O sebo da Ivete não passa despercebido pelas pessoas que frequentam o Centro Leste de Florianópolis, também conhecido como “centro antigo”, à procura de livros no coração da cidade. No calçadão da Rua João Pinto, o sebo pioneiro da capital catarinense foi inaugurado em 1992, e o nome “Sebos Ivete” veio só depois, quando os clientes fiéis começaram a chamá-lo pelo nome da proprietária.

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— Eles diziam: “vou lá no sebo da Ivete”, e o nome pegou — relembra a comerciante.

Sebos de Florianópolis resistem à era digital e dão vida ao Centro Leste

Ivete Berri, de 68 anos, é natural de Blumenau. Na cidade, ela já empreendia e tinha uma loja de confecção de couro com uma sócia. Ainda nos anos 90, antes de considerar se mudar para a capital catarinense, ela viajou, deixando o comércio nas mãos da parceira. Ao retornar, no entanto, ela percebeu que havia sido roubada. Sem saber o que fazer, ouviu o conselho de um amigo próximo, que era dono de sebos que eram referência em Blumenau.

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— Ele disse: “Ivete, vende teu carro, compra prateleiras, mercadorias e abre um sebo” — conta.

Na época, Ivete tinha um fusca, que vendeu. Até hoje, ela não sabe, ao certo, quem a roubou. Só tinha uma certeza: não podia abrir o comércio de livros em Blumenau, porque não queria ser concorrente do amigo.

— Aí, eu vim para Florianópolis. Fucei aqui e ali, mas não encontrei nenhum sebo. Isso já faz 32 anos. Me questionei: “será que o pessoal de Florianópolis não lê?” — recorda.

Ivete começou o sebo há 32 anos

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Apesar das dificuldades iniciais, como os alugueis caros — que a fizeram, inicialmente, alugar um espaço minúsculo ao final da Rua João Pinto — e um mercado pouco explorado na cidade, Ivete encontrou um público fiel, que não só adotou o sebo como também o batizou.

A sala onde tudo começou, além de ser do tamanho do que é um corredor de prateleira no sebo de Ivete atualmente, estava cheia de lama e não tinha banheiro, mas era o que ela podia pagar. Um pouco com a ajuda do amigo e um pouco sozinha, o lugar foi limpo e um banheiro foi construído.

— Quando comecei, eu atendia sozinha. Era das 7h às 19h. Eu almoçava no balcão, e assim foi — recorda ela.

Na época, o espaço pequeno era suficiente para caber os livros que tinha, mas atualmente, com prateleiras até o teto, Ivete tem cerca de 15 mil exemplares, que estão se tornando demais para o local, que ainda fica no calçadão da Rua João Pinto, mas em outro número: 111. O sebo está lá há 12 anos. Antes do local novo, ela ainda se mudou outra vez.

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— O primeiro sebo foi naquele “corredor comprido”, aí ficou pequeno. Aí, eu fui para uma sala da frente, que ficou pequena. No fim, eu vim para cá, e agora está pequeno — brinca a comerciante.

Catalogação dos livros é “de cabeça”

Apesar do grande volume de livros, a catalogação não depende de um sistema: está toda na “cabeça” de Ivete e das funcionárias. Débora de Souza, de 49 anos, é uma das mais antigas de Ivete. Ela está com ela há 11 anos, e é a ela quem Ivete recorre quando é questionada da própria idade, dada a intimidade das duas.

Após 11 anos de cumplicidade, Débora e Ivete são amigas (Foto: Ana Menezes, NSC Total)

O público é fiel, e às vezes até pergunta a Débora indicações de títulos quando vai ao sebo. Como elas não têm catalogação on-line, as funcionárias são a “enciclopédia” dos clientes. Apesar de ter bastante trabalho, Débora ama o que faz.

— Era um sonho trabalhar com livros. Não consigo me imaginar fazendo outra coisa. Um dia eu falei para a Ivete: “tá, Ivete, e no dia que você se for, como vai ser?”. A gente tem que pensar, né — compartilha a preocupação.

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Ela conheceu Ivete através do cunhado, há 11 anos. Antes disso, ela já havia trabalhado com várias coisas, indo de fábricas de móveis até cozinha.

— Meu cunhado era cabeleireiro nessa rua, e ele e a Ivete se conheciam. Ele me falou que ela estava precisando de alguém, eu topei, ele conversou com ela e fez a ponte. Na época, ele falou para ela que eu entendia “tudo” de computador, mas isso não era verdade — relembra, em meio a risadas.

Quando Débora começou, Ivete agradeceu por, finalmente, ter alguém que “entendia de computador”. Na época, a comerciante ainda trabalhava com a Estante Virtual, uma plataforma que vende livros novos, seminovos e usados, onde comerciantes se cadastram e podem vender seus produtos online.

— Eu quebrei a cabeça, porque fiquei responsável por isso. Cheguei crua de tudo. Eu não conhecia nomes de autores, e pensei: “meu Deus, eu não vou dar conta”. Chorei muito atrás dessas prateleiras. Achei que ia enlouquecer, era muito livro, muito livro — conta.

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Agora, ao ver que não vale à pena continuar na Estante Virtual para o sebo, financeiramente, elas mantêm as vendas dos exemplares somente de maneira física.

Débora conta, ainda, que “dona Ivete”, na época em que ela começou, era muito rígida, mas já mudou muito. Hoje, elas cultivam uma amizade.

— Como é uma microempresa, patrão e funcionário acabam se envolvendo bem mais. Agora, somos amigas. A gente depende dela, e ela depende da gente. É uma união — diz.

“Sebo é para ser fuçado”

Ivete vê diferenças no público de sebos em Blumenau e em Florianópolis. Na cidade natal, é comum explorar as estantes, que, de acordo com ela, é a “maneira correta” de frequentar um sebo.

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— O sebo é para ser “fuçado”. Aqui, tem clientes que ficam bravos quando perguntam se tal livro está no sistema, e respondemos não. Alguns vão embora — conta Ivete.

Mesmo com a comparação, Ivete fala com paixão da Capital, e decora o sebo com a “temática manezinha”. Há bruxas da Ilha penduradas e quadros com fotos de pontos turísticos de Florianópolis nas paredes, que Ivete adquiriu de livros e revistas que chegaram ao sebo.

Veja a decoração manezinha

O sebo rende histórias, que divertem Ivete até hoje. É o que ela conta ao mostrar um exemplar que chegou ao comércio, que tem uma capa preta com um recado: “não está à venda”, que ela adicionou posteriormente.

Livro achado em meio a doações, tem formato de arma de fogo no meio (Foto: Ana Menezes, NSC Total)

Organização e limpeza do sebo se dá por movimento

O sebo é organizado por assunto e sobrenome do autor, principalmente. O movimento que Ivete gosta de ver no local também ajuda na limpeza dos livros. Por estarem sempre sendo tocados pelos clientes ou pelas funcionárias, eles permanecem livres de poeira. As pessoas, inclusive, costumam dizer que o local “não tem cheiro de sebo”.

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— O pessoal vai fuçando, vai mexendo, não dá tempo do livro pegar o mofo ou de pegar aquele cheiro — comenta a dona.

Os livros chegam ao sebo principalmente por compra, trocas e vendas dos clientes.

— Antigamente, a gente guardava tudo em casa, mas hoje em dia não há mais necessidade. Você paga R$ 10 em um livro, depois chega aqui e leva outro livro naquele valor, e assim vai indo — diz ela sobre o fluxo de clientes.

Procura por títulos varia junto com o público

A procura por títulos está sempre em mudança, com exceção para alguns livros, como Harry Potter, que segue sendo procurado pelo público. De acordo com Débora, o “xuxuzinho” do momento é o livro É Assim Que Acaba (2016), da autora Colleen Hoover. Qualquer livro que ganha uma adaptação literária nos cinemas, como é o caso desse, automaticamente passa a vender mais, de acordo com ela.

As redes sociais também influenciam: graças ao TikTok, obras de Machado de Assis, como Memórias Póstumas de Brás Cubas, se tornaram um sucesso de vendas no sebo.

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O público varia, dos mais velhos aos mais jovens. É o que Ana Laura Horst Paludo, de 21 anos, que frequenta o sebo desde o ensino médio, sente. Hoje, ela já está no terceiro ano do curso de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

— Eu amo o sebo da Ivete. Para mim, ele traz algo que as livrarias convencionais não trazem. E eu acho que o público dele varia bastante. Acho que ele tem dois públicos bem claros: tem um pessoal que parece que vai se aposentar em breve ou está aposentado, e tem um pessoal bem jovem que tá no ensino médio ou na faculdade procurando coisas diferentes — comenta a estudante.

Público vai dos mais jovens aos mais velhos (Foto: Lucas Amorelli, DC)

Para Ana Laura, o sebo da Ivete é um espaço aconchegante.

— Eu posso passar horas lá, olhando diversos livros que não vão ser aqueles óbvios recomendados no TikTok ou na internet, por exemplo. São livros, alguns antigos, alguns mais atuais, mas livros diferentes — diz.

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*Sob supervisão de Andréa da Luz

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