O tempo abafado não espantou centenas de trabalhadores da Duque, de Joinville, que na tarde desta terça-feira aguardavam pacientemente em frente aos portões da metalúrgica o resultado de uma nova rodada de negociações entre empresa e representantes dos funcionários. A perspectiva sobre uma definição da situação da companhia, que enfrenta graves problemas financeiros, cresceu quando o presidente do Sindicato dos Mecânicos (Sindmecânicos), Evangelista dos Santos, apareceu, por volta de 15h50, depois de uma reunião de quase duas horas com a diretoria. Mas o próprio sindicalista tratou logo de frustrar as expectativas:
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– Não vai ser tão fácil – disse.
Nesta terça-feira, sindicato e Duque sentaram mais uma vez para discutir a falta de pagamento aos funcionários. A empresa deve dois meses de salário e parte do 13º, mas não apresentou uma solução imediata para o impasse, como querem os trabalhadores.
A proposta da diretoria é quitar os vencimentos de novembro até o dia 31 de janeiro e os de dezembro e metade do restante do 13º até 28 de fevereiro. A outra parte do salário extra seria paga junto com o salário de março, no quinto dia útil de abril. A hipótese foi rechaçada de maneira unânime pelos funcionários em assembleia realizada logo após a reunião. A ata do encontro será protocolada nesta quarta e apresentada à empresa.
Um novo encontro entre os trabalhadores foi marcado para sexta-feira, às 14 horas, novamente em frente à portaria da empresa. Até lá, a expectativa é de que a Duque faça uma contraproposta. O Sindmecânicos vai disponibilizar a partir desta quarta-feira assessoria jurídica para quem quiser rescindir o contrato com a metalúrgica, mas orientou os funcionários a aguardarem até a próxima segunda-feira antes de tomar qualquer decisão.
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Risco de mais 200 demissões
O presidente da Duque, Mario Hagemann, não apareceu para dar explicações aos funcionários. A empresa chegou a enviar representantes para a assembleia, mas eles não se manifestaram publicamente alegando que não têm autonomia para discutir propostas.
Segundo Evangelista, Hagemann garantiu que “ainda tem esperanças” e que vai buscar acordo com bancos e credores para retomar a produção – que está parada – ainda em janeiro. Até lá, pediu mais uma vez a compreensão dos trabalhadores.
Se a produção não for restabelecida nos próximos dias, a Duque pode anunciar a demissão de 200 pessoas até o fim de fevereiro – hoje a metalúrgica tem 690 colaboradores. Elas seriam gradativas – 50 a cada quinzena – e a empresa faria uma análise da situação dos funcionários para definir quem seria desligado. A implementação de um plano de demissão voluntária também é cogitada, caso o cenário não melhore até março.
Há três meses, o Sindmecânicos sugeriu que a Duque entrasse com um pedido de recuperação judicial. A hipótese continua sendo descartada pela empresa. Pelo menos por enquanto.
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Crise se arrasta há seis meses
Há pelo menos seis meses a situação financeira da Metalúrgica Duque é crítica. A empresa não pagou os salários de novembro e dezembro do ano passado e deve parte do 13º. Trabalhadores demitidos em outubro ainda não receberam as rescisões – o Sindicato dos Mecânicos (Sindmecânicos) aceitou a proposta de parcelamento dos valores feita pela companhia, mas apenas uma parte foi paga até agora. Alguns afirmam que, em abril, vai fazer dois anos que a metalúrgica não faz o depósito do FGTS.
As máquinas da empresa estão paradas por falta de matéria-prima e os trabalhadores não têm o que produzir. Para completar, a energia elétrica da fábrica foi cortada nesta segunda-feira por falta de pagamento. O fornecimento deve ser restabelecido na quinta ou sexta-feira. Até lá, não haverá expediente.
O diretor-financeiro e ex-presidente do Sindmecânicos, João Bruggmann, calcula que a dívida total da metalúrgica gire em torno de R$ 70 milhões, considerando débitos fiscais e trabalhistas.

(Nelson Prestes mostra os contra-cheques: salário não cai na conta desde novembro)
Trabalhadores recorrem a “bicos”
Famílias inteiras e funcionários com décadas de serviços prestados à Duque, grande parte deles vestindo o uniforme de trabalho, foram para a frente da fábrica da empresa nesta terça-feira em busca de respostas. Entre eles, os sentimentos se dividiam: enquanto alguns querem ser demitidos logo, outros torcem para que a metalúrgica se recupere e volte a produzir.
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– Não queria sair daqui. É uma empresa que já foi muito boa – diz Nelson Deschering, que trabalha na Duque há 19 anos.
Com os salários atrasados desde novembro, ele precisa fazer “bicos” como servente de pedreiro para pagar as despesas de casa.
O atual momento da Duque passa longe da força transmitida pela tradicional empresa em anos anteriores. Joseildo José da Silva, há oito anos na metalúrgica, largou o emprego como motorista particular em São Paulo e veio para Joinville atraído pelas oportunidades de emprego e pela qualidade de vida da região. Sem receber, hoje também faz serviços esporádicos para conseguir juntar algum dinheiro.
Vários trabalhadores alegaram passar pela mesma situação. Nelson Prestes de Lara, de 40 anos, disse que já está com duas parcelas do aluguel vencidas e que não está conseguindo pagar a pensão do filho. Nesta terça, em frente à empresa, ele exibia os contra-cheques dos três últimos meses. No papel, os salários foram pagos, mas o dinheiro não caiu na conta dos trabalhadores.
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(Josenildo e Nelson precisam arrumar serviços extras para pagar despesas)
Primeiros sinais de decadência apareceram em 2008
A grave crise enfrentada pela Metalúrgica Duque, desde a metade do ano passado, não era esperada por seus funcionários, mas algumas dificuldades aparecem nos balanços econômico-financeiros da companhia, repassadas à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Os números mostram que a empresa conseguiu aumentar o seu faturamento nos últimos anos de forma gradual até 2012 (último ano reportado à CVM), mas o dinheiro disponível em caixa sofreu uma queda em 2008, quando empresas de todo o mundo foram afetadas pela crise econômica global, e, desde então, não voltou mais aos patamares de 2007. Paralelamente, o endividamento também cresceu desde a crise global, acentuando-se em 2011 e 2012.
O mercado mundial retomou o fôlego em 2010 e a empresa deu sinais de reação. Em 2011, chegou a apostar em um novo mercado, passando a comercializar kits de transmissão para motocicletas. Não foi o suficiente e a luz amarela acendeu em 2012. As dívidas de curto prazo ultrapassaram o dinheiro disponível para o período.
– A companhia apresenta excesso de passivos circulantes sobre ativos circulantes em suas demonstrações financeiras, relacionados diretamente à estratégia de gerenciamento de dívida da companhia e refere-se a um impacto temporário de obtenção de empréstimos de natureza de curto prazo, até que novas captações de longo prazo sejam efetivamente liquidadas, captações estas que estão em fase adiantada de realização – informou o presidente Mário Hagemann no relatório à CVM referente ao ano de 2012.
O presidente complementou:
– A administração efetuou análises e concluiu não existirem evidências de incertezas sobre a obtenção de tais recursos, caso necessário, e tampouco dúvidas sobre a continuidade das operações da companhia aqui apresentadas – afirmou no relatório.
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Não foi o que se viu. Em 2013, o quadro se agravou e 2014 inicia ainda com atraso de salários e fechamento da fábrica por falta de recursos para compra de matéria-prima e demanda de produção.
A empresa faz parte da Associação Empresarial de Joinville (Acij), mas a direção nunca realizou um contato formal com a entidade sobre sua situação financeira.
– Lamentamos a situação da empresa – limitou-se a dizer o presidente da Acij, Mário Cezar de Aguiar.