A Anistia Internacional lançou a petição “Da Fazenda à Floresta: gado bovino criado ilegalmente na Amazônia brasileira”. A iniciativa é resultado de um diagnóstico sobre animais criados irregularmente em territórios indígenas e de proteção ambiental em Rondônia, Norte do país, os quais foram comprados pela empresa JBS.
Continua depois da publicidade
A entidade, presente em 150 países e muitos desses consumidores da carne brasileira, entrevistou indígenas e moradores tradicionais de três áreas protegidas de Rondônia, a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau e as Reservas Extrativistas do Rio Jacy-Paraná e do Rio Ouro Preto. Os nomes das fazendas não foram divulgados. O levantamento foi feito entre julho do ano passado e janeiro deste ano. Também foram examinados documentos oficiais de controle de saúde animal e imagens de satélite dos locais.
Para Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, é fundamental que a JBS assuma compromisso público e transparente garantindo que nenhum gado ilegal entre em sua cadeia de fornecimento, inclusive de forma indireta.
Gigante no setor e presente em 190 países, a JBS conversou com o Diário Catarinense. A empresa reconhece a dificuldade quando se trata de certificar a origem do gado que pode ser incluído em meio a um rebanho adquirido de terceiros, mas diz não comprar gado de nenhuma fazenda envolvida com irregularidades em áreas protegidas.
Mata derrubada vira pasto
O relatório aponta que uma área de cerca de 200 hectares que pertencia aos povos indígenas foi desmatada para criação de pasto. A Anistia ressalta não ter encontrado qualquer evidência que indicasse envolvimento direto da JBS em violações de direitos humanos nos três locais investigados. Contudo, em todas as três áreas, recentes apropriações ilegais de terras levaram a uma perda de terras tradicionais, que são protegidas pela legislação brasileira.
Continua depois da publicidade
Transferir gado bovino através de fazendas intermediárias para dar aparência de legalidade ao gado bovino, apesar de ter sido criado em fazendas localizadas em áreas protegidas onde a pecuária bovina comercial é ilegal, é uma prática antiga e conhecida como lavagem de gado.
Empresa diz bloquear fazenda não compatível com fornecimento sustentável
A JBS diz ter um sistema de geomonitoramento dos mais sofisticados do mundo, o qual serve para obter dados acerca do desmatamento. Com isso, qualquer fazenda não compatível com as políticas de fornecimento sustentável é bloqueada na cadeia de suprimentos. A exclusão automática da propriedade ocorre quando ela é envolvida no desmatamento de florestas nativas, invasão de áreas protegidas, como terras indígenas ou áreas de preservação ambiental ou embargos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Anualmente, segundo a JBS, são feitas auditorias independentes e que nos últimos seis anos revelaram 99,9% de conformidade com esses padrões. Conforme a empresa, em 2019, 100% das compras diretas atenderam aos critérios ambientais. A JBS diz ser transparente e afirma que os resultados estão disponíveis em seu site na internet.
Sistema integrado de frangos e suínos evita o problema
Em Santa Catarina, a JBS mantém mais de 30 operações da Seara em 18 municípios do estado, entre unidades produtivas de aves, suínos, industrializados, fábricas de ração, centros de incubação, terminais logísticos e centros de distribuição. Além disso, em Santa Catarina, a Companhia conta com mais de 20 mil colaboradores e uma rede de mais de 2 mil produtores integrados.
Continua depois da publicidade
Questionada sobre a possibilidade de que, embora não trabalhe com gado no Estado, haja alguma preocupação com relação à produção de suínos e de frangos, a JBS explicou que a relação é diferente. A empresa trabalha no sistema integrado, o que evita a aquisição de frangos ou suínos de terceiros.
Constatamos graves violações de direitos humanos, o que se associa a uma tragédia ambiental que o mundo está assistindo Jurema Wernek, diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil
Confira a entrevista com Jurema Wernek, diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil:
O que motivou a Anistia Internacional a trabalhar neste diagnóstico sobre a pecuária em terras da Amazônia?
O relatório é o terceiro trabalho de um diagnóstico que a Anistia Internacional desenvolve naquela região desde o começo de 2019. Nós fomos para a floresta, acompanhamos as diferentes áreas, visitamos territórios indígenas e de reservas natural. Constatamos graves violações de direitos humanos, o que se associa a uma tragédia ambiental que o mundo está assistindo. O que a Anistia Internacional faz é falar com os atores envolvidos, como governo federal e suas agências, administrações estaduais e empresas. Nós estamos falando sobre a associação entre destruição da floresta e a criação e gado, um importante setor da economia.
Continua depois da publicidade
Normalmente a Anistia Internacional no Brasil atua com questões mais voltadas aos direitos humanos, como violência contra as pessoas negras, tráfico de pessoas. É uma mudança de paradigma?
Não. É preciso deixar claro: na maior parte das vezes que a floresta é derrubada o motivo é a criação de gado. E isso acontece em áreas proibidas, como as terras dos índios e das reservas florestais. Estamos tentando demonstrar que todos os atores envolvidos — governo federal, governos estaduais e empresas associadas ao consumo do gado criado de forma ilegal — possuem papel importante nesta cadeia. É preciso que todos tomem atitudes, inclusive, os governos estaduais. Não se trata de uma mudança de paradigma, pois a Anistia Internacional trabalha a partir da violação dos direitos humanos.
O que a Anistia Internacional pretende provocar com a petição?
Aliado ao relatório, a Anistia Internacional decidiu fazer um chamado para o mundo: queremos que as pessoas de todos os países enviem mensagens para que a empresa JBS aprimore seus mecanismos de rastreamento do rebanho. Esperamos que a empresa compense as comunidades indígenas e os territórios tradicionais afetadas. É preciso que faça alguma coisa, e que se faça agora.