*Por Rory Smith

Ouvi uma coisa, há alguns meses, que ficou na minha cabeça. Era algo que acho que lá no fundo eu já sabia, mas nunca tinha verbalizado. Não era um pensamento novo, mas um pensamento que eu nunca tinha tido.

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Acho que você se lembrará da história. No verão passado, após mais de um século de existência, o time de futebol de Bury teve de fechar as portas. Tornou-se, por alguns dias, uma espécie de causa célebre: uma prova da iniquidade do ecossistema do futebol; uma prova da vulnerabilidade de clubes históricos a proprietários mal-intencionados; uma prova de que algo estava errado.

Durante algum tempo, houve uma espécie de circo midiático do lado de fora dos portões do Bury, mas, assim que os tribunais bateram o martelo, os jornalistas começaram a se afastar. Algumas semanas depois, uma fotografia apareceu nas mídias sociais. Era de Michael Curtis, o jardineiro, orgulhosamente cortando o gramado do campo do estádio vazio localizado na Gigg Lane, como fizera por décadas.

Aquilo me pareceu um encapsulamento perfeito do carinho que temos por nossas equipes esportivas e do orgulho que sentimos delas, do que elas significam para nós – cuidaríamos delas, mesmo que nunca mais jogassem novamente. Por isso, em uma manhã, bem cedo, dirigi alguns quilômetros de Manchester para encontrá-lo. Ele abriu a porta e levantou uma sobrancelha. (As pessoas geralmente têm mais dificuldade em dizer não pessoalmente.) Depois de um tempo, me convidou para entrar.

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Alguns colegas dele estavam lá. Conversamos por algumas horas: sobre o que os fazia voltar, sobre o que haviam vivido lá, sobre o que Bury significava para eles e sobre suas esperanças para o futuro. Os fãs estavam ocupados tentando organizar um clube "fênix", um substituto para o Bury, que poderia trazer o futebol de volta para Gigg Lane.

futebol
(Foto: Suzie Howell / The New York Times )

Todos desejavam isso também, mas Martin Kirkby, o homem que gerenciava o bar do estádio, estava com o pé atrás. Na opinião dele, independentemente de quanto tempo levasse para um novo clube ser fundado ou quanto ele conseguisse galgar a pirâmide da liga inglesa de futebol, o estrago já estava feito. Futebol – ir aos jogos de futebol, assistir futebol, falar sobre futebol – é um hábito. E, infelizmente, rapidamente, "os hábitos das pessoas mudam".

Esportes nunca são somente esportes. São indústrias e economias, negócios e marcas. São – pegando emprestada uma frase de um investidor americano do ramo do futebol – conteúdo de mídia decadente: são veículos de entretenimento, distrações e fugas, novelas que nos cativam. São fenômenos culturais e línguas comuns. São um reflexo do mundo em que existem.

Nos próximos meses, enquanto nossos mundos encolhem e se contraem a uma única casa ou a um único quarto, teremos uma nova perspectiva de tudo isso. Perceberemos, em um mundo sem esportes, quanta cor e ruído eles fornecem ao espetáculo da vida. Mesmo quando nos concentrarmos no que é verdadeiramente significativo – a segurança e o bem-estar de nossa família e de nossa comunidade, o suficiente para comer e um lugar para morar –, veremos, na ausência deles, a presença que os esportes têm.

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Mas, no fim das contas, Kirkby estava certo: o esporte é um hábito. Dá à nossa vida um ritmo que mal notamos. Sábado é dia de jogo; as noites de terça e quarta-feira da primavera são noites de Liga dos Campeões; agosto é quando a temporada começa novamente; maio é quando os prêmios são entregues, e então todos temos a chance de descansar, refletir e, por fim, nos perguntarmos quando tudo começará novamente.

A ida ao estádio; a pressa para estar no chão, no bar ou em casa a tempo do pontapé inicial; as pessoas que você vê, com quem assiste e com quem brinca durante a partida; as rotinas, as superstições e a atividade de deslocamento; conferir sorrateiramente os resultados no telefone; assistir ao jogo que passa na televisão; consumir de forma sedenta as notícias sobre as transferências; percorrer alucinadamente a timeline do Twitter.

No entanto, quanto mais esse hiato se prolonga, quanto mais aquilo tudo desaparece, mais nos afastamos. Rotinas mudam, interesses diminuem. Talvez, à medida que mais pessoas ao redor do mundo entrem em confinamento, outras atividades não estarão disponíveis, mas quem sabe? Talvez vivamos mais nossas vidas on-line. Talvez emerjamos mais acostumados ao isolamento, mais desconfiados das grandes multidões. Talvez valorizemos ainda mais esses momentos em família.

Há também um impacto econômico. Todo o modelo de negócios do futebol depende de emissoras pagando enormes quantias para transmitir os jogos. Nos próximos meses, porém, os primeiros anunciantes e os assinantes começarão a ir embora. Em um cenário de ampla incerteza financeira, nem todos conseguirão voltar.

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Isso não quer dizer que o coronavírus marcará o fim do futebol. De jeito nenhum. Mas acredito que terá um impacto duradouro, algo que ainda não podemos discernir. Para a maioria de nós, voltar à rotina se tornará mais atraente com o passar dos dias, das semanas e dos meses.

E, quando isso acontecer, a maioria de nós se emocionará com o verde do gramado, com a vastidão do estádio, com a beleza de um gol. O arco da bola, o som da rede, a fração de segundo de silêncio antes da explosão de alegria e de desespero. A maioria de nós voltará assim que possível, assim que for seguro. Mas alguns não. Futebol é um hábito, e os hábitos das pessoas mudam.

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