Na onda de montadoras que anunciaram investimentos para produzir automóveis no Brasil, todas elas atentas aos incentivos fiscais previstos pelo novo regime automotivo no país, a BMW decidiu colocar seus euros em Santa Catarina.
Continua depois da publicidade
No último dia 22, a multinacional alemã anunciou a instalação de uma fábrica em Araquari, município vizinho ao polo metalmecânico de Joinville, investimento inicial de 200 milhões de euros (cerca de R$ 530 milhões) e geração de mil empregos diretos.
Os primeiros modelos brasileiros do BMW X1 têm previsão de sair da linha de produção no final de 2014. O projeto é a principal estratégia da empresa para ampliar as vendas no Brasil de 12 mil para 30 mil carros ao ano em médio prazo.
Nesta entrevista, o presidente da BMW do Brasil, Jörg Henning Dornbusch, fala mais sobre o investimento e as perspectivas da companhia com o Brasil. Confira os principais trechos de entrevista concedida por telefone, na sexta-feira, ao jornal Zero Hora, do Grupo RBS.
Continua depois da publicidade
Incentivos fiscais ainda são a principal arma para atrair investimentos como o da BMW?
Henning Dornbusch – O que vai acontecer cada vez mais durante o tempo é que a questão de incentivos fiscais vai se tornando um instrumento menor na decisão de investimento de uma fábrica. Até por que os incentivos fiscais podem ser alterados antes do tempo. Nós não consideramos os incentivos fiscais como ponto principal na decisão de uma fábrica. Nossa ideia é que o projeto tem que ser viável sem renúncia fiscal, por que ela pode ser volátil.
Executivos da BMW visitaram 10 cidades de SC e outros municípios de SP. O que foi determinante para a escolha de Araquari?
Dornbusch – No caso de Araquari é a questão portuária no Estado, diversos portos, outros que podem ser adaptados a um tipo de produção com as características da BMW. E também a mão de obra. Outra coisa interessante é o fato de não existir um setor automotivo constante em SC, então a BMW poderia ser pioneira neste sentido, ajudar o Estado a desenvolver um polo automotivo. Gostamos sempre de fazer a diferença no início. Se não encontrarmos autopeças em SC, outras empresas certamente vão montar estrutura para tal. É outra forma de trair um polo industrial para o Estado.
Continua depois da publicidade
Como país emergente e integrante do grupo dos Brics, o Brasil é visto pelas grandes montadoras como uma boa alternativa de mercado? Por quê?
Dornbusch – O Brasil tem uma demanda reprimida muito grande, existe necessidade de distribuição de renda muito grande para os próximos anos. Continua a renda muito concentrada. Especificamente para o segmento automotivo, a mobilidade urbana individual ou coletiva ainda é muito baixa, considerados os países desenvolvidos. Existe um potencial de crescimento muito grande deste segmento. Se você comparar o Brasil com os Estados Unidos ou o continente europeu, são países que já têm uma estrutura desenvolvida com baixas taxas de investimento. A questão (da proporção) de habitantes por carro no Brasil ainda é muito elevado. A participação do segmento premium, onde a BMW se insere, dependendo do contexto da produção total de veículos, ainda é muito pequeno no Brasil. Estou falando de 1%, ou 1,5%. Se você vai para a Europa e nos Estados Unidos, chega a 25%.
Os preços dos veículos no Brasil são considerados, inclusive por publicações internacionais como a Forbes, ridiculamente alto. O que mais pesa no preço final no Brasil? As margens são maiores?
Continua depois da publicidade
Dornbusch – A margem de lucro aqui no Brasil é uma das menores, mas não é a margem que pesa. É a questão do custo mesmo de internação (importação) de um produto. Você tem uma carga tributária muito forte, na importação é de 35%. Tem o IPI que inicialmente era 25% e foi para 55%. Tem PIS/Cofins, que chega a 11%. E por aí vai subindo a cadeia. É imposto sobre imposto. Se você for calcular o custo do preço lá fora internalizado, para cobrir os custos de distribuição, você quase tem um preço três vezes maior do que quando sai da fábrica no exterior.
Qual a avaliação da BMW sobre o regime automotivo anunciado pelo governo brasileiro? O fato de beneficiar carros mais econômicos e supostamente mais populares contraria o interesse da BMW?
Dornbusch – Não é que o governo quer incentivar carros mais populares, ele quer incentivar a eficiência energética. Se aquilo que for produzido no país for ao encontro da política de eficiência energética brasileiro, que seja bem vindo. Tanto que a BMW entregou o projeto ao Inovar-Auto por que atende a essas medidas de desenvolvimento, tecnologia, eficiência energética, manufaturas. O Brasil demorou muito tempo para desenvolver uma política automotiva. O que nós tínhamos antes não era uma politica propriamente automotiva, ela era bem antiquada. O que está acontecendo agora é que o governo está começando a alinhar os interesses de desenvolvimento de um país com relação à qualidade da indústria já existente e os novos entrantes, fazer com que o parque circulante se torne cada vez mais moderno. A China, a Índia e a Rússia estão fazendo isso.
Continua depois da publicidade
A BMW realmente pensa em oferecer carros elétricos no Brasil a partir de 2014? Dornbusch – Pretendemos, sim. Está dentro do nosso escopo, lançar em 2014 e 2015. E existem projetos no Congresso que estão tramitando para a aprovação da redução de alíquota de IPI para veículos elétricos e híbridos. E acreditamos que até lá a coisa esteja resolvida.
Ainda sobre a unidade em SC, antes de iniciar a produção em Araquari, a BMW vai ter alguma linha de montagem em Joinville?
Dornbusch – O que se faz normalmente em projetos deste porte é se iniciar em uma plataforma paralela. Quando a produção e os modelos de operação estiverem todos alinhados, se transporta eles para o início da produção. Esta é uma prática comum e possivelmente será adotada pela BMW. Seria na região da fábrica.
Continua depois da publicidade
Quais as vantagens de liderar o início de uma cadeia automotiva em uma determinada região, como a BMW fará em SC?
Dornbusch – É gratificante para todos. Você criar algo do zero é muito bom para o desenvolvimento de um Estado e uma nação. Você não é mais uma peça na engrenagem, você é a engrenagem. É interessante ver como você consegue iniciar um movimento de atração de capitais, é algo que consideramos muito importante e bonito, assim como a decisão de desenvolver uma nova atividade no Estado.
Isso se reverte em custos menores ou em alinhamento da BMW ao perfil dos novos fornecedores?
Dornbusch – Não, custos menores, não. Mas o perfil do fornecedor realmente fica mais alinhado à empresa, conhece melhor os processos, não tem vícios de outras montadoras. Se consegue moldar a estrutura de início de uma forma mais voltada à sua produção.
Continua depois da publicidade
A colonização alemã em SC favoreceu a escolha do Estado, se comparado com outros locais que estavam concorrendo para conseguir a fábrica da BMW?
Dornbusch – Não, o fato de ter colonização alemã, não. Até por que é interessante, a BMW é uma empresa internacional, embora esteja localizada no sul da Alemanha. O fato de ser uma empresa alemã não fará você escolher um local onde a cultura alemã ou europeia seja predominante. Ser uma empresa global faz a escolha ser feita por diversos fatores técnicos.
A projeção de produzir 30 mil veículos por ano em Araquari tem como foco o aumento do consumo da marca pelos brasileiros ou algumas destas unidades poderão ser exportadas?
Continua depois da publicidade
Dornbusch – A ideia dessa capacidade instalada é atender primeiro o mercado doméstico. E se o mercado propiciar exportação para outros países, ou especificamente ao Mercosul, isso estará dentro da pauta.
Qual é o perfil do profissional que a BMW começará a buscar?
Dornbusch – São os cargos normais de fábrica, cargos ligados à produção, engenharia de produção. Voltadas à linha de montagem. Queremos fazer parcerias com escolas técnicas, desenvolver mão de obra capacitada, mandar pessoas do Brasil para a Alemanha, para serem treinadas por lá e voltarem com ideias de projetos de manufatura com tecnologia alemã. Buscaremos em todas as camadas sociais e de idade.
Vocês já têm uma estimativa do preço que os modelos X1 produzidos em Araquari devem ter no mercado? Eles poderiam sair da fábrica a partir de R$ 70 mil, como preveem alguns especialistas?
Continua depois da publicidade
Dornbusch – Não, isso não tem o menor sentido. É inviável. Não podemos falar em valor, mas os preços serão competitivos e compatíveis ao mercado premium. Mas não haverá essa queda que está todo mundo falando, isso não faz o menor sentido. Afinal, o investimento tem que ser pago, é elevado. Então isso não procede.
A montadora prevê algum plano de investimento no município, a exemplo do que o Grupo EBX está fazendo em São João da Barra, com a Cidade X. Em outras palavras, a BMW investirá em escolas, moradias ou outras estruturas para os seus trabalhadores, sejam eles locais ou vindos da Alemanha?
Dornbusch – Claro, temos projetos sociais analisando com o governo do Estado. De qual forma a gente pode atuar junto à comunidade, em Santa Catarina. Em todos os sentidos, culturais, esportivos, capacitação de mão de obra, escolas técnicas. São várias ramificações em que vamos atuar intensamente.
Continua depois da publicidade
Quais os resultados previstos pela BMW neste ano, para negócios no Brasil e internacionais?
Dornbusch – O ano para o Brasil está sendo mais difícil devido ao aumento dos preços trazido pelo aumento do IPI para certos carros. Neste ano deverão ter resultado de vendas 30% inferior ao do ano passado. Aí em carros BMW e mini. Em motos, deverá haver crescimento de 50%. Em relação ao grupo mundial, será um bom ano, nós almejamos continuar lideres no segmento mundial, com segmento perto de 10% neste ano.