O destino dado a galos combatentes resgatados após rinhas depende da situação de saúde de cada animal e é até mesmo motivo de disputas jurídicas, que tentam impedir o sacrifício das aves. Há quatro anos, no entanto, 10 galos receberam um caminho diferente após uma campanha de adoção feita em Joinville.

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Após uma apreensão de galos que seriam usados em rinhas, em 2017, 13 animais resgatados foram encaminhados a um abrigo de uma entidade de proteção. Como o local não tinha espaço adequado para todas as aves, a instituição decidiu fazer uma campanha para moradores interessados em adotar os galos.

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Os 10 animais ganharam nomes de estrelas do rock, como Freddie Mercury, Raul Seixas e Bon Jovi. A campanha foi inspirada em uma ação de pacificação de galos de rinha feita por uma ONG de São Paulo e buscava dar um destino de recuperação aos bichos.

A campanha pela adoção das aves chegou a causar polêmica na Câmara de Vereadores de Joinville, onde parlamentares se dividiram entre o apoio à causa e a defesa de que os animais deveriam virar “ensopado” para alimentar moradores de rua.

Valdineia Aparecida Gomes Aldrecht, a Neia, soube da campanha de adoção pela televisão e entrou em contato com a entidade para conhecer os animais. Decidiu adotar dois deles: Ozzy e Axl.

O primeiro chegou bastante debilitado e morreu dois dias depois da adoção. Axl conviveu com ela por mais tempo. Nesse período, Neia pesquisou sobre atividades que poderiam ajudar na recuperação de galos de rinha, com apoio de uma ONG. Axl passou por terapias como reiki, banho de floral e tratamentos feitos pela própria moradora para torná-lo mais sociável.

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O animal, que quando foi adotado era agressivo e não conseguia dividir o mesmo espaço com outros bichos, seguiu resistindo a outros galos, mas aos poucos passou a conviver em harmonia com as galinhas.

– Eles chegam com bastante trauma, foi difícil. Mas eu ia tentando todo dia um pouquinho. Conversava com ele, dizia que ele não precisava mais daquilo, e o bichinho ia entendendo. Aí começou a conviver, não brigava mais. Começou até a comandar o terreiro – conta.

Axl, galo combatente apreendido em 2017 e adotado por moradora de Joinville, morreu em 2019
Axl, galo combatente apreendido em 2017 e adotado por moradora de Joinville, morreu em 2019 (Foto: Arquivo pessoal)

Axl morreu em outubro de 2019, pouco mais de dois anos após a adoção. Hoje, 10 bisnetos do ex-galo de briga são criados na propriedade de Neia, que ainda tem cachorros, gatos, patos, perus. Para a moradora, a experiência com Axl mostra que animais submetidos a maus-tratos, como ocorre nas rinhas, têm recuperação e podem ser tratados de outra forma.

– Sou totalmente contra as rinhas, o animal tem muito amor. Todo mundo fala que é demais eu ter amor nas galinhas, mas se tu souberes o quanto elas têm de amor para dar… E esses galos de rinha têm recuperação. Com paciência e amor, não precisa acabar no prato como os vereadores queriam. Eles têm recuperação – conta.

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Campanha foi organizada por entidade de proteção

A campanha de adoção dos galos apreendidos em Joinville foi conduzida pela Frente de Ação pelos Direitos dos Animais (Frada). A presidente da ONG, Liliane Lovato, lembra que os galos estavam muito debilitados e que no antigo local de criação foram encontradas seringas, biqueiras e objetos colocados sobre as esporas.

– Eles treinam para isso. Deixam os galos em lugares precários, gaiolas pequenas. Passam a vida ali, recebem hormônios e são incitados a brigar com o outro – conta.

A protetora também critica a prática de rinhas e diz que experiências como a adoção de galos na campanha promovida pela entidade mostram que os animais podem ser criados de forma diferente.

– Eles (organizadores de rinhas) veem os animais como objetos, não querem saber se o animal sente dor. É um brinquedo para eles. E hoje está mais que comprovado que eles são seres sencientes (capazes de ter e demonstrar sensações e sentimentos). Eles sabem que é errado, que é crime, mas fazem – critica.

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Bisnetos de Axl convivem com outras aves na propriedade de Valdineia
Bisnetos de Axl convivem com outras aves na propriedade de Valdineia (Foto: Patrick Rodrigues, NSC)

Decisão de 2020 proíbe sacrifício de galos de rinha

A adoção dos galos combatentes criados para prática de rinhas em Joinville foi um destino incomum no caso de aves resgatadas. Em geral, quando a polícia flagra alguma ocorrência de briga com os animais, aciona o órgão ambiental para avaliar a situação das aves – no caso de Santa Catarina, a Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola (Cidasc).

A médica-veterinária Carolina Damo, coordenadora do programa estadual de Sanidade Avícola da Cidasc, afirma que até alguns anos, era comum que os animais fossem sacrificados por não haver comprovação sobre a origem deles. No entanto, ela diz que a situação mudou porque uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) agora proíbe o abate dessas aves resgatadas de situação de maus-tratos.

Uma nota técnica da Cidasc define os procedimentos do órgão no caso de rinhas de galo e outros animais. Segundo o documento, de setembro de 2020, o médico-veterinário deverá avaliar a existência ou não de riscos sanitários, e caso eles não sejam identificados, o sacrifício está proibido por causa da decisão do STF.

A médica-veterinária da Cidasc explica que se não houver ameaça de risco sanitário, com suspeita de doenças como Influenza aviária ou doença de Newcastle, o proprietário é autuado, multado e orientado a regularizar o cadastro das aves. A partir daí, passa a ficar no radar do órgão como “propriedade de risco”, por ter registro de prática de rinha. O abate só passa a ser considerado nos casos em que é identificado risco de doenças.

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No entanto, mesmo com as recomendações recentes, o destino de galos submetidos a maus-tratos em rinhas ainda é motivo de embates jurídicos. Em julho de 2020, após o flagrante de uma rinha em Massaranduba, no Norte de SC, um ato administrativo da Polícia Ambiental de SC determinou que os 86 galos recolhidos fossem sacrificados, sob o argumento de possível ameaça sanitária.

O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu o ato que autorizava o sacrifício das aves, após uma ação popular movida por um advogado. Segundo decisão do ministro Alexandre de Moraes, o abate contraria uma decisão anterior do STF que já havia suspendido todas as decisões que permitissem o sacrifício de animais submetidos a maus-tratos.

O comando da PM Ambiental de SC respondeu à reportagem que os animais foram para o abate por questão sanitária, e não por maus-tratos, como diz a decisão do STF. Afirmou também que quem promoveu o abatimento das aves foi a Cidasc. A assessoria da Cidasc não respondeu ao questionamento da reportagem sobre o caso até a publicação.

Abate após rinhas revolta até criadores

A advogada Maria Helena Machado, presidente da Comissão de Direitos Animais da OAB de Santa Catarina, afirma que proibir o abate de animais retirados de casos de maus-tratos é uma batalha dos defensores da causa animal, mas que por enquanto a lei não proíbe que os animais tenham esse fim.

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O abate de animais retirados de casos de rinhas é condenado até mesmo por quem defende a criação de galos combatentes.

– Infelizmente, órgãos ambientais hoje chegam a criatórios, invadem e matam as aves. Agem à margem da lei porque temos um manual de manejo. Mas eles não têm o entendimento, e depois que a gente vai atrás, já mataram os galos e não há mais o que fazer. É uma perseguição em cima de quem cria o galo combatente – critica o presidente da Associação Nacional de Criadores da Raça Índio Brasileiro (Ancrib), Marcos Mendonça.

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