Na parede do corredor, uma mensagem: “No caminho de quem luta estão os passos da vitória”. Ao lado do cartaz, uma porta. E lá dentro, um vitorioso. Internado no quarto 406 do setor 5 do Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Tubarão, no Sul de Santa Catarina, ele se recupera de um acidente cuja chance de sobreviver era praticamente zero. Gilson Luiz Rufino, de 49 anos, é prova e testemunha de um milagre.
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O que aconteceu com ele provavelmente jamais acontecerá com qualquer outra pessoa. Afinal, é raro encontrar alguém que despenca em queda livre do alto de uma montanha e, após oito horas, é resgatado quase ileso, não fosse o deslocamento de um ombro, um probleminha na coluna e alguns arranhões.
Gilson está bem. Ainda um pouco fraco depois do tombo de 20 metros, que poderia ter sido de 700. Mas conversa, sorri e até brinca com a própria tragédia. Ou seria um novo nascimento?
– Agora vou comemorar dois aniversários por ano – diz Gilson, que conseguiu driblar a lógica e sobreviveu para contar a história relatada pelo próprio em entrevista exclusiva ao Grupo RBS.
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Confira a entrevista concedida no hospital ao Diário Catarinense
Diário Catarinense: Por que você saiu sozinho do mirante da serra?
Gilson Luiz Rufino: Nas vezes anteriores em que estive na serra, tinha a intenção de ir lá na ponta. Vi que havia outras pessoas lá, mas fui sozinho por ser um caminho muito úmido e mais delicado.
DC: Você conhecia o lugar ou, pelo menos, pediu orientação a alguém que conhece?
Rufino: Minha maior imprudência foi não perguntar a pessoas com pleno conhecimento.
DC: Como foi a queda? E o que você fez quando começou a cair?
Rufino: Fiz umas 10 fotos fora do mirante, encontrei duas pessoas, perguntei se o caminho estava tranquilo e disseram que em alguns pontos estava seco. Me afastei, continuei andando e caí em queda livre. Tentei me agarrar em árvores, mas não consegui. Foi muito rápido. Não deu para entender o que estava acontecendo. Só senti que estava caindo. Então apaguei e acordei quando já estava onde parei.
DC: Quando acordou, o que lhe veio em mente?
Rufino: Eu estava no meio do mato, e achei que era um sonho. Mas estava lúcido, e quando vi minhas mãos com sangue, percebi que estava numa situação indelicada. Então fiquei quieto, tranquilo, e pedi a Deus que me protegesse e me tirasse de lá.
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DC: Como você conseguiu manter o equilíbrio durante oito horas?
Rufino: Tateei para achar a câmera e percebi que tinha um vão do lado. Tateei do outro lado e achei uma pedra pequena, então me arrastei em direção a ela. Pela minha imaginação eu estava num barranco a 1,60 metro do precipício, pois estiquei as pernas e ficaram no ar. Então as encolhi sem me movimentar para não escorregar, pois se escorregasse, cairia 700 metros.
DC: E como era o lugar onde você ficou?
Rufino: Eu olhava para cima e via muitas árvores finas. Não havia muita umidade, não havia água para beber, mas eu sentia frio. O mato e o sangue que me cobriam ajudaram a me aquecer. Eu também soprava o meu corpo pelo fato de o sopro ser mais quente.
DC: Em que você pensava?
Rufino: Em nada. Eu só queria entender o que estava se passando e procurava me manter aquecido e vivo.
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DC: Chegou a imaginar que morreria e jamais seria encontrado?
Rufino: Não. Só pedia a Deus que me protegesse.
DC: O que você sentiu quando foi localizado?
Rufino: Quando os bombeiros se identificaram eu sabia que estaria a salvo, pois sempre acreditei no trabalho deles e sei que são dedicados na busca pela vida humana.
DC: E o que sentiu quando o resgate terminou e você reencontrou sua família?
Rufino: Quando cheguei lá em cima escutei barulhos, mas estava de olhos fechados e não sabia quem falava comigo. Senti que estava sendo deslocado até chegar à ambulância.
DC: Você pretende voltar ao local do acidente?
Rufino: Não encaro o acidente como castigo, pois tudo que acontece de ruim na minha vida é para ter mais atenção no que estou fazendo. Mas naquele local, pelo menos sem segurança, eu não volto mais. Peço às autoridades que sinalizem o perigo e coloquem uma cerca ali.
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DC: Você admite que teve mais sorte que juízo?
Rufino: Sim, sem dúvida. Fui dotado de muita sorte e iluminado por Deus. Tenho créditos com ele. Dia 6 de novembro vou completar 50 anos, mas no dia 6 de outubro, nasci de novo. A partir de agora farei aniversário duas vezes por ano.
DC: O que você diria às cerca de 30 pessoas que se mobilizaram no seu resgate?
Rufino: O que levaria alguém a se arriscar à beira de um precipício para salvar alguém totalmente desconhecido? Só o milagre da vida. Minha família e eu estamos planejando conhecer os bombeiros e subir a Serra para agradecer às pessoas que me ajudaram.
DC: O acidente e a sobrevivência lhe fizeram mudar conceitos de vida?
Rufino: Sempre procuro viver minha vida intensamente, não sou acomodado, e isso foi como um combustível para seguir em frente. Encaro como uma oportunidade para melhorar. Vou repensar muitas coisas e dar mais valor à vida e às pessoas que me cercam.
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DC: O que vai fazer quando sair do hospital?
Rufino: Já recebi alta médica do neurologista e do ortopedista e estou quase saindo do hospital. Vou para a casa da minha mãe, aqui em Tubarão, para descansar um pouco. Depois volto a Florianópolis para tocar minha vida. Tenho uma viagem marcada para Fortaleza e Natal em novembro, se o médico permitir. Não vou deixar o hobbie da fotografia, e já estou pensando em comprar uma câmera profissional.
DC: Que lição fica disso tudo?
Rufino: Eu achei que estava preparado, mas não estava. Tudo na vida tem um limite, mas muitas vezes queremos ultrapassá-lo até para atingir determinadas famas. Não é porque um faz que o outro pode fazer também. Cada um tem um limite diferente e deve respeitar o seu.
Vídeo com depoimento de Gilson Luiz Rufino