O Canal do Linguado está de volta à pauta na região Norte catarinense. Praticamente desde a implantação do aterro, concluída há quase 90 anos, a reabertura tem motivado debates de forma recorrente. Neste ano, inclusive, o tema voltou a ser foco após a liberação de um recurso de cerca de R$ 530 mil para que seja feito um estudo de modelagem hidrodinâmica que avaliará possíveis cenários para o trecho, que sugerem desde reabri-lo completamente ou parcialmente a mantê-lo fechado. O tema é complexo e afeta diretamente as obras de duplicação da BR-280, no trecho entre Joinville e São Francisco do Sul.

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O contrato, chamado oficialmente de instrumento de compromisso, foi assinado em fevereiro e a Fundação Universidade do Vale do Itajaí (Univali) foi a escolhida para tocar as pesquisas. Além da universidade, o documento também contou com assinaturas do Ministério Público Federal – que disponibilizou o recurso – e do comitê executivo do Grupo Pró-Babitonga (GPB), formado por órgãos públicos, associações empresariais e organizações não governamentais que tem por objetivo contribuir para melhoria da gestão ambiental do ecossistema Babitonga.

Os recursos para o projeto foram depositados em março e, a partir disso, há um prazo de 18 meses para que se tenha um relatório com o resultado do estudo, que analisará os seguintes cenários:

– Abertura parcial com largura de 75 metros e com 4 metros de profundidade com ponte no canal sul

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– Abertura parcial com largura de 100 metros e com 4 metros de profundidade com ponte no canal sul

– Abertura com largura de 200 metros e com 4 metros de profundidade com ponte no canal sul

– Abertura parcial de 120 metros de largura com 12 tubos de 5 metros de diâmetro e espaçamento de 5 metros entre eles

– Canal permanece fechado

Cláudio Tureck, mestre em saúde e meio ambiente, pós-doutor em reconstrução ambiental e membro do GPB, diz que as modelagens visam, justamente, conduzir a tomada de decisão sobre a questão de reabertura ou não do canal. Ele explica que os trabalhos serão divididos em três etapas: aquisição de dados, rodadas de modelagem e, por fim, obras de engenharia. 

A partir da modelagem, segundo Tureck, pretende-se também obter informações sobre largura e profundidade ideal para o equilíbrio e manutenção do canal, no caso de reabertura. Já na terceira etapa, será considerada a sugestão de obras para a transposição rodoviária e ferroviária do canal, obras de mitigação para os locais onde ocorrerão processos erosivos, de sedimentação e alargamento indicados na modelagem hidrodinâmica, além da reconstrução do acesso sul do Canal do Linguado.

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Essa modelagem também deve mostrar como a geografia da Babitonga evoluirá se nada for feito. A tendência é que, se mantido o aterro, segundo o Grupo Pró-Babitonga, o problema de assoreamento fique cada vez mais grave, acarretando em redução das áreas navegáveis e maior necessidade de dragagens, gerando assim maior dano ao ecossistema. 

— Alguns cenários foram propostos partindo de estudos pretéritos, como a abertura de 75m e dragagem de 4m de profundidade. Também houve sugestões de novos cenários, como aberturas de 100m e 200m, utilização de tubulações e mantê-lo fechado. Outros cenários podem ser propostos pela equipe — destaca.

Todos os dados gerados com esta pesquisa devem subsidiar o planejamento da Câmara Técnica do Canal do Linguado, que foi criado em 2017 e propõe debater questões importantes acerca do tema, como possíveis soluções para que a duplicação da BR-280 não dificulte a reabertura do canal no futuro – caso este seja o caminho definido -, além dar sequência em estudos feitos até o momento. 

Estudos anteriores apontaram impactos com o aterro 

O fechamento total do Canal do Linguado, que tem uma estrutura natural com cerca de 23 km de extensão, aconteceu na década de 1930 e, desde então, divide opiniões dos moradores do entorno da Babitonga. A geografia da baía foi afetada com o aterro por conta do grande acúmulo de lodo e areia (sedimentos) que podem, inclusive, ser vistos a olho nu quando a maré está baixa. 

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Estudos feitos nos anos 1980 também evidenciaram impactos negativos na qualidade da água, dos sedimentos e também na composição da fauna e da flora do local. Além disso, foi observado assoreamento na região da Barra do Sul, com a formação de um grande banco de areia sobre o qual o município cresceu.  

Após o início do processo de licenciamento ambiental para duplicação da BR-280, na década de 1990, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública solicitando a elaboração de mais um estudo que identificasse o impacto ambiental do aterro e que sugerisse medidas necessárias para remediar este impacto. 

— E o estudo concluiu que o aterro intensificou o assoreamento da baía, a diminuição do habitat de várias espécies, o aumento da competição por espaço e alimento, redução da produtividade pesqueira, alteração da dinâmica dos manguezais, comprometimento da qualidade da água, entre outras consequências negativas. Uma conclusão importante foi que o fechamento é um potencializador dos danos ambientais das demais ações humanas na baía Babitonga — destaca Tiago Gutierrez, procurador do MPF de Joinville. 

A pesquisa evidenciou, naquele momento, que a melhor alternativa seria a remoção parcial do aterro no pedaço entre o continente e a ilha do linguado. Os resultados indicaram, no entanto, a necessidade de análises complementares sobre a presença de contaminantes e que identificasse os efeitos da retomada das correntes sobre as áreas vizinhas ao canal, especialmente em Barra do Sul.

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— Apesar da necessidade de complementação dos estudos, o processo se encerrou em 2012. Quanto à maior parte dos pedidos judiciais, incluindo a implementação das medidas sugeridas pelo estudo, o processo foi extinto sem julgamento do mérito, o que significa que a questão não foi definitivamente decidida. Assim, a Câmara Técnica Canal do Linguado tem buscado, de diferentes formas, dar sequência ao trabalho realizado até aqui — pontua. 

Em um dos trabalhos, inclusive, com base nos resultados obtidos no estudo de reconstrução ambiental, foi possível fazer uma relação direta entre o aumento da concentração dos metais avaliados e o período de início da industrialização de Joinville. Entretanto, ficou evidente na pesquisa que estas concentrações deixaram de aumentar a partir da década de 1990, quando a fiscalização e o controle ambiental sobre as atividades produtivas passaram a ser mais eficazes.  

“De maneira geral, a qualidade da coluna de sedimentos pode ser considerada satisfatória, eliminando um mito muito presente no senso comum de que os sedimentos (lodo e areia) depositados no canal do linguado são altamente contaminados”, cita a conclusão da análise da Câmara Técnica Canal.

Caso não se chegue a um acordo após a divulgação dos estudos, de acordo com o procurador Tiago Gutierrez, o processo pode ser reaberto na Justiça.

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Duplicação da BR-280 e importância do canal 

O Canal do Linguado, que separa a ilha de São Francisco do Sul do continente e liga a baía Babitonga ao oceano, é pauta recorrente há décadas justamente por sua importância ambiental e econômica, já que abriga diversas espécies em extinção e faz parte do único trecho existente que dá acesso rodoviário e ferroviário ao porto da cidade. Vez ou outra, o assunto ressurge, principalmente quando há algum avanço relacionado ao projeto de duplicação da BR-280.

Na década de 1990, foi dado o início ao projeto de duplicação da BR-280. Nos dias atuais, todos os trechos da obra já foram licitados pelo DNIT, exceto na travessia do Linguado. Até então, para o trecho, havia um projeto básico de uma ponte de quase dois quilômetros, passando a 20 metros de altura sobre os dois braços do canal e sobre toda a ilha. Inicialmente, a autarquia também havia solicitado a ampliação do aterro para passar a rodovia.

Por nota, no entanto, o DNIT informou que o projeto da obra de duplicação do lote 1 da BR-280, que engloba o trecho do canal do Linguado, está passando por revisão e o órgão analisa a melhor alternativa para o local a partir de estudos do solo e da água que serão feitos pela Univali. 

Além de importante refúgio para a criação e crescimento de diversos recursos para a pesca comercial da região Sul do país, a Babitonga concentra ¾ de manguezais do Estado e é um espaço de pesca, maricultura, turismo, mineração, portos e navegação, atividades essas que são prejudicadas pelo assoreamento intensificado pelo aterro do Linguado. 

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Além deste de modelagem hidrodinâmica, que já está em andamento, outro importante passo é a discussão com a comunidade para se definir, inclusive, quais são os objetivos de eventual reabertura, que pode se limitar ao contato entre as águas – hoje separadas pelo aterro -, ou pode buscar outros ganhos, como a retomada da navegação, facilitando o transporte e as demais atividades socioeconômicas desenvolvidas na Babitonga. 

Além dos moradores, a Câmara de Vereadores de Joinville e o atual governo de São Francisco do Sul também defendem a abertura do canal. Segundo o prefeito Godofredo Gomes Moreira Filho, pelo menos um dos aterros deveria ser aberto. Para ele, ficar à mercê desta solução, no entanto, vai atrasar ainda mais a duplicação da 280.

— Somos favoráveis a um aterro lateral num primeiro momento, até para evitar um colapso previsível num curto espaço de tempo, proveniente de grandes investimentos que estão ocorrendo no município e que aumentará em muito o tráfego de caminhões em direção ao porto, assim como o aumento de veículos leves em direção aos nossos balneários — opina Godofredo.

Linha do tempo sobre o Canal do Linguado:

— 1889 – Feita concessão para construção de uma estrada de ferro integrando Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

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— 1901 – Concedida licença de construção do Ramal Ferroviário São Francisco.

— 1905 – Início do serviço de terraplanagem entre Joinville e São Francisco do Sul e chegada dos trilhos à região, que hoje compreende o Canal do Linguado.

— 1906 – Inauguração simbólica da linha férrea.

— 1907 – Aterrado o lado “Norte” para viabilizar o ramal ferroviário de ligação do porto ao continente. Depois foi fechado parcialmente o lado “Sul”, com 400 metros de extensão, entre o continente e a Ilha do Linguado.

— 1910 – Inauguração de uma ponte de 120 metros com três vãos de 40 metros cada, com centro giratório capaz de permitir a passagem de embarcações maiores pelo canal (foto abaixo).

— 1931 – Ponte começa a afundar devido à corrosão. Ali surgia a ideia de fazer um aterro de pedras para manter essa importante ligação do porto com cidades como Joinville e Blumenau.

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— 1933 – O então presidente do Brasil, Getúlio Vargas, aprova o projeto e a construção do aterro que viria a fechar por completo o Canal do Linguado. Foi providenciada também a construção da atual BR-280. Na foto abaixo, grupo de operários que trabalhou na obra.

— 1935 – A obra de aterramento é concluída e inaugurada em 21 de outubro daquele ano.

— 1936 – Jornais da época já apontavam possíveis danos ambientais decorrentes do fechamento do canal.

— Décadas de 1960 e 1980 – Primeiros estudos sobre os impactos do aterro na região, liderados pelo Instituto Nacional de Pesquisa Hidroviária.

— 1999 – Devido ao início do processo de licenciamento ambiental para duplicação da BR-280, o Procurador Federal da República, em Joinville, solicitou as primeiras informações oficiais sobre as condições do canal.

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— 2001 – Ministério Público Federal (MPF) abre Ação Civil Pública cobrando estudos e possíveis soluções relacionadas ao fechamento do Linguado. Eram relacionados no processo o DNIT e empresa ALL (América Latina Logística), administradores da estrada e da linha férrea.

— 2003 – Estudo aponta danos causados pelo fechamento do Canal do Linguado e apresenta alternativas que podem ser aplicadas na região. Material elaborado pelo Instituto Militar de Engenharia do Rio de Janeiro, que contratou pesquisadores de universidades da região.

— 2017 – Justiça decide que o canal ficará fechado e o processo é encerrado sem possibilidade de mais recursos, no entanto, sem julgamento de mérito, o que permite o uso do objeto para ações futuras como a elaboração de estudos complementares sobre o tema. A tramitação na justiça levou 16 anos e chegou a passar pelo Superior Tribunal Federal (STF).

— 2018 — Câmara Técnica Canal do Linguado é formada pelo Grupo Pró-Babitonga (GPB) junto com cerca de 30 instituições e representantes da sociedade, como MPF e universidades nacionais e até internacionais, com objetivo de fornecer subsídios técnicos para a tomada de decisão com relação à reabertura ou não do canal. Propondo cenários desde deixar como está até impactos de uma possível abertura.

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— 2019 — Busca de recursos e parcerias para viabilizar as pesquisas da primeira fase do projeto de mobilização em prol de uma decisão sobre o destino do canal. Estima-se custo entre R$ 1,5 milhão e R$ 2 milhões.

— 2023 — Liberação de R$ 529.993,52 para a Univali realizar estudos de modelagem hidrodinâmica que visa definir o melhor cenário para o futuro do Canal do Linguado.

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