Nomeação de um juiz instrutor. É apenas isso que falta para que o imbróglio judicial em torno do Morro dos Cavalos avance no Supremo Tribunal Federal, onde o recurso da Procuradoria Geral do Estado (PGE) que contesta a demarcação da terra indígena, em Palhoça, está parado há um ano e nove meses. Até que essa etapa do rito processual seja vencida, o impasse seguirá sem previsão de ser apreciado pelo ministro Teori Zavascki, relator do processo.

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Leia a reportagem especial Terra Contestada

Em maio deste ano, as partes envolvidas – Fundação Nacional do Índio (Funai) e governo do Estado de SC – chegaram a apresentar ao Supremo as provas que desejam produzir para sustentar suas teses. Mas a produção do material solicitado só terá validade quando a mais alta corte do país designar o juiz instrutor, alocado em uma instância da Justiça Federal próxima à região, para conduzir o processo. Além disso não ter sido feito, também não há prazo para que ocorra.

Na semana passada, a terra indígena voltou a receber atenção do Judiciário quando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre, anulou sentença de primeira instância da Justiça Federal em Santa Catarina que tinha considerado lícita a demarcação. Três desembargadores da 3ª Turma do TRF4 decidiram por unanimidade reconhecer a incompetência absoluta da Justiça Federal para processar e julgar a causa, anulando a sentença e determinando a remessa dos autos ao STF.

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O despacho foi dado em razão de estar em análise no Supremo uma ação proposta pela PGE de Santa Catarina. Nela, o governo estadual pede a anulação da portaria do Ministério da Justiça que declarou uma área de 1.988 hectares como de posse dos índios Guarani Mbyá e Guarani Nhandevá.

Jurisprudência é a aposta do governo estadual

O governo estadual, que ingressou em janeiro de 2014 com a ação no STF, aposta no argumento de que os indígenas hoje situados no Morro dos Cavalos não estavam lá em 1988: trata-se de uma jurisprudência do próprio Supremo, que entende como área tradicionalmente ocupada somente aquela habitada por índios antes do ano da promulgação da Constituição. A PGE, segundo o procurador Alisson de Bom de Souza, que está à frente do caso, solicitou também a produção de provas testemunhais.

À morosidade judiciária ainda se soma o silêncio do Ministério da Justiça, que não se manifesta sobre possíveis medidas a serem tomadas para evitar conflitos entre a Funai, governos locais e proprietários de terras. A Funai foi procurada para comentar o teor da sua defesa, mas não respondeu aos questionamentos até o fechamento desta edição.

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Logo após as denúncias publicadas pelo Diário Catarinense na série de reportagens Terra Contestada, em agosto de 2014, o ministro José Eduardo Cardozo afirmou que a pasta estava discutindo uma portaria com objetivo de aperfeiçoar o processo de demarcação. Um ano depois, a assessoria de comunicação do ministério não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre a situação da prometida portaria.

Veiculada pelo DC entre 7 e 11 de agosto do ano passado, as reportagens revelaram como organizações que deveriam atuar em defesa dos povos indígenas se articulam para obter benefícios a partir de migrações manipuladas por antropólogos de uma ONG. A prática rendeu à Funai R$ 11 milhões em indenizações por impactos gerador por obras de infraestrutura, principalmente a duplicação do trecho sul da BR-101. Pouco mais de R$ 1 milhão teve destino identificado pelo DC. A fundação nunca explicou o que foi feito com o volume de recursos restante.

Correntes de argumentos

Existem jurisprudências quanto aos conflitos de interesse em torno de demarcações indígenas que podem influenciar o julgamento do caso Morro dos Cavalos. Exemplos históricos como o da Raposa Terra do Sol, em Roraima, no qual o STF decidiu em favor dos índios, são constantemente rememorado por entidades indigenistas para legitimar a demarcação de territórios.

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Por outro lado, a recente determinação da Justiça Federal de anular a reserva de Araça’i, entre os municípios de Saudades e Cunha Porã, no Oeste de SC, também serve de argumento para os que são contrários à forma como são feitos os processos demarcatórios. Neste último caso, o Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF4) entendeu que a área não era ocupada por indígenas desde 1963 (áreas tradicionais deveriam estar ocupadas em 1988.

O juiz federal Adamastor Nicolau Turnes, que atuou como juiz instrutor para produção de provas no caso da terra indígena Ibirama La Klanõ – outra batalha judicial em Santa Catarina entre PGE e Funai, esta localizada próxima ao município de José Boieteux, ainda em andamento no STF _ entende que em cada conflito as situações variam.

– O paradigma atual é o que coloca o ano de 1988 como marco divisório entre terras consideradas tradicionais ou não. É um posicionamento, mas não quer dizer que todas decisões serão tomadas nesta mesma linha. Não se sabe qual corrente que vai prevalecer, qual será a interpretação do ministro (do STF). Por outro lado há correntes que dizem que as ocupações indígenas datam de um período anterior ao colonial. São visões diferentes – diz Turnes.

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