O frio que cativa e atrai milhares aos pontos mais altos de Santa Catarina escancara as diferentes percepções existentes entre os que estão acostumados às mais baixas temperaturas e os que as buscam para viver uma nova experiência.

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Em Urubici, a cidade da Serra catarinense mais bem preparada para receber os turistas no inverno, basta uma simples caminhada pela rua central para identificar facilmente quem é morador e quem se aventura na cidade para sentir frio.

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Mais habituados com as baixas temperaturas, os serranos se protegem menos nos dias mais frios e se distinguem facilmente dos turistas que se escondem entre casacos, gorros, mantas e luvas. Há moradores que andam de bicicleta vestindo somente uma regata e os que dispensam casacos no amanhecer gélido de temperatura negativa.

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Essa visível diferença de comportamento entre moradores e turistas não é explicada por condições financeiras e sociais distintas, como arriscam justificar alguns visitantes. A biologia e a psicologia explicam que há fatores científicos que tornam um grupo mais adaptado ao frio do que outro.

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– O processo de percepção é psicológico e é aprendido por meio da interação do ser humano com o meio em que vivemos. Tudo está relacionado com as experiências das pessoas – explica a doutora em psicologia especialista em análise do comportamento Juliane Viecelli.

Por isso, uma criança que está mais exposta ao frio desde o nascimento se acostumará com essa sensação de forma mais natural do que outra nascida em lugares quentes, por exemplo. Essa é uma das justificativas que dá sentido à forma com a qual o estudante Rafael Bitencourt Ribeiro, oito anos, brinca descalço pela grama da propriedade rural da família, em Urubici, na semana mais gelada do ano até então, num dia em que a cidade registrou a mínima de -5ºC.

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– Eu gosto muito do frio. Não tem coisa mais linda do que acordar e ver todo o campo branquinho – fala, com gosto pelo inverno, o urubiciense. 

Amanda e Flávio viajaram do Rio de Janeiro até Urubici para apreciar o charme da estação Foto: Diorgenes Pandini / Agencia RBS

Nem nos dias mais frios ele muda a rotina. Levanta cedo e vai à escola, onde um aquecedor tenta quebrar o gelo das frias salas de aula. Rafael não se importa em vestir várias peças de roupa e se destaca entre os alunos mais resistentes às baixas temperaturas.

– Estamos sempre atentos se estão bem agasalhados e até o cobertor faz parte das peças que os alunos trazem ao colégio. Há uma adaptação da população daqui – explica a coordenadora da escola Bernadete Back Warmling, Scheyla Susan Karklis.

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De fato a adaptação é o que diferencia os serranos dos não serranos. O corpo dos que vivem em grandes altitudes e baixas temperaturas é mais resistente ao frio.– Quem vive na Serra tende a conservar mais a temperatura corporal quando comparado a uma pessoa que vive em altitudes mais baixas – ensina o coordenador do Laboratório de Esforço Físico da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), especialista em fisiologia do exercício, Luiz Guilherme Antonacci Guglielmo.

Por isso, turistas como o casal do Rio de Janeiro, Amanda Oliveira, 36, e Flávio Silviano, 35, precisam se agasalhar mais e procurar ambientes mais quentes para conseguir curtir o inverno catarinense sem sofrimento.

– Não estamos acostumados, mas gostamos muito do frio. O charme daqui é incomparável e faz valer sentir o frio único desta região – resumem.

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Para conseguir suportar a diferença de pelo menos 20ºC entre as médias registradas no Rio de Janeiro e a enfrentada pelo casal em Urubici, os dois se prepararam antes de sair de carro do Estado fluminense. Compraram casacos e roupas térmicas que os aquecessem suficientemente para aproveitar o passeio turístico de forma mais agradável. Uma disposição que nem todos os moradores de Urubici entendem. 

– Eu não sei o que passa na cabeça dos turistas de vir até aqui somente para passar frio – diz a trabalhadora rural Vanessa de Oliveira.

Aos 22 anos, ela mora em uma casa pequena, de três peças, em uma das localidades mais simples da cidade, juntamente com três filhos e o marido. Ao olhar a realidade da família antes de conhecê-los, é inevitável a impressão de que eles sofrem com as baixas temperaturas. Mas assim como os demais serranos, eles estão acostumados com o frio e o preferem ao calor.

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– A gente sente o frio sim, mas é melhor que o calorão. Já moramos em cidades mais quentes e acabamos voltando para Urubici. No frio a gente se aquece e no calor nada nos refresca – explica. 

A única reclamação da família é de que o gasto no inverno aumenta, já que o fogão a lenha não pode se apagar. São R$ 180 mensais a mais para a compra da madeira como combustível. E como a maioria depende da produção agrícola, a única mudança na rotina dos serranos é a falta do que plantar e colher no inverno. Como uma adaptação natural, o período que encanta turistas é de menos obrigações ao ar livre aos moradores e, assim, de mais tempo à frente do fogão a lenha.