Quatro horas antes do início da partida, Dirceu Thiesen começa a preparação. Coloca roupas dos filhos na mochila, separa os uniformes dos meninos, encontra o sogro, busca as crianças na escola e segue para o estádio. Com o auxílio do avô João Prim, Matheus e Thiago se trocam dentro do carro mesmo. Minutos depois, pastéis e sucos para todos dentro da Ressacada. Procedimento repetido com alegria a cada jogo. Afinal, os quatro vão estar juntos mais uma vez para ver o Avaí.
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— É muito gostoso. Eles se divertem no jogo, cantam o hino do clube. Vieram da escola, aí fazem o lanche no estádio mesmo. É uma diversão para nós também — conta o vovô, de 65 anos.
— Eles até xingam o juiz, perguntam se está roubando. Eu evito falar palavrão, mas eles escutam os outros, aí a gente diz que tem alguns que só pode falar no estádio, e que fora não pode nenhum — completa Dirceu, representante comercial de 39 anos.
O programa deles é o de outras famílias por outros estádios de Santa Catarina. Uma constatação visual, porque borderôs não mensuram o parentesco entre torcedores. No entanto, a presença de menores dá indicativo. Nas duas últimas rodadas do Campeonato Catarinense 2019 (10ª e 11ª rodadas), 6% do público foi de crianças que ainda não completaram 12 anos – e que não podem entrar sem a companhia de um responsável.
O incentivo veio da Federação Catarinense de Futebol (FCF). Antes do início do Estadual, a entidade expediu resolução em que os clubes têm a permissão de liberar o acesso gratuito dos menores aos estádios no campeonato. Mas não foi apenas isso. A federação aponta que a cobrança por melhores instalações nos locais dos jogos, visando a segurança, também contribui para maior presença das famílias ao redor dos gramados.
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– Estamos realizando um dos mais organizados e seguros campeonatos dos últimos anos. Nos mais de 50 jogos realizados, não tivemos qualquer incidente dentro dos estádios. Os poucos registrados foram distante das praças esportivas e concentrados em grupos de torcedores que não estavam junto às famílias. Em diversos estádios podemos constatar uma expressiva presença de adolescentes e jovens, quase sempre formando famílias que buscam no futebol o entretenimento aliado à paixão pelo seu clube – constata o presidente da FCF, Rubens Angelotti.
Nos últimos tempos, foram poucos os incidentes no interior dos estádios. A preocupação, tanto dos responsáveis pela segurança quanto dos torcedores, está no entorno deles.
O tenente-coronel Marcelo Pontes, comandante da 1ª Região da Polícia Militar e responsável pela segurança em eventos esportivos em Florianópolis, diz que o interior das praças esportivas é um ambiente controlado, desde a revista até o monitoramento por câmeras – até porque as punições aos clubes endureceram nos últimos anos em casos de brigas e atitudes de torcida.
A questão é criar o mesmo ambiente ao redor, para reduzir o número de incidentes antes e depois da realização das partidas.
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– Concentração de pessoas, comércio ambulante, transporte coletivo, congestionamento e outros fatores fazem da parte externa um ambiente mais agitado. No entanto, considerando os jogos realizados até aqui, são poucos casos registrados envolvendo torcedores, principalmente as famílias. Temos um ambiente tranquilo, mesmo em partidas acirradas ou com rivalidade envolvida.
A maioria dos incidentes envolve membros de organizadas. Um pedido, que foi adotado, é o cadastramento de torcedores de organizadas. Com isso, devemos aumentar o controle e, consequentemente, a segurança – diz o oficial da PM.
Público preferido para os clubes
Família no estádio é termômetro. O torcedor-família é o público preferido dos clubes. A boa fase de uma equipe ou mesmo a confiança dos torcedores no time é medida no olhar. Se há pais e filhos nas arquibancadas, é sinal que a situação é positiva. E a presença deles faz do espaço mais acolhedor. Tanto que as agremiações esportivas fomentam os planos de sócios com dependentes. O desconto no valor da mensalidade é progressivo a partir da entrada do segundo membro.
Como fazem os Silva, fervorosos torcedores do Marcílio Dias. Alberto Santos da Silva, 47 anos, e Luiz Antônio Santos da Silva, 6, começaram a ir ao Estádio Doutor Hercílio Luz. O pai tentava satisfazer o amor do filho pelo futebol. Hoje, com o time na disputa pelas quatro primeiras colocações, a mãe do apaixonado torcedor Mônica da Silva passou a acompanha-los – fotógrafa, ela clicou imagem marcante de pai e filho celebrando por causa do Marinheiro – e vai se associar ao clube, para arrefecer o custo com ingressos, já que outros dois filhos do casal também têm sido companhia.
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– Meu filho ama o futebol, está sempre jogando bola. Começamos a ir aos jogos neste campeonato por causa dele. É uma paixão louca. E a gente vê que é um lugar que dá para ir em família. Então, todos os jogos a gente vai. O estádio é acolhedor para família com criança, vejo muitas mães com bebês, que querem participar também. Desde quando começamos a frequentar o estádio, convidava os amigos do Luiz Antônio para irem conosco. Depois os pais deles começaram a ir também – assegura a mãe, Mônica da Silva, fotógrafa.
– Quando há promoção do sócio trazer um acompanhante, geralmente traz alguém da própria família. O torcedor que vai ao estádio traz junto o filho, que ajuda na renovação e aumenta a perenidade da marca, porque é um público que começa a se relacionar com o clube, vai segui-lo – analisa o diretor executivo do Figueirense, Fernando Kleimmann, especialista em marketing esportivo.
Em troca, um clube de futebol pode retribuir com eventos marcantes. O avaiano Dirceu Thiensen, de 39 anos, por exemplo, pôde reviver, com o filho de sete anos, Thiago, em 2018. o que sentiu anos atrás.
– No primeiro acesso do Avaí à Série A, meu pai me trouxe ao estádio. E no ano passado eu tive o privilégio de trazer meu filho e, com ele, ver o time subir. Não tem explicação. Precisa ser pai e estar ali para saber o que é. É uma das melhores coisas da vida – definiu Thiensen.
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Não tenho noção como ele virou tão torcedor do Figueirense. A paixão dele virou também a minha. Moramos em Balneário Piçarras e vamos aos jogos no Scarpelli e quando possível fora, mas escolho qual a partida vamos, para evitar risco de alguma coisa
Professor Henrique Schnitzspahn, de 57 anos
Nunca deixei de ir ao estádio por causa da gravidez. Depois de um tempo do nascimento, levamos ela, que adora, bate palma e pula. Vamos tranquilos à Arena Condá, nunca deu confusão. Sem medo algum
Scheila Aline de Conto Milan, 26 anos