No auge dos bombardeios, a família dormia no porão de casa para tentar alguma proteção. Geralmente não havia luz nas ruas e a água também faltava. Uma noite o abastecimento veio e os pais pediram para Ayman sair do porão e ir à rua encher uma garrafa com água na torneira que ficava na esquina seguinte. Na volta, quase entrando novamente na casa, uma bomba caiu do céu e atingiu o lugar onde ele havia buscado a água minutos antes. Naquele dia Ayman decidiu que deveria deixar a Síria.
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Ayman Bahbouh tem 24 anos e mora com a família em Florianópolis desde o ano passado, trabalhando no restaurante de comida árabe montado pelos pais e pelo irmão mais velho, Nemer, no Centro da Capital. O local representa um sonho da família desde que deixou a região de Damasco, na Síria, em 2013, quando inicialmente se mudaram para a Arábia Saudita, mas acabaram ficando apenas alguns meses. Depois, pelo contato de conhecidos, a família veio para o Brasil direto para Campinas (SP). Nemer e um tio vieram primeiro, ficaram sete meses e conseguiram emprego, depois vieram o irmão mais novo e os pais.
— Cheguei com os meus pais em Guarulhos e eu não sabia nem dizer oi. É muito complicado. Como que eu ia sair do aeroporto? A gente acompanhava as pessoas, ia seguindo até sair pela porta, mas deu tudo certo. Meu irmão trabalhou em uma pizzaria, depois outro restaurante. Eu trabalhei de mecânico, pintor. Depois começamos a procurar para abrir um negócio, um restaurante lá em Campinas. Meus pais venderam um terreno que tinham na Síria e procuramos, mas não deu certo, ninguém queria ser fiador nosso. Tinha preconceito lá, achavam que a gente era homem-bomba — lembra Ayman.
Na internet, Nemer encontrou o dono de um restaurante árabe em Florianópolis que o convidou para vir trabalhar com ele. Após três anos em Campinas, o sírio veio sozinho para Santa Catarina e ficou três meses até se estabilizar. Depois disso o resto da família seguiu o caminho para o Sul. Ayman chegou a voltar para Campinas, onde conheceu a sua esposa e continuou trabalhando como pintor. Até que a oportunidade que eles não tiveram em São Paulo surgiu em SC: o dono do restaurante em que Nemer trabalhava aceitou ser fiador para que a família abrisse o próprio negócio. Ayman voltou para SC e nascia o restaurante de comida árabe na Rua Padre Roma.
Por lá trabalham só a família Bahbouh e outra funcionária que também veio de longe: do Marrocos. O restaurante atrai clientes fiéis e virou ponto de encontro de estrangeiros no Centro de Florianópolis, com frequentadores sírios, argentinos, mexicanos, norte-americanos, entre outros.
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— É família aqui, todo mundo unido. Todos juntos é muito bom, trabalhando e tudo dando certo. A comida quem cuida são os meus pais, eles que têm a mão talentosa. Se eles não botam a mão na comida, não fica gostosa — conta Ayman, que aprendeu o português na prática, conversando diariamente.
Nesse recomeço da família Bahbouh em terras catarinenses, o apego é tanto que agora eles buscam um novo passo: querem tentar a naturalização brasileira em busca de mais segurança no país.
— Vontade de voltar sempre tem, a Síria é o nosso país, dá saudade, mas hoje não vemos isso. Por isso a gente quer se naturalizar no Brasil. Nem estamos pensando em voltar agora, é muito melhor no Brasil. A amizade do brasileiro é muito legal, é diferente de todos — diz Nemer, que é completado pelo irmão Ayman:
A gente tá sentindo que nasceu aqui. Eu sempre gostei de futebol e sempre torci pelo Brasil, mas nunca imaginei que ia morar no país. E o brasileiro e o catarinense eles abrem o coração muito rápido. Se não fosse a ajuda das pessoas a gente nem conseguiria abrir o restaurante aqui.
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