Era noite de sexta-feira, quase 22h, e começava a chover quando a equipe do DC tentava novamente uma entrevista com Sydney Vasquez, 43 anos, no condomínio fechado em que mora, no Bairro Barreiros, em São José. Vasquez, um dos cinco funcionários da Celesc envolvidos no acidente da Ponte Colombo Salles que deixou a Ilha sem energia elétrica por 55 horas em 2003, já havia deixado claro que não iria conversar sobre o assunto com a imprensa.
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O pouco que se sabia sobre Vasquez estava em perfil do Facebook, onde o técnico eletricista se mostra apegado à família, com fotos dos parentes. Um dos irmãos é o superintendente da Polícia Rodoviária Federal, inspetor Silvinei Vasquez.
O primeiro contato foi realizado por telefone por meio de um número conseguido na portaria do condomínio. Vasquez logo avisou que nada tinha a comentar sobre o episódio.
– Tudo já foi dito ao Ministério Público. É só consultar o que está escrito.
Após insistência, o funcionário quebrou o silêncio e resolveu apresentar a visão dele sobre o ocorrido. Quinze minutos depois ele atendeu a reportagem. Vestido casualmente, saiu de casa e forneceu respostas em uma conversa realizada perto do estacionamento externo do condomínio. Disse que iria falar para desfazer as inverdades que vêm sendo reproduzidas desde o incidente.
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DC – O que aconteceu no dia 29 de outubro de 2003 quando um incêndio deixou a Ilha de Santa Catarina sem energia por 55 horas? Vasquez – O que aconteceu, como te falei pelo telefone, é o que foi dito ao bombeiro, no Ministério Público. Houve uma explosão proveniente do acúmulo de alguns gases na galeria e nos afastamos quando começou. Aconteceu isso. Pegou fogo e a gente se afastou. Não existe história de liquinho, não existe explosão de liquinho, o liquinho não explodiu. Está tudo lá no MP, é só questão de ler, não existe outra versão para isso. Há 10 anos vem se falando que alguma coisa do além aconteceu. Foi simplesmente um acidente. DC – Há boatos de que um dos funcionários estaria usando o maçarico que causou o incêndio para esquentar marmita. Isso é verdade? Vasquez – Isso para mim é até uma ofensa. Somos funcionários sérios. Eu tenho 25 anos de empresa, na época tinha 15. Somos profissionais competentes no que estávamos fazendo. Acha que um de nós iria estar esquentando uma marmita numa ocasião daquelas? É por isso que eu vim falar contigo, para esclarecer essas coisas. Isso é absurdo. O Cacau Menezes falar em lenda de Nostradamus… coisa sem cabimento. Aconteceu um acidente como qualquer outro acidente acontece, como quando alguém está dirigindo um ônibus, um caminhão. Qualquer empresa tem acidente. Claro, o nosso acidente teve uma proporção muito grande. Aconteceu, foi uma série de fatores que desencadeou um acidente. Essas lendas são um absurdo. DC – Então o que causou o acidente? Vasquez –Houve um aquecimento com o fogo do maçarico. O liquinho é uma peça e o maçarico é outra. Havia madeira em decomposição ali por perto e provavelmente, com o tempo, gases se acumularam. O maçarico inflamou esses gases e quando chegou em ponto de combustão houve uma explosão. Veio fogo onde estávamos trabalhando. Com isso nós pulamos para a galeria debaixo. É claro que o maçarico foi o estopim. Era a única coisa que podia causar combustão, mas fora isso não existe essa lenda, essa curiosidade absurda. Nós estávamos trabalhando numa rede de alta voltagem e a meio metro havia uma rede de 138KV, então acha que algum de nós estaria fazendo alguma coisa fora do procedimento para botar nossa vida em risco? Continua depois da publicidade DC – Mas teria que ser um incêndio muito forte para explodir um cabo de energia que fornecia energia elétrica para uma cidade inteira. Vasquez – Você teria que conhecer a galeria pra entender o que estou falando. Mas quando deu essa explosão, a primeira reação nossa foi se afastar do fogo. Nós pulamos da galeria. Nós estávamos trabalhando bem no centro e pulamos para baixo. Na época falaram que se alguém estivesse com um extintor poderíamos ter contido o incêndio. Mas quem em sã consciência iria voltar para perto de um cabo de energia prestes a explodir para apagar o fogo? Quando um dos cabos rompeu ele causou uma explosão. Existem várias ocorrências de redes pegando fogo. O primeiro cabo que se incendiou desencadeou um incêndio que foi proporcionalmente queimando tudo. O que nós podíamos fazer? Quando eu me afastei, o fogo já tinha ido 30 metros para longe. A energia causa fogo. O curto circuito é um aquecimento em alto grau. É uma coisa que foi desencadeando até atingir os cabos de transmissão que forneciam energia. Os cabos de transmissão tinham óleo dentro então, quando romperam, o óleo pegou fogo. Por que o bombeiro não foi lá apagar o fogo assim que começou o incêndio? Por que tiveram que esperar 12 horas pra entrar? DC – Muitos apontam que a causa do incêndio foi a explosão do liquinho… Vasquez – Olha, é sabido que não teve explosão nenhuma de liquinho. O liquinho não explodiu. DC – Então o fogo se espalhou pelo ar? Vasquez – Exatamente. Bem na nossa frente. A chama do maçarico pode ter causado o grande estrago. Mas quem em sã consciência iria voltar lá para apagar, como eu te expliquei agora há pouco. DC – Aquele dia foi um dia normal de trabalho? Alguma coisa estava fora da rotina? Vasquez – Era rotina, coisa que estávamos acostumados a fazer. Tínhamos que realizar três emendas e já tínhamos feito duas em um cabo de 13KV. Quando estávamos para fazer a terceira emenda foi que o acidente aconteceu. Estávamos dentro da galeria, um local atípico, mas nada de incomum. Continua depois da publicidade DC – E qual era sua função naquele dia? Vasquez – Eu estava segurando o cabo de um lado, um estava segurando do outro lado e o terceiro fazendo o aquecimento. DC – E assim que começou o incêndio, qual foi sua reação? Vasquez – Nós nos afastamos e fomos ficando mais longe da passarela. É como se estivéssemos descendo um morro. Eu corri pra um lado e os outros dois correram pro outro lado. Eu fugi correndo para o Continente. DC – Naquele momento você temeu pela sua vida? Vasquez – Sim, claro. Eu achei que ia morrer, todos nós achávamos que íamos morrer. Se aquele cabo de 13KV já havia explodido de forma tão intensa, imagina o de 138KV que havia ao lado? Eu cheguei a ligar pra Celesc pedindo para desligar a Ilha. DC – O que você pensou na hora que começou o incêndio? Vasquez – Eu estava tentando salvar minha vida. Corri até onde deu. Tinha muita fumaça. Eu não pulei no mar pois não sei nadar. Continua depois da publicidade DC – Como você se sente hoje? Foram 10 anos das pessoas taxando vocês como os grandes culpados pelo acidente. Vasquez – A gente fica chateado porque nós somos profissionais e nosso trabalho é de risco. Hoje eu tenho 25 anos de empresa, trabalhando em áreas de risco. E quantos companheiros já morreram fazendo o que eu faço? E a gente nesses 10 anos vem escutando muitas inverdades. Talvez quando essa matéria sair as coisas podem ficar ainda pior para nós. O que você escrever, eu não tenho como me defender depois. Espero que minhas palavras não sejam distorcidas. DC – A sua vida segue normalmente depois de tudo isso? Vasquez – Segue. Eu tenho minha família e a Celesc sempre nos deu apoio. A empresa nunca nos ameaçou, nunca fomos proibidos de falar. DC – Mas na época que ocorreu o acidente vocês se mantiveram em silêncio, mesmo durante uma entrevista coletiva. Por que não puderam se expressar? Continua depois da publicidade Vasquez – Foi uma decisão que nós tomamos. Estávamos muito abalados. Então, o que a gente podia falar? Não tínhamos ainda dado depoimento nem no MP e nem nos bombeiros. A gente tomou essa decisão de não falar. Estávamos muitos nervosos. Trabalhamos três dias depois para fazer a energia voltar. Estávamos muito cansados. Depois daquilo precisávamos dar um tempo. Havia pessoas mais capacitadas para falar em nosso lugar. Tudo que estou te dizendo eu já disse. Eu sei que as pessoas querem uma versão diferente, algo impactante, que não existe, versões fantasiosas. Mas não existe algo mais. Foi apenas uma sequência de fatos que ocasionou o acidente. Eu acho que se tivesse morrido alguém, não haveria tanto curiosidade assim. DC – O que você gostaria de deixar claro para as pessoas? Vasquez – Que tudo foi um acidente, infelizmente numa proporção muito grande. Acidentes são evitáveis, mas não podemos prever quando irão acontecer. Hoje, devido ao que aconteceu, não há mais a mínima chance de a Ilha ficar sem energia porque há redes subterrâneas e submarinas.