Caixas encontradas por acaso pelo dono de um sebo de Curitiba podem lançar luz sobre um período ainda bastante obscuro da história de Joinville. O dia a dia de prisioneiros e oficiais em um dos dois campos de concentração instalados em Santa Catarina durante a Segunda Guerra Mundial, o Presídio Político Oscar Schneider de Joinville, está registrado em fotos, livros, listas e outros documentos.

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A dor e o trauma provocados pela perseguição aos “invasores infiltrados”, “espiões” e “agentes de Hitler” são conhecidos de historiadores. Poucos sobreviventes da época falam abertamente sobre o assunto. É comum famílias inteiras respeitarem um silêncio cerimonioso sobre o período em Joinville. Mas há relatos, sempre muito fortes, sobre torturas, interrogatórios e crueldades cometidas contra alemães, italianos e japoneses pela polícia política montada durante o governo de Getúlio Vargas, as delegacias de Ordem Política e Social (Dops).

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Os traumas dessa época foram inclusive tema de uma série de reportagens de “A Notícia”, em setembro de 2003. Mas o que se vê nas imagens e documentos recuperados há dois anos pelo livreiro Paulo José da Costa é um outro lado da mesma história. O de que pessoas comuns, distantes da imagem de espiões perigosos à Pátria, presos em verdadeiros arrastões pela cidade, como o que aconteceu nos dias 30 de agosto e 4 de outubro de 1942, quando mais de 40 pessoas foram detidas. Eram agricultores, trabalhadores da indústria, comerciantes, pedreiros, carpinteiros, um eletricista, um mecânico, um carroceiro e outros sem profissão informada.

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Não se sabe ao certo o motivo real da prisão, mas é comum nos relatos dos sobreviventes a versão de que bastava falar os idiomas inimigos – alemão, italiano e japonês – para ser levado pela polícia. E não é preciso esforço para imaginar o quanto o alemão era, em Joinville das décadas de 1930 e 1940, a língua do dia a dia das pessoas em armazéns, na rua, nas igrejas e, principalmente, nas casas.

– As condições de vida no presídio não eram exatamente intoleráveis ou difíceis, pois o que vemos é gente em ótimas condições de saúde, sorridente, bem disposta e feliz, tomando banho de sol ou à beira do riacho. Eles possuíam até uma biblioteca, onde os livros tinham um carimbo de “Campo de Concentração”, como se pode ver no exemplar que consegui junto com as fotografias. Outro detalhe é a tranquila convivência mostrada entre os detentos e os soldados encarregados de sua guarda – diz o livreiro.

As caixas que continham os documentos foram compradas de uma família que morou em Joinville na época e, depois, se transferiu para Curitiba. Quando o patriarca morreu, há alguns anos, o dono do sebo foi procurado por familiares e adquiriu o material fechado. O tesouro só foi descoberto mais tarde, quando começou a avaliar os volumes.

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As imagens não desmentem todas provas anteriores de que houve, sim, muita dor, muito sofrimento. Mas dá a chance de entender que, em Joinville, a camaradagem também fazia parte das prisões.

As imagens encontradas pelo livreiro, que é conhecido em Curitiba como Paulo da Fígaro, foram catalogadas e publicadas em um post no blog da loja na internet. Paulo José da Costa é ex-funcionário do Banco do Brasil e considera-se um garimpador da memória, procurando em sótãos e porões as fotos antigas, postais, cartas, diários e todo e qualquer objeto com importância e valor históricos, especialmente para o Paraná e Santa Catarina.