Em 1978, o governo italiano julgava o militante Renato Curcio, membro da famosa organização de esquerda Brigadas Vermelhas, em Turim. Com o clima de insegurança que rondava o país, os jornais foram obrigados a acompanhar tudo do lado de fora do prédio. Percebendo que corria o risco de perder uma chance única, o fotojornalista Antônio Carlos Mafalda resolveu procurar pela porta de trás do prédio, onde convenceu o chefe da operação – mesmo sem falar uma palavra de italiano – a deixá-lo entrar. O resultado da ousadia é a única foto conhecida do guerrilheiro feita durante o julgamento.

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– Comecei a trabalhar como fotógrafo em 1970, em Carazinho, no Rio Grande do Sul, mas nessa época já sabia o que as agências jornalísticas internacionais buscavam. Como toda a imprensa estava proibida de entrar no prédio, minha preocupação era provar que eu realmente havia feito aquela imagem. Numa mistura de português, inglês e italiano, pedi a um dos juízes – de toga e tudo – que me fotografasse na cena – relembra Mafalda, hoje com 65 anos.

Profissão de risco: Mafalda foi escalado para cobrir a guerrilha do Araguaia, no começo dos anos 1970. Quando o avião em que estava viajando ficou sem gasolina, o fotógrafo teve que buscar combustível, a cavalo, armado e temendo ser pego pelo confronto. Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

As lembranças do jornalista, que atualmente é fotógrafo do Governo do Estado e responsável pela agência fotográfica Mafalda Press, se confundem em meio a tantas guerras, jogos de futebol, desastres naturais e eventos históricos.

Na década de 1970, para registrar o conflito entre sandinistas e o governo da Nicarágua, Mafalda atravessou ilegalmente a fronteira com a Costa Rica e manteve contato com os guerrilheiros durante semanas. Em 1980, jogou um chapéu gaúcho para o papa João Paulo II, o que lhe rendeu uma das imagens mais repercutidas durante a visita papal ao Brasil.

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De improviso: Enquanto os jornais do mundo inteiro acompanhavam o julgamento do italiano Renato Curcio do lado de fora, Mafalda entrou pela porta de trás e fez a única foto do guerrilheiro dentro do prédio. “Quando me vi lá dentro fiquei emocionado e fotografei Curcio. Na dúvida, primeiro fotografo, depois pergunto”, revela o fotógrafo. Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Em Santa Catarina, na enchente que assolou Blumenau e região em 1983, o helicóptero que levava Mafalda e um repórter da TV Globo sofreu uma pane e caiu no Rio Itajaí-Açu. Assim que percebeu o que estava acontecendo, o fotógrafo colou a câmera no vidro e registrou a queda da aeronave. “Não é hoje que eu morro”, pensou. Após ser resgatado, voltou para Florianópolis para descobrir que a aventura já era notícia nacional.

– Minhas fotos precisam de gente. As pessoas são o fio condutor entre a imagem e o sentimento que o registro mostra.

Vida política agitada: O fotógrafo se tornou amigo e admirador de Leonel Brizola, e quando este precisou deixar correndo o Uruguai às pressas em 1977, Mafalda estava lá para registrar. “Me interesso por política desde muito antes de virar fotógrafo”, conta. Foto: Antônio Carlos Mafalda/Arquivo pessoal.

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Do Continente para as agências internacionais

As narrativas contadas pelas lentes de Mafalda em mais de quatro décadas geraram reconhecimento para que o fotógrafo concretizasse um sonho da juventude: montar uma agência de fotos independente.

Em 2002, já trabalhando como assessor do governo estadual há cerca de cinco anos, o fotógrafo e a mulher Imara Stallbaum – também jornalista, além de companheira de coberturas – montaram a Mafalda Press, no Balneário Estreito, em Florianópolis. A iniciativa é tocada pelo casal e pelas filhas Jana e Petra, e já teve sete fotógrafos trabalhando.

Comprometimento: Mafalda foi Editor de Fotografia do Diário Catarinense entre 1988 e 1992. Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

– Eu percebia esse crescimento das agências desde a década de 1980 e fiz o possível para criar repercussão internacional para o meu trabalho. Hoje, se uma agência europeia precisa de uma foto no Sul do Brasil, a Mafalda Press é um dos contatos a quem eles recorrem – conta o fotógrafo, que já trabalhou com a Agence France-Presse (AFP), Associated Press (AP), a United Press International (UPI).

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Família de jornalistas: o fotógrafo com a esposa Imara Stallbaum e as filhas Petra e Jana, todos integrantes da agência de fotografia do Continente, Mafalda Press. Foto: Daniel Conzi/Agência RBS