Dom João VI já sabia da existência das fontes termominerais de Santo Amaro da Imperatriz bem antes de mudar a corte de Portugal para o Brasil Colônia, em 1808, expulso por Napoleão Bonaparte. Desde a Antiguidade, as águas termais são sinônimo de bem-estar e as de Santo Amaro eram um privilégio histórico dos indígenas bororenos.
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Uma vez no Brasil, Dom João enviou um regimento de soldados para se apossar do aquífero. Tinha o plano de erguer um hospital de caldas no local, em 1814. Os bororenos resistiram e muito sangue foi derramado até o domínio português ser estabelecido. Trinta anos depois da pólvora calar as flechas, o Brasil ganhou o primeiro hospital de caldas, isto é, de águas minerais quentes. Era um dos poucos recursos médicos disponíveis na época, em 1845.
Dom Pedro II e a imperatriz Tereza Cristina vieram especialmente para a inauguração, o que mostra a dimensão histórica do fato. O nascimento da Princesa Isabel – nove meses depois da passagem do casal imperial – só reforçou a fama daquela água ser curativa e milagrosa. O pequeno Arraial de Santana do Cubatão passou a se chamar Santo Amaro da Imperatriz.
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Dois séculos se passaram e a riqueza tão disputada foi quase esquecida. A ideia do programa “O poder das águas”, que será exibido no Globo Repórter desta sexta-feira, dia 25, é a de resgatar esse tesouro natural. Fomos investigar como as águas termais, não apenas a de Santo Amaro, estão ajudando a cuidar da saúde dos brasileiros. O potencial é imenso. Foi uma viagem de descobertas.
Na Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), pesquisadores do Laboratório de Neurociências Experimental (Lanex) trabalham para explicar como a água termomineral de Santo Amaro age no organismo aplacando dores e inflamações. Testes em camundongos revelaram resultados promissores no tratamento das dores musculares e ósseas e também para as causadas por lesões em nervos, como a latejante e indesejada dor no ciático.
São pesquisas inéditas que o programa vai mostrar em detalhes.
Termalismo social
Também visitamos duas cidades catarinenses que estão levando muito a sério o chamado termalismo social. O termo é adotado para nomear o uso das águas termominerais no tratamento da população, oferecido de graça, pelo SUS, como uma prática integrativa e complementar. A pioneira foi Santa Rosa de Lima, no Sul do Estado. Os pouco mais de 2 mil habitantes têm o privilégio de cuidar da saúde numa piscina de água termal.
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O que começou há 12 anos de forma intuitiva, de um ano para cá ganhou protocolos científicos de tratamento, desenvolvidos por pesquisadores do departamento de saúde pública da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Esses protocolos definiram o tempo de imersão, o número de banhos, a quantidade de água a ser ingerida pelo paciente, de acordo como o que está sendo tratado. Segundo o médico do posto de saúde da pequena cidade, o consumo de analgésicos em Santa Rosa de Lima caiu sensivelmente.
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Mas se há um lugar no Brasil que hoje é um laboratório do termalismo social é Santo Amaro da Imperatriz. A cidade da Grande Florianópolis, de 25 mil habitantes, está explorando um leque de
tratamentos com a água termal histórica. Sim, aquela mesma tão apreciada pelos indígenas, cobiçada por Dom João VI e imortalizada ao banhar Dom Pedro II.
Agora, ela está sendo usada com sucesso em casos tão distintos, como para aliviar as dores dos tratamentos contra o câncer e proporcionar relaxamento às crianças com o transtorno do espectro autista. Também pacientes com feridas graves – causadas por problemas circulatórios e que não respondiam às terapias tradicionais – estão se beneficiando das propriedades antissépticas e cicatrizantes dessa água. O programa vai mostrar histórias de vidas que foram transformadas por essas águas.
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Para além das fontes termais
Essa força natural não é exclusividade das águas ricas em minerais que brotam quentes do fundo da terra. A equipe da NSC TV também foi até a Bahia para ver de perto como um médico usa água da torneira de casa para atender os pacientes. O doutor Áureo chegou ao Vale do Capão, na Chapada Diamantina, 40 anos atrás. Então, não havia médico, posto de saúde e a população era muito pobre. Ele passou a ensinar aos moradores técnicas simples e acessíveis da hidroterapia, entre elas a da faixa úmida.

Trata-se de uma compressa de gaze, molhada em água fria, aplicada sobre a barriga e enrolada com uma toalha seca. Estudantes de medicina e de enfermagem de todo o país vão ao posto de saúde da localidade para ter aulas práticas com o doutor Áureo. Nos lares do Vale do Capão, a faixa úmida é passada de mãe para filha e usada para tratar até animais domésticos.

Voltando para Santa Catarina, a gente foi até Balneário Piçarras, no Litoral Norte, para conhecer um programa da prefeitura que usa a água do mar – o recurso mais abundante do município – para promover a saúde da população. Quatro séculos antes de Cristo, Hipócrates, o patrono da medicina moderna, já exaltava os benefícios da talassoterapia. O Brasil, com mais de 8,5 mil quilômetros de costa, ainda ignora o potencial da água do mar e do ar marinho no tratamento de doenças e na promoção do bem-estar. Balneário Piçarras está tentando mudar essa história e a gente vai mostrar como.
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O potencial turístico das águas termais
Tem uma cidade no Brasil em que o número de leitos de hotel é maior do que o da própria população. Esse município é Piratuba, no Oeste de Santa Catarina, que tem cerca de 4 mil habitantes. Na década de 1960, o solo da região foi perfurado atrás de petróleo. Mas o que jorrou da terra foi uma fartura de água termomineral sulfurosa.

Virou a verdadeira riqueza da cidade que cresceu impulsionada pelo turismo termal. O que nos levou a Piratuba foi uma festa que está se tornando uma tradição. Moradores e milhares de turistas vestem o mesmo traje para celebrar a maior riqueza da cidade. A equipe da NSC TV, claro, encomendou as roupas e também caiu na folia.
O programa “O poder das águas” foi produzido entre abril e outubro deste ano.
*Texto de Elaine Simiano.