Conhecida como reduto de turistas argentinos e uruguaios, a Praia de Canasvieiras, em Florianópolis (SC), surpreende pela quantidade de gaúchos. Seja no sotaque nas rodas de conversas ou na presença do chimarrão, eles se fazem notar no refúgio que escolheram para veranear e fixar residência. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) põem os gaúchos na liderança entre os migrantes para as praias da capital catarinense. Dos residentes que anteriormente viviam em outros Estados brasileiros, os gaúchos representam, segundo o Censo de 2010, 41% do total, mais do que o dobro de paranaenses e paulistas.
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O que têm em comum? O respeito e a admiração pela beleza natural das praias. Confira exemplos de quem não resistiu aos encantos de Canasvieiras.
Um mudança empreendedora
Em um galpão sem porta e janelas, o casal porto-alegrense Edmundo Rodrigues da Silva Neto, 62 anos, e Sônia Bidarte, 55 anos, participava de uma celebração, com amigos e farto churrasco, em um Acampamento Farroupilha montado depois do 20 de Setembro, com direito a frio e barro. Bem como o gaúcho está acostumado.
Enraizados há 10 anos em terras vizinhas, eles se mudaram para fazer a diferença. Estimularam o crescimento do ramo imobiliário, com um negócio próprio de aluguel e vendas, onde trabalham de segunda a sábado. Aposentados das atividades de securitário e bancária, dedicam-se também a buscar melhorias para a praia por meio da Associação Pró-Canasvieiras (Aprocan). Querem mais agências bancárias, praças, eventos e também faixa de areia maior.
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Antigos veranistas, eles têm hoje uma vida consolidada em Canasvieiras. A concretização de um sonho é representada pela chegada do Gabriel, o primeiro neto, já “manezinho”.
– Esse vai ser avaiano e colorado – prevê o orgulho do avô.
Gabriel, o neto catarinense, é a paixão de Edmundo e Sônia
Foto: Emílio Pedroso, Agência RBS A decisão de residir para o resto da vida na praia de SC é tão definitiva que até compraram um túmulo, com dois lugares. Elogios e motivos para permanecer no local não faltam. – Amo Canasvieiras. Apesar de ser gaúcha e amar a minha terra, já me sinto catarina – conta Sônia. – Tu não escolhes onde nasce, mas viver tu podes escolher – conclui Edmundo. Mais que uma simples aventura Formado em Educação Física, Ian Martelli, 29 anos, apostou em um sonho e largou tudo em Porto Alegre. Um típico comportamento de jovens aventureiros. Afinal, quem não gostaria de passar a juventude em uma praia? Mas, diferentemente de muitos que acabam desistindo da iniciativa, ele conseguiu ficar e se sustentar. Continua depois da publicidade – O pessoal chega achando que praia é só festa e se dá mal. Às vezes até esqueço que estou a poucas quadras do mar, trabalho manhã, tarde e noite – afirma.
Ian largou tudo em Porto Alegre e hoje trabalha em Canasvieiras
Foto: Emílio Pedroso, Agência RBS Ao deixar um emprego seguro no Inter em 2007, Martelli buscou em Canasvieiras a tão decantada qualidade de vida. Filho de paulistas, ele jogou dos nove aos 17 anos no Grêmio e nem assim virou tricolor. Corintiano, aponta grandes diferenças entre Porto Alegre e o novo lar. Para ele, na capital gaúcha sobra congestionamento e ar poluído. Quando retorna de uma visita à terra natal, a primeira coisa que faz é pisar nas areias catarinenses. Mas diz que ainda não criou “parcerias” sólidas, mesmo cinco anos depois: – É difícil fazer amizade, chamar para um churrasco. Acaba que o pessoal que é de fora se junta para sair. Continua depois da publicidade Com braços e corações abertos Com inconfundível sotaque gaúcho, o professor aposentado James Pizarro, 69 anos, virou mais do que um morador de Canasvieiras. É uma referência sobre a história local: sabe o tamanho exato da ilha, o número de praias e o significado dos nomes. Santa-mariense formado em Agronomia e com quase quatro décadas de aula na Universidade Federal de Santa Maria, ele mudou-se com a mulher, Vera Maria Souza Pizarro, 67 anos, em 2008. – Vim me despir da soberba do gaúcho, de achar que é melhor em tudo, vim aprender a cultura daqui. Mas e o sotaque? Não vai mudar? – De jeito nenhum – rebate Pizarro, com firmeza. – Só comecei a falar “querido” para tudo, como eles – admite em seguida. Foi a paixão pelas belezas das praias e o conhecimento da região adquirido em cerca de 20 veraneios em Santa Catarina que tirou o casal do coração do Rio Grande do Sul. Depois de enfrentarem três perdas de entes queridos em 10 meses, resolveram morar em outra cidade. Maceió, a capital alagoana, foi cogitada como destino, mas o apelo da mãe de Pizarro, apontando as dificuldades da longa distância, o demoveu da ideia. Como sempre quis morar em Florianópolis, que segundo ele “é o desejo de todo gaúcho”, não pensou duas vezes. Hoje moram em um hotel, onde alugam um apartamento de dois quartos, a pouco metros do mar, por R$ 1 mil mensais. Continua depois da publicidade – Vim com nove malas e um pacote com meu computador, mais nada, sem nenhum móvel. Faz quase cinco anos que só ando de bermuda – esnoba.
Aposentado, Pizarro se encantou pelas belezas e histórias das praias catarinenses
Foto: Emílio Pedroso, Agência RBS É ao lado de Vera – e por pressão dela, professora de Educação Física aposentada – que ele vai de segunda a sexta na academia. O casal já formou uma rede de amigos e de prestadores de serviços. Com três filhos e cinco netos, Pizarro e a mulher não pretendem mais sair de Canasvieiras. Visitam a terra natal o mínimo necessário, quando reveem a mãe do professor aposentado nas festas de final de ano. Passeio com belas paisagens Uma das mãos está entrelaçada, a outra segura a cuia ou a térmica. É dessa forma que, calmamente, caminham pela praia o jovem casal Juliana Fraga, 20 anos, e Leonardo Klimach, 19 anos, de Porto Alegre. Continua depois da publicidade No segundo feriadão que aproveitam juntos em Canasvieiras, eles só querem paz e muito amor. Instalados na tradicional casa de veraneio de um tio de Leonardo, na qual ele bate ponto há sete anos na temporada e em feriados, os estudantes viajaram preparados: levaram na bagagem muito protetor solar e um rancho para preparem almoços e jantares com um pitada de romantismo. No entanto, o cálculo falhou, e a erva do inseparável chimarrão acabou menos de três dias depois de chegarem.
Chimarrão acompanha Juliana e Leonardo nas caminhadas
Foto: Emílio Pedroso, Agência RBS Adeptos de caminhadas diárias na orla, o casal evitar ficar deitado na areia, “fritando” no sol. O passeio emoldurado pela bela paisagem desperta o desejo de, quem sabe um dia, sair de Porto Alegre. – Já pensamos em morar aqui, é muito bonito – projeta Leonardo, aluno do Colégio Tiradentes da Brigada Militar. Por enquanto, Juliana segue cursando Direito na PUCRS, não descartando a possibilidade de, no futuro, pedir uma transferência para a bela Florianópolis. Continua depois da publicidade