Ouvir o choro da filha recém-nascida ecoar pelo corredor do Hospital Nossa Senhora dos Navegantes, em Torres, foi um alívio para o técnico em manutenção industrial Emerson Guimarães, 41 anos. Mas o parto, uma cesariana contra a vontade da família, também não deixou de ser uma frustração.

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– Minha mulher não teve o direito de escolher como minha filha ia nascer e eu ainda fui impedido de assistir o parto, que eu tanto queria – lamenta.

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Na madrugada de segunda-feira, um oficial de Justiça, acompanhado por pelo menos seis policiais militares, segundo Guimarães, foi até a casa da família, na localidade de Campo Bonito, zona rural de Torres, para levar Adelir Lemos de Goes até o hospital. A ação era em cumprimento a uma ordem judicial expedida horas antes, após a intervenção da Promotoria de Justiça no caso.

Emerson Guimarães, 41 anos, pai da menina

Foto: Bruno Alencastro, Agência RBS

O promotor de Justiça Octavio Noronha, que ingressou com a ação, alega que o pedido visava garantir o direito à vida do nascituro e foi embasada em laudo técnico da obstetra que atendeu Adelir à tarde. A gestante havia sentido dores e foi procurar atendimento, mas se recusou a seguir a recomendação de fazer uma cesariana. Conforme o laudo médico, a criança estava em pé e corria o risco de ser asfixiada pelo cordão umbilical. Além disso, Adelir já havia passado por duas cesarianas e havia perigo de rompimento da cicatriz deixada pelas cirurgias.

A doula Stephany Hendz, 20 anos, que acompanhava a gestação de Adelir desde a 34ª semana, esteve na consulta que antecedeu a intervenção judicial. Na manhã desta quarta-feira, vestindo uma camiseta em defesa do parto natural em casa, Stephany ainda manifestava indignação com o desfecho do caso.

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– Nós sentimos a cabeça do bebê encaixada, ouvimos os batimentos do coração na lateral da barriga, como que a criança estava em pé? – questiona.

Stephany argumenta que não há provas de que a médica estava correta, já que não foram apresentadas ecografias e o pai foi impedido de assistir ao parto. A doula pretende processar o hospital e denunciar a obstetra ao Conselho Regional de Medicina.

Segundo o diretor técnico do Hospital Nossa Senhora dos Navegantes, Marcelo Fagundes, durante o parto foi constatada presença de mecônio no líquido amniótico, o que seria um sinal de sofrimento fetal, e a parede do útero da paciente estava fina, indicativo de início de ruptura uterina.

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_ Se há situação que pode colocar em alto risco tanto a mãe quanto o bebê, a gente indica a cesariana como tratamento mais adequado. Essa é uma questão técnica, não pode ser ideológica. Somos partidários do parto normal, mas cada situação médica é única. A avaliação é importante e, nesse caso, houve indicações de que haveria riscos _ afirma Fagundes, que informou que 60% dos nascimentos no hospital em pacientes atendidos pelo SUS ocorrem por parto normal.

A filha recém-nascida recebeu o nome de Yuja Kali, uma homenagem à padroeira dos ciganos. Ela e a mãe passam bem, mas devem receber alta somente nesta quinta-feira. Emerson é natural de Canoas e vive com Adelir em Torres há três anos. O casal tem uma filha de dois anos, chamada Flora. Moram com o casal também o filho de Emerson, Leandro, de 15 anos, e o filho de Adelir, Angelo, sete anos.