As iniciativas brasileiras de combate à corrupção e a legislação que tenta cercar políticos corruptos estão servindo como modelo a ser replicado na França. É o que afirma o vice-prefeito parisience e presidente da organização de combate à corrupção Anticor, Jean-Pierre Guis.

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Ele está em Florianópolis como convidado do Simpósio de Combate à Corrupção, promovido nesta quinta-feira, às 13 horas, na Fundação Escola de Governo (ENA). Em entrevista ao Diário Catarinense, Jean-Pierre fala sobre os desafios do combate à corrupção na França e no Brasil e sobre as ferramentas que devem ser apropriadas pela população.

Diário Catarinense – O que difere a corrupção no Brasil e na França?

Jean-Pierre Guis – Há três fatores que levam à corrupção: a ambição extrema, o dinheiro e o poder. A corrupção envolve a forma com que nos comportamos frente à moral pública e à ética. A corrupção política é quando a noção do bem público se degrada. O conceito é o mesmo, mas o cenário difere entre o Brasil e a França. Comparativamente, a percepção geral é que no Brasil a corrupção é mais constante que lá. Mas a grande diferença é que a construção da política e a formação dos cargos é completamente diferente entre os dois países. Aqui, há concentração do poder executivo, que tem foco nas pessoas. Mas na França a população também tem esta percepção. De cada quatro franceses, três consideram que os políticos do país são desonestos. Atualmente, a França passa por uma situação de crise moral e de ética jamais vista.

DC – Qual o principal problema enfrentados na França relacionado à corrupção?

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Guis – Atualmente, a maior parte das obras realizadas na França têm custo inferior ao piso imposto por lei para se fazer licitações e chamadas públicas. Logo, a maior parte das obras é apresenta algum conflito de interesses e indicação de empresas conhecidas pelos governantes. Por outro lado, há empresas com problemas que participam das licitações, que são poucas. O que buscamos é que seja aprovada uma lei que proíba que empresas que depositam dinheiro em paraísos fiscais participem das licitações, que é uma forma de barrar esse tipo de corrupção. Na França, parece que só uma regulamentação muito forte pode impedir a corrupção que se tem hoje. Outro problema é que, na França, a legislação atual permite que a corrupção seja afiançável. Há poucos eleitos que são condenados na justiça.

DC – Que ferramentas podem ser utilizadas pela população no combate à corrupção? Guis – Na Anticor, buscamos incentivar a população a votar, já que lá o voto não é obrigatório. Também buscamos conscientizar o povo sobre quem são os candidatos, para que não votem apenas em quem eles vêem na televisão e simpatizam, sem conhecer as propostas. Buscamos reabilitar a ética política e mostrar que há partidos diferentes da extrema direita governante. A cada eleição, fazemos uma carta de intenções, voltadas para a boa governança, que os candidatos assinam voluntariamente. Quando eleitos, eles estão engajados a cumprir o que diz a carta. Nas últimas eleições, tivemos 600 assinaturas e, destes candidatos, 17 foram eleitos. Três não mantiveram a palavra e, agora, responderão a processo. A Lei da Ficha Limpa é um exemplo do Brasil para nós, e hoje está sendo nossa principal reivindicação. O que percebo é que o Brasil tem essa imagem de sofrer muito mais com a corrupção que a França, mas, ao mesmo tempo, a luta contra a corrupção aqui parece ser muito mais forte. Há manifestações extraordinárias nas principais cidades. Há petições com mais de dois milhões de pessoas. Posso falar com pessoas durante um café sobre corrupção. A manifestação popular é grande, e as leis estão se tornando fortes.

DC – E qual a influência da atuação individual das pessoas nesse processo?

Guis – Na França, há um senso de coletividade diferente do Brasil. Aqui, as pessoas tendem a pensar mais no individual. Mas, no meu ver, o problema da corrupção só pode ser solucionado quando se trabalhar individual e coletivamente. A transparência, o controle feito pelos cidadãos e maior rigor na regulamentação é que levarão à solução do problema da corrupção