do ano legislativo, nesse sábado, com um discurso cercado de pompa no Congresso. Com consultorias privadas projetando inflação de 30% em 2014, a presidente anunciou o envio de “leis para castigar os abusos contra os consumidores cometidos por monopólios e oligopólios”.
– Cuidem dos preços, não permitam que lhes roubem! – pediu ao discursar em frente do palácio legislativo.
Axel Kicillof, ministro da Economia e maior estrela do governo, acaba de normalizar as desprestigiadas estatísticas de custo de vida, depois de ser ameaçado de sanções pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
O novo índice mostrou alta de 3,7% só em janeiro, e foi considerado por economistas o primeiro indicador oficial confiável nos últimos sete anos. Depois de contornar uma tempestade cambial com medidas que aprofundaram a virada do governo para a ortodoxia, a presidente disse que desde seu primeiro mandato, em 2007, suportou “oito corridas cambiais, que causaram fuga de capitais de US$ 60 bilhões”.
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Até agora, o ataque especulativo contra o peso, que forçou o governo a aceitar uma abrupta desvalorização de 18% em janeiro, parece ter sido controlado. A moeda nacional voltou a ganhar alguma força, mas nas ruas há inquietação e preocupação tanto com os preços quanto com o desabastecimento. Em várias cidades argentinas, os produtos incluídos na cesta de preços cuidados – azeite, farinha, açúcar – têm venda limitada nos supermercados.
A crise foi atribuída por Cristina a uma tentativa de que “o governo vá pelos ares”. Nas ruas, alguns argentinos se perguntam, em voz alta, se o futuro da Argentina não é se tornar uma nova Venezuela. No sábado, a presidente voltou a expressar seu compromisso com “a democracia venezuelana, seja com um presidente de esquerda, direita ou centro”, diante do que denominou “tentativa de golpe suave” – uma referência aos protestos de rua que já provocaram quase duas dezenas de mortes.
Palavra do preferido presidencial
Maior estrela do governo, o ministro da Economia Alex Kicillof é conhecido pela língua afiada:
“O clima de psicose que se tentou instalar no país desde dezembro provocou acelerações de preço que provocaram fortes distorções”, ressaltou ao apresentar o novo índice oficial de inflação, o maior dos últimos 12 anos e considerado “crível” por consultores.
“Os mesmos que nos disseram durante 10 anos que o dólar valia 1 peso são os que hoje querem nos convencer de que vale 13 (pesos)”, enfatizou referindo-se à cotação do dólar no mercado paralelo, Durante o auge da desvalorização, em janeiro deste ano.
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Uma grande virada na condução da economia
Diante da disparada do dólar, em janeiro, Alex Kicillof, ministro da Economia que assumiu a pasta em novembro passado, surpreendeu o mercado. Identificado com a corrente econômica keynesiana, menos propensa a soluções clássicas como fortes elevações de juro para superar crises, Kicillof tem adotado medidas consideradas ortodoxas. A taxa básica de juro foi duplicada, para 30% ao ano, como nos planos de ajuste tradicional.
O Banco Central obrigou os bancos a se desfazerem de 70% dos investimentos em dólares e as autoridades conseguiram que poderosos grupos exportadores de cereais voltassem a liquidar divisas, estancando o que parecia o começo de uma crise com desdobramentos imprevisíveis.
Outra forma de aliviar a pressão sobre o câmbio foi permitir, em alguns casos, a compra de dólares por pequenos poupadores, proibida desde 2011. O governo conseguiu frear a drenagem de reservas monetárias que caíram em US$ 2 bilhões entre dezembro e janeiro, até se estabilizar em US$ 27,5 bilhões. As duras medidas esboçam uma desaceleração da atividade, depois de o Produto Interno Bruto ter crescido 4,9% no ano passado e entre 4% e 9% desde 2003.
Agora, a grande expectativa é a exportação de soja. A partir de abril, devem entrar cerca de US$ 30 bilhões em vendas do grão ao Exterior. Kicillof acentuou a mudança de viés ortodoxo ao iniciar negociações de uma dívida de US$ 9,5 bilhões com o Clube de Paris e assinar um acordo com a multinacional Repsol (Espanha/China) para indenizar a companhia com US$ 5 bilhões em títulos pela “expropriação” da petroleira líder YPF em 2012. Logo depois, o governo enviou sinais de que espera investimentos privados em energia.
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O governo argentino ainda mantém restrições à importação que exasperam empresários brasileiros. No sábado, Cristina reservou uma frase ao parceiro, diante da constatação de uma queda na exportações de automóveis para o maior sócio do Mercosul estimada em 40%:
– É necessária uma aliança estratégica com o Brasil.