Três câmeras focam, em diferentes ângulos, dois sacerdotes cujas doutrinas exercem influência determinante nos costumes argentinos. As perguntas transitam por temas delicados, e os religiosos, acomodados em cadeiras de metal no cenário de penumbra que remete à introspecção, ora coincidem, ora discordam respeitosamente. Jamais se furtam a respondê-las.

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Um dos protagonistas do programa Bíblia, Diálogo Vigente é o rabino Abraham Skorka. O outro, o cardeal Jorge Bergoglio, o agora papa Francisco.

Esse cenário de ousadia, simplicidade, aceitação do diferente e abertura ao diálogo serve como a imagem do que se espera de Francisco, o homem que exerceu seu livre-arbítrio e adotou como nome o do santo dos miseráveis e da natureza, que certa vez teria ouvido de Deus o pedido para que não deixasse a Igreja ruir. É uma imagem que corresponde à de Bergoglio durante missa ontem no Vaticano. Cruz de ferro pendente no pescoço, o Papa apresentou sua homilia de pé, deixando de lado o costume de celebrá-la sentado em um trono. Também à imagem de um dia antes, no sábado, quando se encontrou com jornalistas e abençoou os que “não pertencem a nossa Igreja Católica” e os que “não são crentes”.

Mais que um perfil do Papa, portanto, essas são características que as almas otimistas esperam para a Igreja Católica.

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– Abre-se a perspectiva de uma mudança profunda, mas não sei até que ponto ela chegará – diz o padre argentino José Cruchinho, 67 anos, que há três anos celebrou o casamento do próprio filho, pai de seus dois netos.

O estilo do pontífice, portanto, já se tornou clichê. Agora, discute-se: até onde ele chegará? Até onde a Igreja se revestirá das mesmas características do programa que resultou no livro Sobre el Cielo y la Tierra (Sobre o Céu e a Terra)?

O professor argentino Mario Gaspar Sacchi, especialista em política latino-americana, diz ser da mesma geração de Bergoglio (ele tem 74 anos, e o Papa, 76) e ter frequentado o mesmo seminário, como militante político. E assegura:

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– As pessoas que frequentaram aquele seminário até hoje procuram a Igreja de Jesus, mantendo os pés na terra. Bergoglio integra um grupo de gente autêntica. Tanto meu pai quanto o dele eram ferroviários. E o sindicato dos ferroviários sempre lutou por uma melhor sociedade. Ele recebeu essa influência. Poderá ser o Obama do Vaticano.

Feita a análise da pessoa de Bergoglio, Sacchi faz a ressalva:

– Ele enfrentará grandes grupos…

> Linha do tempo: O caminho de Jorge Bergoglio ao papado

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A psicanálise também traça um perfil progressista com as nuanças da mente humana, individual ou coletiva, que vive os embates de ego e superego – o desejo e a estrutura que o limita. Diz o psicólogo argentino Marcelo Hernández:

– Bergoglio tem a visão social diferente da dos papas que o antecederam, perfil psicossocial diferente. Há um sentimento fundacional próximo ao messiânico. E o messianismo não é possível. A estrutura social, para sofrer mudanças, depende de um trabalho de muitos anos.

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A preocupação de Hernández é com a frustração após tanta “efervescência” :

– Sempre que há uma carga de idealização ou uma expectativa desmedida, a frustração corre paralelamente. Haverá grande frustração, mas que será mitigada pela memória que as pessoas têm deste momento. A expectativa será modificada para um nível mais racional, e a frustração será neutralizada. Isso ocorreu com Obama e outros líderes.

Bem de acordo com o programa de TV que Bergoglio dividia com o rabino Skorka, o também rabino argentino Guershon Kwasniewski, da Sociedade Israelita Brasileira de Cultura e Beneficência (Sibra), prevê que a humanidade vai “avançar no diálogo inter-religioso” e na “luta pela justiça social”.