Melancia, morango, manga, uva, hortelã e nicotina. A mistura de sabores tropicais com o de substâncias cancerígenas são características principais dos “vapes” e “pods”, cigarros eletrônicos que atraem centenas de usuários nos últimos anos e viraram febre, principalmente entre os mais jovens. O consumo tem preocupado especialistas da área da saúde.

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Proibidos no Brasil desde 2009, os aparelhos são facilmente comprados em diversos estabelecimentos comerciais e até em redes sociais. Com alta quantidade de fumaça e harmonização melhor que a do cigarro tradicional, os produtos são usados em bares, baladas e no intervalo do trabalho, por exemplo. 

Um desses fumantes é Carlos*, de 21 anos. Ele começou a fumar cigarros eletrônicos há um ano e meio em grupos de amigos em festas. Com custo mensal de R$ 95, a facilidade para adquirir o aparelho surpreende. A compra foi feita com uma pessoa física pelo Instagram e a entrega da mercadoria se deu por um motoboy. Ele costuma consumir de um a dois pods no mês. 

— Quando me encontro com meus amigos de festas, baladas, essas coisas, eu acabo optando por levar. Vira e mexe dou uma tragada — pontua. 

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Para Carlos, o cheiro de tabaco foi a principal razão para optar pelos eletrônicos, classificando-os como “substância cheirosa” e que “em 10 minutos ninguém percebe que você fumou”. Ele reconhece que todos os cigarros causam dependência por conta da nicotina, mas nega que seja um. 

— Tem meses que eu passo tranquilamente sem nem olhar para ele, por causa da correria do trabalho. E, realmente, só lembro da existência deles quando eu estou indo para alguma festa — aponta. 

Solange*, de 37 anos, é usuária de cigarros eletrônicos há dois anos, consumindo um pod de cinco mil “puxadas” a cada dois meses, com custo de R$ 130 a R$ 150 no período. A compra é simples: em tabacarias ou em lojas de camelódromo. 

Conforme ela, o aparelho faz diminuir a vontade dos cigarros tradicionais, tem a escolha de sabores e não deixa cheiro nas mãos, roupas e nos ambientes, por exemplo. Solange, porém, reconhece os riscos para a saúde. 

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— O consumo de qualquer cigarro vai agravar problemas respiratórios e pulmonares. Claro que há uma preocupação com os efeitos a longo prazo — pontua. 

Gustavo*, de 23, também consome o pod, sendo um por mês e com custo de R$ 100. Ele comprou de uma pessoa física e sente os efeitos na prática de exercícios, principalmente quando vai na academia. Apesar de estar diminuindo o consumo, diz que conhece diversas pessoas que estão no caminho contrário. 

— Sinto no fôlego, sei que faz mal para a questão muscular e respiração. Me preocupo, estou conseguindo parar, deixo só para o fim de semana agora quando tem festa. Conhece muita gente que é dependente — expõe. 

Conforme dados do Ipec, um instituto de pesquisas de mercado, entre 2018 e 2022 o número de pessoas que consomem cigarro eletrônico aumentou no país, passando de 500 mil consumidores para 2,2 milhões.

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A pesquisa ainda cita que cerca de 6 milhões de fumantes já usaram o cigarro eletrônico no Brasil, ou seja, 25% do total. 

Saúde desaparece na fumaça

Em princípio, os cigarros eletrônicos têm as mesmas consequências do cigarro convencional, ou seja, podem trazer problemas respiratórios que começam com tosse, pigarro, e evoluem para quadros mais sérios, principalmente com uso crônico dos aparelhos. É o que diz Tadeu Lemos, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pesquisador sobre dependência química no Departamento de Farmacologia da instituição. 

Ele ainda destaca uma doença pulmonar causada especificamente pelo uso de cigarro eletrônico, conhecida como “evali”, um transtorno associado aos aparelhos. Além disso complementa sobre os riscos de cânceres e outros problemas de saúde. 

— Essa doença [evali] se caracteriza por uma falta de oxigenação progressiva pulmonar, levando a uma lesão aguda. No início aparecem sintomas mais leves, como tosse, falta de ar, e dor no peito. Chegando a situações graves, como fibrose pulmonar, pneumonia e insuficiência respiratória — explica. 

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O professor alerta que o cigarro eletrônico tem nicotina mais ácida do que aquela do cigarro convencional, causando menor irritação na via aérea, mas que chega mais rápido ao cérebro e tem uma ação ainda mais intensa, podendo deixar a pessoa mais dependente e aumentando as chances de cânceres, já que contém substâncias como chumbo, níquel, cromo e arsênico. 

— Faz com que haja uma liberação maior de dopamina na área do prazer e do reforço, o que causa uma sensação imediata e bastante forte de prazer e bem-estar. O cigarro eletrônico desenvolve dependência, que pode ser ainda mais rápida do que com cigarro convencional — pontua. 

O professor ainda cita os riscos à saúde coletiva que os produtos devem causar na população a curto, médio e longo prazo, com destaque para as doenças pulmonares e cancerígenas. Ele complementa dizendo que está sendo usado outras substâncias nos aparelhos, como tetrahidrocanabinol (THC) – substância encontrada na maconha. 

— Eu não tenho dúvida que, para o futuro, a gente vai ter um aumento de problemas relacionados ao cigarro eletrônico. Não só pelo uso da nicotina. Você passa a ter, no caso do THC, um consumo em concentrações muito, muito superiores daquela que é consumida a partir de um ‘baseado’ convencional — expõe. 

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Influência em jovens e crianças: uma essência sem sabor

O especialista Tadeu Lemos diz ser complexo entender porque a população, principalmente os mais jovens, estão aderindo aos cigarros eletrônicos. Mas que o poder de dependência tem influência significativa.   

Além disso, soma-se a má informação e propagação positiva dos aparelhos, como a falsa alternativa de redução de danos para o tabagismo convencional e publicidade “descolada” utilizada desde a década de 30 com o cigarro tradicional. 

— Os jovens estão sendo seduzidos por uma estratégia de marketing que tem cerca de 100 anos. Há um impacto muito grande no status que dá ao uso de cigarro eletrônico. Isso impacta também crianças e adolescentes, e tem a ver com a formação de novos fumantes — reflete.

Clientes compram, mas fiscalização tem dificuldades

Com os cigarros eletrônicos proibidos no Brasil, cabe aos municípios fiscalizar a venda e comercialização dos produtos, seja por pessoas físicas ou em estabelecimentos. As ações são feitas, geralmente, por órgãos como a Vigilância Sanitária, Polícia Civil e Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), com foco, principalmente, em lojas como tabacarias e conveniências. 

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Desde o ano passado, em Joinville foram apreendidos 31 cigarros eletrônicos e 964 essências. Já em Florianópolis, desde o ano passado, foram apreendidos mais de 1,4 mil produtos deste tipo. Em Blumenau, onde a última fiscalização foi feita em abril deste ano, não foram encontrados materiais nos locais visitados pelos órgãos. 

A penalização para quem é flagrado vendendo cigarros eletrônicos varia para cada cidade, mas costuma ser multa ou, em recorrência, interdição do estabelecimento. Além da apreensão do material. Em Joinville, por exemplo, o valor da multa em agosto está em R$ 375. 

De acordo com as prefeituras, como a prática irregular, quem comercializa sabe que está infringindo as regras sanitárias e, portanto, os produtos ficam armazenados em locais escondidos, dificultando o acesso e localização. 

Além disso, parte das vendas é feita pela internet, o que impede a atuação da Vigilância Sanitária. 

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Entretanto, os municípios afirmam ser necessário programar mais ações conjuntas de fiscalização e, também, ações educativas para que a população diminua o consumo e comercialização destes produtos.

*Nomes fictícios foram utilizados para preservar a identidade dos entrevistados