O casamento mais assistido do mundo. Um jubileu de diamante que rendeu mais que as Olimpíadas. O nascimento de um herdeiro que gera centenas de milhares de libras em lucros. Salvaguarda de um império que abriga quase um terço da população mundial, voz de força para os súditos em tempos negros e protagonista de algumas das histórias de amor mais comentadas os últimos séculos, a realeza britânica, mesmo despojada da maior parte de seu poder político desde a Magna Carta, em 1215, nunca foi tão popular. Pelo menos não em tempos modernos. Neste momento, oito em cada dez habitantes do país aprovam Elizabeth II.

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Para boa parte dos britânicos relaciona de alguma forma monarquia a estabilidade e solidez política. Mas o sucesso também reina na ideia de que a coroa representa continuidade e – mesmo às vezes aos trancos e barrancos – uma espécie de norte moral.

– Apesar de não ter tanto poder, a monarquia representa um símbolo nacional da Inglaterra. E a recordação constante de um passado glorioso que permanece vivo, que também serve como elemento de identidade nacional. A monarquia representa o Estado britânico e o conceito de família constante. A situação pode estar ruim, mas a família sempre vai estar lá – diz o comentarista político e professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado Marcus Vinicius de Freitas.

Mesmo assim, nem a tradição milenar passa incólume pelas transformações sociais. Desde a invasão normanda por William, o conquistador, a figura do monarca passou de absoluta a ornamental – a Magna Carta e a Declaração de Direitos, em 1689, concederam a maior parte do poder político ao parlamento – e sofreu contestação. No entanto, o único episódio de deposição da família real, sob Charles I em 1642, resultou na catastrófica Guerra Civil Inglesa e na instauração de uma república ditatorial, a do “lorde protetor” Oliver Cromwell, e a rápida retomada do regime monárquico.

O que explica o apoio à família real, para Freitas, é, novamente, a questão da estabilidade. Os britânicos foram seduzidos pela solidez do compromisso a longo prazo e pelo acervo vivo de conhecimento que é Elizabeth II. Seus admiradores a veem como a anciã, que em seu 12º primeiro-ministro, tem experiência para dar conselhos políticos que asseguram coesão e firmeza. Outros países que abandonaram a monarquia, como França, Portugal e Alemanha, seriam regimes mais vulneráveis.

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Essa “estabilidade”, claro, é questionada. O movimento republicano existe e defende igualdade de direitos e o fim dos gastos com a família real. Mas até o argumento do dinheiro que poderia ter utilidade pública e é investido em privilégios tem sua justificativa. Quanto maior o fascínio do povo aos príncipes, menores são os custos para manter a monarquia, alega Freitas:

– A indústria do turismo gira ao redor desse fascínio. Não só de turismo, mas de recordações, de lembrancinhas, do que faz com que as pessoas viajem e visitem a Grã-Bretanha como se estivessem indo para aquela terra ainda onde há príncipes e princesas. A monarquia é autossustentável.

Se 2013 foi um ano de abdicações no mundo da realeza – casos da rainha Beatrix da Holanda, do rei Albert da Bélgica e do emir do Catar -, há uma certeza: do alto de seu sucesso, Elizabeth II não renunciará. Se depender dos súditos modernos, o celebrado bebê real será um dia um novo rei George.

Versão especial para minoria republicana

A tietagem à monarquia é alvo de críticas na Grã-Bretanha. A Republic, organização que diz representar os 10 milhões de republicanos no país (em uma população total de 63 milhões), afirma querer um Estado baseado na meritocracia, em que os chefes possam ser responsabilizados por suas falhas – o que não é o caso da família real. O grande evento do ano para a realeza, o nascimento do bebê George, foi alvo de ataques do grupo: “queremos falar aos milhões de pessoas cujas vozes são abafadas pela cobertura desproporcional, superficial e intrusiva do nascimento real”, diz um comunicado.

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“Nós deveríamos ser uma sociedade democrática, o que significa que deveríamos celebrar e valorizar valores democráticos, como igualdade entre os cidadãos, transparência e liberdade para participar do governo. Em uma sociedade democrática, não há espaço para um chefe de Estado que é colocado lá pelo nascimento e por uma vida inteira. Um monarquia hereditária não tem lugar em uma sociedade que acredita que o povo deveria estar no comando”, argumenta Graham Smith, líder do Republic, em um artigo.

Parte das críticas, em especial à ausência de meritocracia, vem da imprensa. O The Guardian, um dos jornais mais lidos no país, cobriu extensivamente o nascimento do bebê real. Mas, bem visível na página de seu website, há um link onde se lê “Republicano? Clique aqui”. Nele, magicamente, desaparecem as notícias sobre o príncipe de Cambridge.

E, mesmo em sua cobertura, o jornal mostra sua contrariedade à febre da monarquia. Uma sessão especial de “cartas ao bebê real’ escritas por celebridadas republicanas dá um tom político, porém bem-humorado, de oposição, como escreve o crítico literário Terry Eagleton: “Não tenha dúvidas que seus pais se esforçarão ao máximo para se apresentar como seres humanos normais. Nesses dias de democracia, a sobrevivência deles como parasitas ricos depende vitalmente disso.”