O ideal democrático de freios e contrapesos entre um poder que legisla, outro que julga e aquele que executa se tornou motivo de preocupação para uns e júbilo para outros tantos na América Latina em 2012.
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Episódios ocorridos em países como Brasil, Argentina, Paraguai e Venezuela projetam para 2013 crises ou boas perspectivas para a tripartição de poderes, instituto tido como basilar dos sistemas democráticos. Tudo depende da interpretação que se faça.
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso mantiveram disputa definida pelo cientista político Alcides Vaz como “semiembate”: por diferença estreita, o STF se viu na prerrogativa de cassar deputados por ele condenados – sob protestos das cúpulas legislativas. Na Argentina, a Corte Suprema impediu que a presidente Cristina Kirchner colocasse em pleno vigor a Lei da Mídia, que, em tese, democratiza a informação. Na Venezuela, uma juíza foi presa por decidir contra o governo. No Paraguai, o Judiciário aceitou missão de monitoramento da União das Nações Sul-americanas (Unasul) para acompanhar as eleições presidenciais em 21 de abril sem consentimento do Executivo.
Também no Paraguai, o então presidente Fernando Lugo foi deposto pelo Legislativo, em um processo de impeachment criticado por entidades internacionais e países como o Brasil e demais integrantes do Mercosul. Principal crítica: Lugo não teria contado com prazo suficiente para a defesa contra a acusação de “mau desempenho das funções”.
“Democracias em movimento”
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– Sem entrar nas especificidades de cada país, a tensão entre os poderes é real, mas não acho que seja problemática. Se olharmos a década passada, veremos que houve uma refundação do Estado na região. Temos democracias em movimento, em uma região com passado de rupturas institucionais – diz Vaz, professor da Universidade de Brasília (UnB).
Lembrando a história de regimes autoritários polvilhados pela região, Vaz brinda a virada de 2012 para 2013 como “outro momento”, auspicioso, segundo ele.
– Temos democracias em formação e em movimento. Veja bem que esses enfrentamentos mostram um lado de independência entre os poderes. Há parlamentos e Judiciários com proatividade, e isso faz parte dos sistemas democráticos ainda imperfeitos, mas em formação, o que é positivo – disse.
Na Argentina, Cristina x juízes
Somente na semana passada, o Judiciário argentino decidiu duas vezes contra os interesses do Executivo, o que levou a presidente a se queixar. Acusou os juízes do seu país de estarem em descompasso com as aspirações sociais e “divorciados” do povo.
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Quais foram esses casos? Primeiro, a ex-ministra da Economia Felisa Miceli recebeu uma condenação de quatro anos de prisão em um rumoroso caso de corrupção – uma brigada antiexplosivos encontrou
US$ 100 mil escondidos em seu banheiro. Depois, o Grupo Clarín, na noite da mesma quinta-feira, teve acatado o recurso que interpôs para não se ver obrigado a se desfazer de emissoras de TV e outras concessões estatais, alegando direito adquirido.
O cientista político argentino Gabriel Vitullo identifica a mesma fricção entre poderes identificada pelo colega brasileiro Alcides Vaz. Só que interpreta o mesmo fato de maneira negativa.
– Em primeiro lugar, é importante desfazer a ideia de que o instituto dos pesos e contrapesos é intocável. Na verdade, são freios nos avanços populares. Em diversas ocasiões, o Judiciário desempenha o papel moderador. Deve ser questionada a tese da divisão de poderes, porque o Judiciário não tem origem democrática. No caso do Clarín e da Lei da Mídia, isso fica claro. Mesmo com os defeitos, é uma legislação importante, e o Judiciário está segurando sua vigência – disse.
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Zero Hora, então, pergunta: qual seria a alternativa?
– Devemos deixar de ter juízes vitalícios, e esses juízes precisam ser controlados pela população.
Enfim, 2012 deixa um debate fervilhando para 2013.