Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo, localizaram o fóssil mais antigo de escorpião da América Latina em Canoinhas, no Norte de Santa Catarina. Ele também é o segundo mais antigo do hemisfério Sul da Terra. 

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O fóssil foi encontrado em 2005, quando paleontologistas exploravam a região em busca de uma espécie extinta de conífera, semelhante a um pinheiro. Só que eles não viram que, em meio às amostras, estava simplesmente o fóssil de um artrópode de 260 milhões de anos, mais antigo até mesmo do que os dinossauros. 

Ele foi estudado apenas dez anos depois e inspirou o artigo publicado em 2020 em um jornal científico internacional. Durante 2015, o professor doutor Ariel Milani Martine retirou o material do laboratório da universidade para estudá-lo durante seu doutorado. Ele foi o principal dentre os autores brasileiros da publicação científica que descreve o exemplar no Journal of South American Earth Sciences.  

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Aluno encontrou fóssil dias após a coleta 

Frésia Branco e pesquisadores durante coleta de amostras em 2005
Frésia Branco e pesquisadores durante coleta de amostras em 2005 (Foto: arquivo pessoal)

O material foi encontrado pela paleobotânica Frésia Ricardi Branco há 15 anos. A professora e especialista em plantas fósseis parou o carro às margens da BR-280, próximo à divisa entre Canoinhas com o Paraná. Uma semana depois, quando já havia retornado à universidade em Campinas, um dos alunos de Frésia percebeu os vestígios de um escorpião preservados em uma rocha. 

Foi possível identificar apenas a parte inferior do corpo do artrópode e, possivelmente, a outra parte ficou no local de onde foi retirado. O fóssil foi destinado ao arquivo de coleção da universidade e lá permaneceu por dez anos sem ser estudado.

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Antes dos dinossauros

Fóssil do escorpião Suraju itayma, o mais antigo da América Latina
Fóssil do escorpião Suraju itayma, o mais antigo da América Latina (Foto: arquivo pessoal)

O professor Ariel conta que durante o período no qual o escorpião viveu, entre 260 e 270 milhões de anos atrás, os continentes do planeta estavam todos unificados na chamada Pangeia. O período corresponde ao fim da era geológica denominada Paleozoico. 

Conforme o professor, a nova espécie de escorpião, que recebeu o nome científico de Suraju itayma, é a mais antiga da América Latina e a segunda mais antiga do hemisfério Sul da Terra. 

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Antes dela, está a espécie batizada de Gondwanascorpio emzantsiensis, que foi localizada em 2013 na África do Sul e viveu na Terra há cerca de 360 milhões de anos. 

O escorpião encontrado em terras catarinenses já existia antes mesmo do aparecimento dos dinossauros, que só surgiram depois, há cerca de 225 milhões de anos.

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– Depois do Suraju, o mais próximo que temos é algo em torno de 100 e 110 milhões de anos, encontrado, inclusive, no Brasil, no Ceará. Mas o Suraju com certeza é o mais antigo da América Latina e acho difícil achar um mais antigo que ele, pelo menos por enquanto – afirma.

O professor também explica que, atualmente, os estudos são divididos entre biota (conjuntos de animais, plantas e demais seres vivos) do hemisfério Sul, chamada Gondwana, e do hemisfério Norte, chamada Laurásia, considerando a unificação dos continentes que formava a Pangeia. 

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– Na região da Gondwana, o animal encontrado em Santa Catarina é o segundo mais antigo, atrás apenas do localizado na África do Sul. Ao que tudo indica, os escorpiões surgiram no hemisfério Norte, por isso lá há mais registros muito mais antigos. A grande novidade está na parte Sul – acrescenta. 

Ilustração mostra formação dos continentes a partir da Pangeia
Ilustração mostra formação dos continentes a partir da Pangeia (Foto: divulgação, IBGE)

Ainda conforme Ariel, o nome Suraju itayma é de origem indígena. Suraju deriva do Tupi e é a forma como eles chamavam os escorpiões. Já o termo “itá” remete à “pedra” e “yma” a “algo do passado remoto”, o que levaria o nome científico ao significado de “escorpião da rocha antiga”.  

Características que o diferenciam mundialmente 

Conforme o pesquisador Ariel, a parte preservada do fóssil corresponde à região inferior do abdome do artrópode. Dentre as principais características que o diferenciam de outras, e que, inclusive, são premissas para identificá-lo enquanto uma nova espécie, estão o seu tamanho (cerca de apenas quatro centímetros), hábitos francamente terrestres e a dimensão do aguilhão, que seria o ferrão na “cauda”. Algumas dessas características também o diferenciam mundialmente.  

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– Na região da “barriga” dele a gente encontra estigmas respiratórios, que são espécies de buraquinhos para respirar e indicam um hábito totalmente terrestre, diferente de outras espécies da mesma época e também mais antigas, as quais possuíam fendas na barriga semelhantes a brânquias que caracterizam hábitos aquáticos. Dentre os escorpiões modernos, o Suraju talvez seja um dos representantes mais antigos a ter essas características, e isso a nível mundial. Além disso, essa espécie é a que tem o menor ferrão de todos os existentes, o que nos leva a crer que nem usasse o veneno para abater presas. Talvez seja apenas um ferrão vestigial e ele usasse as pinças da frente para abater presas pequenas – explica.  

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Região de Canoinhas na época da Pangeia

Conforme o pesquisador, o Sul do Brasil passou por eventos geológicos muito diferentes do que se imagina, como até mesmo glaciações, que são as eras de gelo. Ele explica que, quando o escorpião viveu na região de Canoinhas, o ambiente era árido, com pouca incidência de chuva, seco e com ambientes espaçados com espécies de pinheiros. 

Como ocorre em toda a região mais quente, quando há chuva, eventualmente, elas acabam lavando a planície. A região possuía algo semelhante a lagos, os chamados corpos da água, que secavam em algumas épocas do ano e acumulavam sal em suas bordas. Todo esse material, como carcaça de escorpiões e dos pinheiros, era depositado em sedimentos ao fundo dos corpos da água após serem levados pela chuva. 

– Depois acabou virando rocha e transformando em fóssil o material depositado em meio ao sedimento – acrescenta. 

O pesquisador ilustrou a possível região de Canoinhas da época, onde o escorpião vivia. Em primeiro plano está o artrópode. Na sequência da imagem, estão as árvores onde eles deveriam viver em meio ao substrato e, ao fundo, a tempestade mostra o evento de inundação que se aproxima.    

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Ilustração feita pelo pesquisador
Ilustração feita pelo pesquisador (Foto: arquivo pessoal, Ariel Martine)

Ariel ainda pontua que a característica de ambiente árido é percebida até hoje nas regiões onde vivem os escorpiões. 

– Esses escorpiões mais antigos, principalmente no hemisfério Norte, tinham hábitos aquáticos e todos se fossilizaram em regiões litorâneas ou pantanosas. Essa é a diferença desse nosso bicho, porque ele abandonou o ambiente aquático e vivia na região desértica, o que é pouco comum para escorpiões dessa época. É comum para escorpiões atuais. Por isso, acredito que, talvez, ele seja um dos primeiros representantes da biota atual de escorpiões, inclusive no formato do corpo – ressalta. 

Pesquisa contribui para história evolutiva 

O pesquisador ressalta que a contribuição de uma achado como esse está em conhecer o passado, especialmente para moradores da região. 

– Isso prova que, ao longo do tempo, o ambiente vai se alterando, fruto de fenômenos naturais os quais geraram extinções no passado e podem gerar hoje também. Só que, atualmente, as mudanças ambientais são causadas por nossa interferência – alerta. 

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Para ele, a pesquisa também contribui para a história evolutiva dos escorpiões, que fazem parte de um dos grupos mais antigos de invertebrados terrestres. 

– Quando falamos que o formato desses bichos depois do Sufraju mudou muito pouco, isso é uma prova de sucesso evolutivo. Ele acabou tendo uma morfologia muito plástica e se adequa a vários ambientes e situações. É difícil de organismos alcançarem isso – destaca.