Os olhos curiosos das gêmeas Kerolyn e Kauany exploravam com atenção o novo ambiente. No colo dos pais, as meninas saíram pela primeira vez do hospital no final da tarde desta terça-feira, depois de passar um ano e 19 dias internadas. Elas nasceram em Passo Fundo, no Norte, unidas pelo abdômen e compartilhando órgãos.

Continua depois da publicidade

Para recebê-las em casa, em Marau, distante cerca de 30 quilômetros, os pais Adriana Ribeiro, 31 anos, e Juliano do Amaral e Silva, 23, prepararam uma recepção semelhante a uma festa de aniversário. Uma decoração com bonecas e balões enfeitavam a garagem, onde os familiares aguardavam a chegada das meninas.

As irmãs Kemely, nove anos, e Thauany, dois, deram pulos de alegria quando a mãe contou que as “manas do hospital” finalmente iriam para casa. A mais velha, que estava ansiosa com o primeiro dia de aula, desistiu de ir ao colégio para esperar as meninas. Depois do nascimento das gêmeas, elas costumavam visitar o quarto preparado para as irmãs, sempre perguntando à mãe quando poderiam brincar juntas no local.

– Amanhã elas estarão aqui – respondia Adriana, escondendo a própria ansiedade.

Era meio-dia quando a mãe recebeu a notícia mais aguardada, por telefone. Do outro lado da linha, a voz de uma tia dizia que as gêmeas seriam liberadas no final da tarde. Tomada por uma imensa alegria, Adriana começou a equilibrar as batidas aceleradas do coração com a arrumação da casa. Segundo ela, tudo tinha de estar em ordem em poucos minutos, antes da viagem a Passo Fundo.

Continua depois da publicidade

Comovida, Adriana conta que a alta das filhas a fez apagar da memória todas as dificuldades vividas desde a descoberta que elas eram siamesas, no quinto mês de gravidez. O diagnóstico revolucionou a vida do casal, que abandonou os empregos e passou a viajar quase que diariamente para Passo Fundo, em busca de tratamento especializado.

– Tivemos problemas financeiros e medo de que elas não se salvassem após a separação, mas levar essas vitoriosas para casa nos fez esquecer de tudo – conta a mãe, ao relatar viver o dia mais feliz de sua vida.

Meninas devem passar por mais duas cirurgias

No Hospital São Vicente de Paulo, enfermeiras e médicos despediram-se com carinho das meninas, que eram tratadas como filhas. Elas dividiam um quarto na pediatria e eram acompanhadas por enfermeiras 24h.

– Quando soube que elas iriam embora eu comecei a chorar. Elas fizeram parte do nosso cotidiano por mais de um ano – relata a técnica de enfermagem Marelize Woivoda.

Continua depois da publicidade

O cirurgião pediátrico Gustavo Pileggi Castro, responsável pelo procedimento de separação, afirma que as gêmeas não necessitam de alimentação diferenciada ou cuidados especiais em casa. No entanto, o especialista relata que elas devem passar por pelo menos mais duas cirurgias durante a infância, ainda sem data marcada, até ter uma recuperação completa.

Um caso raro na medicina

– Adriana descobriu que estava grávida de gêmeas siamesas no quinto mês de gestação. Segundo o cirurgião pediátrico Gustavo Pileggi Castro, há um caso de gêmeos conjugados a cada 50 mil nascimentos.

– A mãe teve de realizar ecografias de 15 em 15 dias, enquanto uma grávida em condições normais faz o exame uma vez por mês. O resultado dos exames possibilitou o estudo do parto, realizado no dia 31 de janeiro de 2012, no Hospital São Vicente de Paulo, em Passo Fundo.

– As meninas nasceram unidas pelo abdômen, compartilhando órgãos como fígado, intestino e bexiga. O estudo da cirurgia de separação envolveu vinte profissionais.

Continua depois da publicidade

– Nove meses depois, quando estavam com 11kg, os médicos decidiram realizar a operação. Procedimento foi realizado no dia 2 de outubro.

– Dois anestesistas, dois médicos e dois residentes trabalharam na cirurgia, que durou cerca de nove horas. Além da separação dos órgãos, também foi feita a separação do pericárdio, uma bolsa fibrosa que reveste o coração. – Hoje Kerolyn pesa 7kg e Kauany 5,7kg.