Há quatro anos como embaixador do Brasil na Coreia do Norte, o catarinense Roberto Colin, 62 anos, se reuniu ontem no país asiático com o Ministério de Relações Exteriores norte-coreano. No encontro, marcado antes mesmo do teste da bomba de hidrogênio ocorrido na quarta-feira, o blumenauense foi informado pelos representantes locais que a avaliação do explosivo é uma medida de autodefesa. Os norte-coreanos destacaram que o teste é importante para a proteção do país. Na concepção dos asiáticos, os constantes exercícios militares da Coreia do Sul e dos Estados Unidos na fronteira com a Coreia do Norte representam uma ameaça.
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Por isso, Colin presenciou uma comemoração dos norte-coreanos nas ruas de Pyongyang, Capital do país, ao receberem a mensagem de uma porta-voz do governo nos telões espalhados pela região central de que o teste havia ocorrido com sucesso. A repercussão internacional, porém, foi contrária à felicidade da população local.
Em entrevista ao DC por telefone direto de Pyongyang, o catarinense, que deve deixar a embaixada na Coreia do Norte na metade do ano para assumir o mesmo posto na Estônia, dá detalhes da situação no país nos últimos dias e relata as motivações dadas pelas autoridades para o teste.
Como foram os momentos após o anúncio do teste da bomba de hidrogênio?
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A situação está calma e esteve calma durante todo o tempo. O anúncio foi feito pela TV e telões. Vi manifestações de pessoas aplaudindo, se sentindo orgulhosas. O governo disse que foi um grande feito, da maior importância, que será registrado nos anais da história de 5 mil anos do país, muito embora ainda existam dúvidas entre analistas se teria sido um teste semelhante ao de fevereiro de 2013 ou se foi efetivamente como eles afirmam. Estive em contato com o governo local hoje (ontem). Dizem que foi uma medida de autodefesa e que ela é importante para proteção do país. O pensamento deles é: “Não temos quem nos proteja, o nosso povo se apoia nas nossas próprias forças”. Eles se referem aos Estados Unidos. Os Estados Unidos e a Coreia (do Sul) realizam exercícios junto à fronteira, na zona desmilitarizada, e o governo local sempre se preocupa. Eles temem que seja um prelúdio de uma invasão. O que eles me disseram é que quando a comunidade internacional condenou esse teste, deveria levar em conta a situação tensa e instável na região. Eles atribuem a ação aos exercícios e que precisavam uma forma para evitar a intervenção dos EUA. Interpreto que esse teste tem dois objetivos: um é de evitar que qualquer país seja tentado a intervir e a outra razão é pressionar os americanos na mesa de negociação para a assinatura de um acordo de paz. O problema é que os EUA dizem que só vão conversar quando os norte-coreanos abandonarem o programa nuclear. Não acredito que eles façam porque consideram isso vital para a própria sobrevivência.
Como a população reagiu?
Para a população foi um sinal de progresso científico. Isso é visto como fundamental para a defesa do país. Quando se fala em população local, não se sabe totalmente a opinião porque aqui não existe uma imprensa livre. Tudo que existe é do Estado.
Deu para sentir algum impacto do teste na Capital?
Foi muito distante. Li que naquela região foi registrado um tremor de terra. Logo se suspeitou do teste, que ocorreu no Norte do país. Os chineses também sentiram que houve um tremor.
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O senhor foi chamado ao Brasil?
Não. Não há ameaça grave. Estavam fazendo um teste, não soltaram a bomba. Também ocorreram testes anteriores, ninguém sabe quantas ogivas são. Esse foi o quarto teste nos últimos anos.
Houve um contato seu com o Itamaraty?
Fiz um longo relato ao Itamaraty, que depois emitiu uma nota onde o Brasil expressa preocupação com o teste, condena porque considera violação a resoluções da ONU. O Brasil convida a Coreia do Norte a voltar as negociações do grupo hexapartite (formado por países como China e Rússia), grupo que discutiu a questão do desarmamento, mas infelizmente esse grupo que costumava se reunir na China não se reúne há vários anos.
Esse ato fortalece o ditador Kim Jong-un?
Ele o fortalece perante à população porque em maio próximo haverá o sétimo congresso do Partido dos Trabalhadores, que está à frente do país. O último congresso foi em 1980. Há 36 anos há um hiato desde a última realização e é um momento que eles fazem uma avaliação dos avanços e progressos e fazem um programa de ação. Há expectativa de que possam ser tomadas decisões até de reforma da economia e tudo mais. Esse teste é possível que o tempo tenha a ver com o fato de ele ter que mostrar um grande feito, importante para a defesa nacional.
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Como o senhor avalia os atos de Kim Jon-un?
Na minha avaliação, eles causam preocupação porque violam regulamentos internacionais, desrespeitando resoluções da ONU. Mas a impressão, e converso com colegas de outras embaixadas, somos 24 aqui no país, é que o regime parece muito racional e previsível. Não quero dizer que não cometa erros de avaliação. Há cálculo por trás disso. Eles entendem que traz prejuízos para a relação com a comunidade internacional, mas a médio e longo prazo é necessário para pressionar os americanos para a assinatura de um acordo de paz. Essa é a lógica, eles têm em conta de que haverá prejuízos, de quem em longo prazo é importante como persuasão e futura negociação com o EUA, inclusive porque haverá eleições americanas e eles querem que esse assunto entre na pauta e agenda dos candidatos. Eles querem ter visibilidade internacional, sobretudo em momento que as notícias focam no Oriente Médio. Eles dizem que recursos importantes precisam se deslocados para a defesa. Os norte-coreanos falam que se veem obrigados em investir na defesa nacional.
Devem haver novos atos de testes nucleares?
Não é impossível. Nos anos anteriores, sempre que fizeram teste nuclear, também ocorreram depois teste de mísseis. Eles têm programa espacial. Há suspeita de que a mesma tecnologia desses mísseis que lançam satélites podem ser usado por mísseis para ação intercontinental. Porque de nada adiante ter uma bomba nuclear ou H se não ter como transportá-la. Eles precisam de um míssil. Eles afirmam e reafirmam que não tem interesse e plano de usar militarmente as armas a menos que o país seja atacado, que é para fins defensivos.
Diante das sanções que o país sofre, como está a situação econômica da Coreia do Norte?
É curioso que apesar de tantas sanções e de estar totalmente desconectado do sistema financeiro, o banco central da Coreia do Sul, que analisa as pautas de exportação, afirma o país tem crescido. Modestamente, mas não está estagnado. Veja que aqui há uma classe média que está crescendo, que o consumo aumentou, abriram mais restaurantes, supermercados, pauta de produtos cresceu. O que mostra de alguma maneira, que apesar de tantas sanções, eles têm conseguido crescer. Existe um contraste entre a Capital e o campo. Se veem várias regiões atrasadas no campo, muito por conta do fim do período socialista em 1991 em que o país perdeu parceiros econômicos e sociais.
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Diante desse último teste há um clima de instabilidade no país?
O clima é de grande estabilidade e a avaliação é de que o regime é bastante estável e sustentável. Como o teste nucelar, deve aumentar essa estabilidade.
Mas para a comunidade internacional a imagem é outra.
As imagens que vejo na televisão mostradas para o mundo são de outros momentos e épocas, que parece que a Coreia do Norte está em pé de guerra. São imagens de desfiles, mas isso ocorre só em ocasiões especiais. Essa imagem de que o país está em guerra não é verdade. É verdade em parte por conta dos exercícios do EUA e sul-coreanos que provocam mobilização das forças, que não sabem se é exercício ou preparativo para um a invasão.
Como o senhor ficou sabendo do teste?
Foi às 10h, no horário local. Tenho funcionários coreanos, que me chamaram a atenção. Liguei a televisão e a KCNA (Agência Central de Notícias da Coreia) estava fazendo o anúncio. Duas horas depois saiu uma nota do governo para a comunidade internacional. O anúncio na TV foi feita por uma locutora do noticiário em tom triunfalista e de regozijo.
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O líder aparece com frequência?
Com alguma frequência. O pai dele só fez discurso uma vez. Esse atual líder aparece mais. A última vez foi no discurso de ano novo. Ele se dirige não só pela televisão, mas anda pela cidade o tempo todo, todos o dias. A TV mostra ele representando, visitando escolas, se mostra muito presente. Ele se mostra uma pessoa ligada ao povo.
Se vê nas ruas a mobilização dos militares?
Não se vê. Só nos grandes eventos. Você não vê esse tipo de demonstração. O teste da bomba h foi de surpresa, porque no discurso de ano nov ele menciona o poderio militar, mas não fez menção a questões militares e ao programa militar, por isso causou grande surpresa. Mas, no outro discurso no início de dezembro, ele tinha cantado a pedra. Ele disse: “o nosso país tem todos os elementos para autodefesa e a tecnologia para bomba atômica”. Isso deixou a dúvida se foi só uma menção.