Dando maior representatividade para os povos originários construírem políticas públicas de acessibilidade ao meio audiovisual, dois indígenas de Santa Catarina foram nomeados para ocupar, pela primeira vez na história, cadeiras no comitê gestor do Fórum Setorial Permanente Audiovisual de Santa Catarina (FSPAv). A cerimônia de posse de Jucelino Senei Filho e Fernando Xokleng aconteceu na terça-feira (26), durante o festival de cinema Florianópolis Audiovisual Mercosul (FAM), quando dez novos membros foram eleitos para o grupo.
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Composto por cineastas representantes de todas as mesorregiões do Estado, o FSPAv é responsável, desde 2013, por pensar políticas públicas e discutir melhorias para o desenvolvimento do setor audiovisual em Santa Catarina, como garantia de acessibilidade e elaboração de novos documentos.
A representação de Jucelino e Fernando, indígenas do povo Xokleng e nativos da região Ibirama-La Klãnõ, no Alto Vale do Itajaí, vai se basear na desburocratização dos editais e na facilitação de entrada e participação de mais indígenas em projetos audiovisuais.
— Vamos pensar novas formas de fazer cinema com incentivo público e pensar o cinema catarinense de uma forma geral, de como ele pode ser mais democrático e mais acessível para os povos — destacou Jucelino, que possui longa experiência na área do cinema e está nas fases finais de graduação em jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
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Para Fernando, que também está próximo de se formar em jornalismo pela UFSC, a importância da representação em ser um dos primeiros indígenas a ocuparem a cadeira do comitê tem “dois lados”.
— Feliz por sermos os primeiros a ter essa representatividade, mas demonstra também quanto tempo a gente ficou longe desse mundo que é o cinema, historicamente mais elitizado — destacou.
— Além de poder levar nossas demandas através do audiovisual, nossas lutas, nossas problemáticas, nossas visões de mundo e também a beleza da nossa arte e da nossa cultura, além de tudo, é conseguir também formar profissionais nessa área — ressaltou, dando importância para o audiovisual como ferramenta de inclusão e visibilidade para os povos indígenas.
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A eleição ocorrida na terça-feira tem um caráter provisório de 30 dias, quando será feita outra votação para definir a ocupação de forma definitiva no comitê. No entanto, as cadeiras de representação já foram garantidas pelos estudantes.
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— Ainda teremos outras reuniões, mas o audiovisual vai avançar bastante. Antes, nem mesmo quando era provisório, era pensado nisso, entende — afirmou Jucelino.
Ativistas, comunicadores e parentes
Ativistas das causas dos povos originários, comunicadores, primos de sangue e com uma trajetória intimamente ligada, Jucelino e Fernando possuem muita história para contar. Mesmo sendo da mesma família, os dois moravam em aldeias diferentes e só se conheceram em 2015, por conta de uma confraternização de família, e logo descobriram um objetivo em comum: cursar jornalismo.
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No meio do caminho, Jucelino participou da produção do filme “Aqueles que contam histórias”, quando um projeto levou uma oficina de cinema para a aldeia Plipatól, no município de José Boiteux, para documentar os 100 anos do “Dia do Contato” do povo Xokleng com os não indígenas.
Desde então, viu no audiovisual um propósito de vida e tem se dedicado a produção, direção e filmagem de diversos produtos cinematográficos, entre os quais Vanh gõ to Laklãnõ (2022) e Aqui Onde Tudo Acaba (2023), premiados nacionalmente e internacionalmente. O primeiro, financiado por edital da Fundação Catarinense de Cultura (FCC), foi agraciado como “Melhor Curta” no renomado Prêmio Canal Brasil e como “Melhor Documentário” no Festival de cinema de Santa Tereza, no Espírito Santo, e segue rodando festivais Brasil afora.
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Aos 28 anos, Jucelino é cineasta na produtora catarinense Filmes Que Voam e idealizador e curador do Portal de Saberes Laklãnõ/Xokleng, agência de notícias que funciona como uma “enciclopédia” do povo Xokleng e demais povos que habitam a Terra Indígena Laklãnõ, como os Guaranis e os Kaingangs, armazenando um vasto material escrito e gravado sobre a história, identidade e cultura dessas etnias.
— Por isso que é importante a gente fazer parte disso (do FSPAv), porque a gente vai estar mostrando a dificuldade dos povos indígenas para fazer cinema em Santa Catarina. Vamos tentar buscar melhorias para isso, para que mais realizadores indígenas entrem no meio do audiovisual. As histórias são muito lindas e devem ser contadas, mas a burocracia dificulta tudo isso — ressaltou Jucelino, que segue participando e produzindo conteúdo sobre a luta indígena em nível universitário, estadual e nacional.
Jornalismo e música
Aos 35 anos, Fernando Xokleng encontrou uma forma de dar retorno e visibilidade para sua comunidade e de participar de forma ativa das causas e lutas indígenas através do jornalismo, como pela cobertura noticiosa e fotográfica de acampamentos em Brasília e também em participações de projetos como o Portal de Saberes e o Mídia Nativa On, que se propõem a serem mídias alternativas às tradicionais.
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— Estou acompanhando e cobrindo a luta indígena contra o Marco Temporal desde a primeira vez que o povo Xokleng foi à Brasília, em 2021 — ressaltou Fernando, que, a partir daquele momento, passou a escrever músicas sobre a realidade dos povos.
Autor de músicas como “Resistência” e “Minha luta minha história”, Fernando usa o rap como mais uma das formas de expressar o local de onde vem e denunciar as explorações que os povos indígenas sofreram e ainda sofrem na sociedade contemporânea.
— É quase um relato do que vivemos e sofremos, a história vistas por nós mesmos e dessa vez como protagonistas, não só como coadjuvantes. Descobri na música uma forma de estar levando nossas demandas, nossa voz, para mais espaços da sociedade — destacou o comunicador, nativo da aldeia Rio do Toldo, no município de Itaiópolis.
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